Nova cartilha das Nações Unidas traz o modelo paranaense de atendimento às vítimas de tráfico de pessoas.| Foto: Divulgação / OIM / Amanda Martins
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Uma iniciativa paranaense foi reconhecida pela Agência das Nações Unidas para as Migrações (OIM), e passará a ser replicada em todo o país na prevenção e enfrentamento ao tráfico de pessoas. O trabalho que vem sendo realizado pelo Núcleo Estadual do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo (NETP-PR) da Secretaria Estadual da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf) há mais de oito anos agora vai balizar ações semelhantes em outras cidades e estados por meio de uma cartilha da própria OIM.

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Em entrevista à Gazeta do Povo, a coordenadora do NETP-PR, Sílvia Xavier, comemorou a parceria firmada com a agência da ONU como um reconhecimento pelas boas práticas do núcleo no estado. Segundo ela, a forma como o tráfico de pessoas é abordado no Paraná, único estado a contar com um canal exclusivo para denúncias desse tipo de crime, chamou a atenção das Nações Unidas.

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“Nosso atendimento social abrange todas as mais diversas necessidades dessas vítimas. Nosso atendimento psicológico não é focado em diagnósticos sobre o que aconteceu, mas sim por que isso aconteceu. Esse trabalho vem sendo impulsionado por questionamentos ao longo do tempo, sempre tentando abordagens diferentes. Passamos a ter uma maior visibilidade, e hoje qualquer pessoa, qualquer instituição que entrar em contato com o Ministério da Justiça com dúvidas sobre a criação de um núcleo de enfrentamento ao tráfico vai ser direcionado até o nosso núcleo. Nosso trabalho, nossas práticas, nos credenciaram para sermos referência nacional”, detalhou.

Entre essas práticas citadas pela coordenadora estão a forma como as denúncias de tráfico de pessoas são recebidas e processadas pelo NETP-PR. O primeiro caminho, destacou Sílvia, é fazer a denúncia no site oficial do núcleo. A partir do momento em que a denúncia é formalizada, outras entidades são acionadas, de acordo com cada caso em específico, para que o caso seja tratado da forma mais rápida e correta possível.

Coordenadora ressalta sinais de situações abusivas

Segundo Sílvia, a realidade do tráfico de pessoas hoje é muito diferente do que já foi no passado. “Não temos mais somente aquela vítima vulnerável monetariamente, hipossuficiente, sem escolaridade. Hoje temos vítimas de tráfico que têm curso superior, por exemplo”, revelou.

Além disso, apontou a coordenadora, há casos em que as vítimas, apesar dos indícios de estarem em situações abusivas, podem não se reconhecer como tal. “Nos casais onde o marido é a voz, quaisquer perguntas feitas à mulher são respondidas por ele – seja idade, grau de escolaridade, o que gosta de fazer – isso pode ser um sinal, um indício de exploração servil. Pessoas que não nos olham nos olhos, sempre de cabeça baixa, em locais escuros à beira de rodovias, podem estar em situações suspeitas. As vítimas dão sinais, muitas vezes sem perceber. Muitas vezes estão com vergonha, apresentam dúvidas sobre o próprio nome e idade, porque podem estar utilizando-se de documentos falsos. Pessoas que estejam fazendo um passeio turístico como acompanhante de alguém e que se mostram constrangidas, pouco à vontade, também podem ser vítimas em potencial”, detalhou.

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Processo de validação junto à OIM levou dois meses

Os técnicos da OIM, contou Sílvia, participaram de uma ampla consultoria com a equipe do NETP-PR. Foram dois meses de trabalho, lembrou a coordenadora, nos quais o modelo atual de trabalho do núcleo foi escrutinado nos mínimos detalhes. Tanto cuidado se justifica: o fluxo paranaense de atendimento às denúncias de tráfico de pessoas agora será descrito em uma cartilha que a agência das Nações Unidas disponibilizará para capacitação em todo o Brasil.

“As realidades locais são diferentes em cada estado brasileiro. O Paraná, por exemplo, possui particularidades que não são observadas em outros estados, como é o caso da tríplice fronteira entre Foz do Iguaçu com Paraguai e a Argentina”, afirmou a coordenadora de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas da OIM, Natália Maciel. “Por isso, é tão importante a construção de processos colaborativos entre as instituições para a estruturação e aperfeiçoamento do atendimento às vítimas, mas sempre levando em conta as especificidades de cada contexto”.

Capacitação será estendida ao interior do estado

Durante o processo junto à OIM, o núcleo coordenado por Sílvia forneceu capacitação para agentes do sistema da Justiça, Ministério Público e polícias. As redes de assistência social, Cras, Creas e conselhos tutelares também participaram da formação, que após ter sido feita na capital também será estendida para o interior.

“Recebemos um convite e já deixamos agendada essa capacitação em Maringá no dia 20 de julho. A proposta de interiorizar esse trabalho é bastante interessante, e estamos abertos a outros convites, de outras cidades do estado, para repassarmos esse conteúdo tão importante”, disse Sílvia.