Cristina e o marido, Luiz, morreram de Covid com intervalo de apenas uma semana| Foto: Arquivo da família
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Se não houvesse pandemia, a professora especializada em alfabetização Cristina Rodrigues de Almeida estaria chegando cansada em casa, à noite, após dois ou três turnos lecionando, porém com aquele sorriso de satisfação que dificilmente saía de seu rosto. Os colegas da Escola Municipal Professor Brandão, em Curitiba, onde ela deu aula nos últimos três anos, diziam que se uma pedra fosse colocada na sala com ela, a pedra sairia dali lendo e escrevendo. Cristina, aos 47 anos, foi mais uma vítima da Covid-19. Na semana em que foi diagnosticada com o vírus, ela seria vacinada. Faleceu no dia 10 de junho, seis dias depois do marido, Luiz Carlos Rodrigues de Almeida, que tinha 50 anos e também aguardava por sua dose do imunizante.

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O esmero na profissão lhe rendeu o apelido de “Senhora Alfabeto”, já que andava para todo o lado com um livro com o mesmo nome e bonequinhos que ajudavam na memorização das letras. Mesmo o tempo livre era em parte dedicado a confeccionar bonecos de crochê – os chamados “amigurumis” – do alfabeto e sacolas de leitura para as crianças. As técnicas diferenciadas que reforçavam a aprendizagem vinham da experiência como professora e dos inúmeros cursos e pós-graduações que ela concluiu para se aperfeiçoar e acrescentar inovações às aulas. “Ela criava um vínculo muito forte com as crianças e as famílias, sempre paciente no ensino e oferecendo atividades feitas com carinho”, lembra a diretora da Escola Brandão, Ednéia Aparecida Dias.

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O mestrado para o qual estava estudando e o plano de cursar psicologia eram alguns exemplos da energia sem fim que Cristina detinha, além de uma imaginação vasta. Nascida em Curitiba e criada em Ponta Grossa, trabalhou como doméstica e atendente de posto de saúde até encontrar sua verdadeira paixão: introduzir pessoas ao mundo das letras. Fez magistério, faculdade de Pedagogia e atuava na área de educação há 21 anos. Fazia parte da rede municipal de educação de Curitiba e de Pinhais. Também trabalhou com Educação de Jovens e Adultos (EJA) na Escola Municipal Vila Torres.

Com criatividade, driblou os desafios da tecnologia, da educação online e a saudade dos alunos e alunas causados pelo distanciamento social. A filha Cristiane Rodrigues de Almeida conta que viu a mãe chorar de saudade das crianças após uma mensagem especial de Natal que elas enviaram. “Ela não precisava falar nada sobre isso, dava pra ver no olhar dela o amor pela profissão. Mesmo quando ela se aposentasse, tenho certeza de que ela continuaria fazendo o que fazia”, comenta. Nos últimos anos, Cristina se aprofundou nos estudos sobre a cultura negra e disseminava esse aprendizado na sala de aula.

Cristina e o marido Luiz, tendo ao meio a filha única do casal, Cristiane| Foto: Arquivo da família

Ficou lição de espírito de bondade e de luta

Atuava na Pastoral Afro-Brasileira e no cursinho pré-vestibular Ubuntu, do qual foi coordenadora. Também participava de reuniões e debates em grupos pelos direitos da população negra. Mas Cristiane conta que a valorização da ancestralidade vem de antes do estudo sobre o tema. “Desde que eu era criança lembro dela trazer essa força da cultura. Não só pra mim, mas para crianças negras que sofriam bullying na escola. Ela sempre conversava e dizia que o cabelo natural e a cor da pele eram lindos”, relata. Seu modo de se vestir, com referências ancestrais, e a opção por deixar de alisar o cabelo serviram de inspiração para outras mulheres negras que conviviam com Cristina.

A energia da educadora era balanceada pelo jeito mais calado do marido. Independente da forma de expressão, ambos demonstravam ter corações bondosos até nos atos mais mundanos. Luiz fazia de tudo para cuidar da esposa e da filha única e para fortalecê-las na luta diária. Cristiane conta que a abreviação da vida dos pais de forma tão abrupta e em um intervalo curto de tempo frustra e entristece, mas que ela tira dos 23 anos de convivência com eles a força para seguir. “Cada um à sua maneira, nós três éramos muito ligados. Vem deles esse espírito de bondade, de luta e de sempre olhar para o lado e querer o bem dos outros. E isso vou levar para toda a vida”, conclui.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]