Da lã a um palpite para o fim das guerras em um entrelaçar de dedos. A tecelã Zélia Gomes de Jesus Scholz enxergava seu ofício como uma metáfora para o comportamento humano. Dizia que a frágil fibra da lã ganha força quando reunida em forma de fio, assim como a humanidade, caso decidisse caminhar junta por um ideal de paz. “Isso aqui é um trabalho para filosofar”, recitava. Primeira artesã da Feira de Artesanato do Largo da Ordem de Curitiba, repassou seus conhecimentos como professora de tecelagem. Zélia morreu em decorrência de complicações do Alzheimer, aos 89 anos, no dia 17 de julho.
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Em seu ateliê, era possível ver passo a passo como lindas peças saíam da natureza por meio de suas mãos habilidosas e apetrechos ancestrais. Os fios não vinham do armarinho, prontos e enrolados em um tubo. A lã ou algodão eram recebidos por ela em estado bruto, cardados (processo de desemaranhar as fibras), fiados e, no tear, transformados em roupas, mantas, cobertores e tapetes. A cor vinha do quintal, de cujas flores, ervas e folhas saíam as tintas naturais que produziam os tons pastel irrepetíveis de suas peças. Até da casca de cebola saía o laranja que ela utilizava.
O conhecimento da técnica vem de gerações passadas – a mãe e a avó, que além de tudo ainda colhiam o algodão e tosqueavam carneiros para ter matéria-prima, foram suas professoras na tecelagem – e de outro estado: Minas Gerais, onde Zélia nasceu. Porém, levou anos para que se manifestasse como ofício. Antes, mudou-se para Mandaguari com a família, no fim da década de 1940. Casada com o lapeano José Wille Scholz, morou em Paranavaí e Maringá até 1972, quando firmaram residência em Curitiba para poder oferecer aos filhos educação mais avançada.
No fim dessa mesma década, Zélia levou os rebentos para uma aula de cerâmica no Centro de Criatividade de São Lourenço. Conversa vai, conversa vem, a responsável pelos cursos do local, Teca Sandrini, descobriu o passado tecelão da mineira e a convidou para ministrar aulas. O interesse foi grande e os alunos se multiplicaram. Por anos, lecionou no Centro e em classes domésticas, colaborando para a perpetuação da fabricação artesanal de tecidos do zero. Com seu trabalho, ajudou a comprar a casa em que a família morou a vida toda, no Alto da XV, marcada por um alto pinheiro que ela mesma plantou quando chegou a Curitiba, e que um dia foi árvore de Natal na sala.
A portadora da licença número 1 da tradicional Feira do Largo da Ordem era praticamente um ponto turístico. Uma plateia se formava para vê-la domar a roca de fiar. Chegavam em especial as crianças, e ela não reclamava, pois tinha paixão pela natureza, crianças e livros. O jornalista Cley Scholz, filho de Zélia, lembra da mãe à luz de velas lendo autores clássicos brasileiros como Monteiro Lobato, Olavo Bilac e José de Alencar. A sede de saber não esmoreceu quando ela precisou deixar o ensino básico para ajudar a cuidar dos 13 irmãos mais novos. Com 68 anos de idade concluiu o Ensino Médio e até prestou vestibular para Artes Plásticas.
Zélia da Roca de Fiar – que sempre se prontificava a ajudar quem precisasse, especialmente quem, como ela, vinha do interior para a capital – continuou sendo um ponto de luz por onde passou até o fim da vida. “Ela sempre tinha palavras de inspiração. Quando via algo da natureza, o céu, a flor, a criança, era algo impressionante”, lembra o filho Cley. Zélia teve seis filhos e adotou um sétimo. Deixa também 14 netos e um a caminho.
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