Tão logo o Paraná recebeu a autorização para suspender a vacinação contra a febre aftosa, em outubro do ano passado, a Frimesa, uma das maiores cooperativas do Brasil, retomou um projeto que parecida emperrado: um novo frigorífico em Assis Chateaubriand, no Oeste do estado. Por ali, a empresa terá a capacidade de abater 15 mil suínos por dia. O investimento supera a casa de R$ 1 bilhão e o projeto irá gerar cinco mil empregos na região. Em troca, a cooperativa tem a expectativa de, no médio prazo, acessar um mercado inédito para as carnes paranaenses: o dos países que pagam muito bem.
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Essa injeção de dinheiro mostra um movimento que tende a aquecer em pouco tempo, ainda que o reconhecimento do Paraná como estado livre da febre aftosa por toda a comunidade internacional só venha, de fato, em 2021. É que, ao controlar a doença sem a necessidade de vacinação, o estado sobe de patamar como um potencial exportador para países da União Europeia, Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul: o que corresponde a 65% do mercado mundial. E, mais importante, representa os centros com maior preço/quilo. Seria somente o segundo estado brasileiro a ter a chancela.
“A febre aftosa funciona como um termômetro para a questão sanitária no mundo. A Organização Mundial de Saúde Animal [conhecida pela sigla OIE] certifica alguns países e zonas como área livre de determinadas doenças. Países que vão bem no controle da febre aftosa normalmente têm acesso aos melhores mercados. Os compradores olham a aftosa desta forma: se um país a controla bem, significa que controla bem todas as outras doenças”, destaca Rafael Gonçalves Dias, gerente de Saúde Animal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar).
Estados Unidos, Japão, Coreia e Europa são tidos como destinos mais interessantes porque estão dispostos a gastar pela qualidade. “São diferentes de um mercado periférico [com os quais o Brasil está acostumado a negociar] como a Rússia, que usa a questão sanitária mais para discutir preço. A Rússia volta e meia quer arrumar alguma coisa para baixar preço. Você baixa o preço e continua exportando para os mercados periféricos da mesma forma. Já Estados Unidos e Japão, por exemplo, pagam o que for, dentro da margem que eles estão dispostos a negociar, mas querem qualidade. Não querem o risco de a gente levar para eles uma doença que eles não têm”, explica. Hoje, o Paraná exporta principalmente para África, Rússia, América do Sul.
Suinocultura em alta
Embora a vacinação seja feita em rebanhos bovinos e bubalinos, o reconhecimento internacional do estado como área livre da febre aftosa impacta todas as outras culturas, destaca Ronei Volpi, presidente do Fundo de Desenvolvimento da Agropecuária do Paraná e membro da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep). “É uma doença emblemática. [Controlar sem vacinação] Diz o seguinte para o mundo: o estado do Paraná tem um sistema de defesa forte, robusto, ágil e tecnicamente qualificado. Transmite confiança ao mundo. Em qualquer carne e, às vezes, até nos vegetais”, defende.
Mas, enquanto a avicultura do estado já está consolidada em uma gama maior de mercados compradores e a pecuária bovina atende principalmente o mercado interno, na suinocultura a medida tem muito mais força. Isso porque o Paraná é um grande exportador de carne de porco, ainda que sem ter acesso aos mercados “premium”.
A expectativa é de que o Paraná acirre uma competição com Santa Catarina, que já não vacina seu rebanho há quase 20 anos. O estado ao sul, aliás, é o único do Brasil a vender suínos para Estados Unidos e Japão. Isso se refletiu em mais dinheiro para os vizinhos. Em 2019, segundo números de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Santa Catarina gerou US$ 819 milhões com a exportação de carne suína (congelada, fresca ou resfriada), o que representou 9,2% de suas exportações. O Paraná fez pouco mais de um quarto disso, US$ 229,19 milhões, com exportação deste item – correspondeu a 1,4% dos ganhos do estado.
Como comparativo, o volume de negócios (exportação de todos os produtos) de Santa Catarina com os Estados Unidos foi de US$ 1,34 bilhão, enquanto o do Paraná foi de US$ 934 milhões.
“A perspectiva é ter um volume de negócios muito maior do que Santa Catarina. Eles têm uma limitação de território, têm uma limitação de produção de insumos – por exemplo, soja e milho”, aponta Volpi. Essas commodities são a base da ração para alimentação de aves e suínos. Enquanto o Paraná é rico em ambos os grãos, o estado vizinho precisa comprar. “Antes vinha [para SC] o milho do Mato Grosso, que passou a ir para o mercado internacional e para produção de etanol”, destaca.
Caminho para a aceitação
Embora o Paraná já esteja na trilha de pleitear o reconhecimento mundial como estado livre da aftosa, não significa que a doença rondava o território paranaense. Pelo contrário. No Brasil todo, não há registro de aftosa há 13 anos. No entanto, a política de vacinação era uma barreira para os mercados bons pagadores. Isso porque a vacina não funciona para prevenir a doença, mas para conter o seu avanço. “Isso sempre gerou muitas dúvidas do mercado. Eles olham e pensam: ‘vocês afirmam que não tem a doença, mas continuam vacinando. Não faz sentido’”, diz Rafael Dias, da Adapar.
O que desmotiva os estados a abandonarem a vacinação, no entanto, é a falta de estrutura para combater a doença com boas práticas sanitárias. “Obviamente a retirada da vacinação não pode ser feita de qualquer forma. A doença pode ser reintroduzida. Se você não tiver uma estrutura mínima para fazer o combate, é melhor continuar vacinando”, destaca. No Paraná, houve nos últimos dez anos um esforço para melhorar a fiscalização, controlar a circulação de animais nas áreas de divisas e fronteiras e um trabalho educativo.
Há um cronograma específico, estipulado pela própria OIE, para que compradores reconheçam que as ações estão dando certo. Em outubro, o estado deu seu primeiro passo ao conseguir a autorização para parar de vacinar seus rebanhos. Quando vencer um ano da última vacinação, prazo que acabará em maio, Ministério da Agricultura e agências estaduais iniciam um inquérito sorológico – um estudo técnico com coleta de amostra de sangue – para analisar se existe ou não a presença viral em uma amostra de animais.
Somente após este processo, o ministério envia documentação para pedido de reconhecimento. A OIE tem seus processos via comissões técnico-científicas, com membros do mundo todo, que vão definir se o estado cumpriu os requisitos. No cronograma mais enxuto, o reconhecimento pode vir em maio de 2021.
Potencial de atração
O investimento da Frimesa não é caso isolado no Paraná. No ano passado, outra cooperativa, a Coopavel, de Cascavel, anunciou investimento para melhorar sua produtividade. “Outras empresas têm interesse de vir para o Paraná. Nosso custo de produção é menor quando comparado a alguns outros estados”, diz Rafael Dias.
Além disso, o estado ser um dos pioneiros nesta classificação ajuda a bater estados que, na teoria, teriam mais potencial exportador. “Se for parar para suspender a vacinação junto com o Mato Grosso ou Mato Grosso do Sul, não conseguimos competir. Então é interessante que a gente saia antes neste processo exatamente para conquistar outros mercados. Em algum momento, estes estados também vão parar de vacinar, mas até lá já teremos os mercados garantidos”, aponta.
Embora feita em bases sólidas, a ação ainda é uma aposta. A certificação por si só ainda não é a garantia de negócios. “Isso [o reconhecimento] significa que você consegue o passaporte e o visto para viajar. A viagem em si, ou seja, os negócios propriamente ditos, vão acontecer a partir dos acordos comerciais e sanitários que o Ministério da Agricultura e o Ministério das Relações Internacionais fazem entre os países. E vai depender da dinâmica das empresas de abrir mercado. O que está acontecendo é fazer a base para que isso aconteça”, define Ronei Volpi.
O cenário da suinocultura
Maiores exportadores em 2019 (em milhões de US$)*:
1º Santa Catarina: 819,34
2º Rio Grande do Sul: 388,5
3º Paraná: 229,19
Rebanhos suínos **
1º Santa Catarina: 7,9 milhões de cabeças
2º Paraná: 6,8 milhões de cabeças
3º Rio Grande do Sul: 5,7 milhões de cabeças
Fontes:
*Dados do Ministério da Economia.
**Dados do IBGE referentes a 2018, último levantamento
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