| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
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Aprovado pelo Senado na semana passada e à espera da sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o novo marco regulatório do saneamento básico é visto pelo mercado como positivo para os negócios da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar). Isso porque as novas regras, que estimulam a concorrência no setor, devem forçar a empresa a cumprir metas de universalização no fornecimento de água e tratamento de esgoto, atualmente inexistentes. Para críticos do modelo, no entanto, a facilitação da entrada da iniciativa privada no mercado de saneamento pode precarizar o serviço, especialmente nas cidades menores.

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Uma das principais mudanças, no caso da Sanepar, é que a companhia não poderá firmar novos contratos de programa com municípios, que hoje ocorrem sem licitação, para a execução dos serviços de água e esgoto. Até 2022, a empresa ainda pode renovar os atuais contratos por mais 30 anos, desde que comprove viabilidade econômico-financeira, além de se comprometer com metas de universalização até 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto.

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As metas valerão para qualquer operadora que obtiver a concessão do serviço, sob o risco de perder o contrato. Já novos contratos precisarão ser feitos mediante licitação, envolvendo empresas públicas e privadas. “Na perspectiva de uma empresa estatal como a Sanepar, essa disputa pode ser vista como negativa”, explica Gabriel Francisco, analista do setor de energia e saneamento da XP Investimentos. “Mas, para o cidadão, não”, diz. “A falta de competição atual é um dos grandes responsáveis pelo atraso no setor no Brasil, uma vez que a maioria dos contratos não prevê metas de investimento, de qualidade e de universalização. A importância é tirar as empresas estaduais da zona de conforto.”

No Paraná, de acordo com o Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), cujos dados são atualizados até 2018, a rede de água cobre 94,4% da população total, e o atendimento com rede de esgoto chega a 71,4% dos habitantes. A situação é uma das melhores do país. Para se ter uma ideia, os indicadores médios do Brasil são de 83,6% e 53,2%, respectivamente. Hoje, a Sanepar atende a maior parte do território paranaense: 346 dos 399 municípios.

Outra mudança importante com o novo texto diz respeito à regulação do setor, que ficará a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA), embora o órgão regulador estadual, a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infraestrutura do Paraná (Agepar), deva manter suas funções, seguindo práticas de regulação do órgão federal. “Se o regulador exigir que a Sanepar seja mais eficiente em custos, principalmente agora que haverá competição com players privados, é possível haver uma referência de tarifa menor para o órgão”, explica Francisco.

Apesar disso, esse não deve ser um efeito imediato da nova legislação. Para haver a universalização dos serviços de água e esgoto, um estudo elaborado pela consultoria KPMG em parceria com a Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) aponta que serão necessários R$ 753 bilhões até 2033. Os números são calculados a partir dos dados do SNIS, cujos indicadores estão atualizados até 2018. No Paraná, seriam necessários R$ 13,34 bilhões, dos quais R$ 2,47 bilhões para água e R$ 10,86 bilhões para esgoto. Os recursos para esse investimento devem impactar para cima a conta de água.

Além disso, a Sanepar ainda vai aplicar o restante das parcelas do diferimento do reajuste tarifário definido pela Agepar em 25,63% em 2017. O porcentual deve ser embutido na tarifa de água, parceladamente, até 2024.

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Procurada, a Sanepar se manifestou por meio de nota:

“A Sanepar vem acompanhando a discussão sobre o Marco Regulatório do Saneamento, desde as primeiras Medidas Provisórias apresentadas pelo Governo Federal, e se preparou para este momento. A empresa paranaense, que atende a um universo de cerca de 11 milhões de pessoas, tem uma das melhores performances do setor no mundo. O atendimento com água potável é disponibilizado a 100% da população e a rede coletora de esgoto chega a 74,5% dos paranaenses (com 100% de tratamento). Com os investimentos programados para os próximos anos, a Sanepar está muito próxima de alcançar o índice de universalização de 85% preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As maiores cidades do Paraná se destacam com os indicadores de esgotamento sanitário, como é o caso da capital Curitiba (96%), Maringá e Cascavel (acima de 98%), Londrina (94%), Umuarama (93%), Ponta Grossa (91%), Pato Branco (80%), Francisco Beltrão (77%) e Guarapuava (82%).”

Modelo que estimula privatização gera críticas

A aprovação do novo marco é vista como um incentivo à privatização de empresas estatais. A desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), por exemplo, é dada como certa. No caso da Sanepar, no entanto, não há perspectiva de privatização, ao menos na atual gestão.

Em discurso na sessão remota que aprovou o projeto de lei, o senador paranaense Alvaro Dias (Podemos) classificou a iniciativa como “um salto civilizatório”. “Os números justificam a urgência da matéria. Lamentamos que isso não tenha ocorrido antes.” Ele destacou que o estado não dispõe de recursos suficientes para a universalização do saneamento no Brasil. “Quando o estado não tem, é preciso buscar na iniciativa privada, o que vai ter desdobramentos, inclusive, com a dinamização da economia do país.”

As mudanças não são vistas com bons olhos por algumas entidades da sociedade civil. “O que temos visto, onde já se tentou esse modelo, é que os problemas de saneamento não foram resolvidos”, afirma Gherly Andrey Ranzan, coordenador de Relações Institucionais do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas). “O investimento foi basicamente público e as empresas privadas usaram os recursos para aferir lucro, sucatearam os sistemas e os estados acabaram tendo de reestatizar o serviço.”

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Cidades como Atlanta (Estados Unidos), Paris (França), Berlim (Alemanha), La Paz (Bolívia) e Buenos Aires (Argentina) são algumas das que privatizaram o saneamento e depois voltaram atrás, segundo levantamento do Instituto Transnacional da Holanda.

No Brasil, a iniciativa privada responde pelo serviço de saneamento em apenas 6% das cidades, segundo dados da Abcon referentes a 2019. Manaus, que tem o serviço controlado por uma empresa privada, aparece na 96ª posição no Ranking de Saneamento nas 100 Maiores Cidades, publicado pelo Instituto Trata Brasil. O instituto estima que somente 12,3% da população manauara recebe atendimento de coleta de esgoto, e que apenas 47,6% dos esgotos da capital amazonense são tratados.

Outro caso usado como referência para os críticos da gestão privada do serviço de tratamento de água e esgoto é o do Tocantins. Em 2002, a companhia de saneamento do estado, a Saneatins, passou a ser controlada pela Empresa Sul-Americana de Montagens, que, em 2011 a vendeu à Odebrecht Ambiental, hoje BRK Ambiental, controlada pela Brookfield.

A insatisfação com o serviço já era grande antes da mudança do controle para a Odebrecht. Em 2010, o governo estadual criou uma autarquia, a Agência Tocantinense de Saneamento (TS), como uma alternativa à Saneatins. Ao todo, 77 dos 125 municípios migraram para a ATS, que passou a atender áreas rurais do estado. A Saneatins ficou responsável pelas áreas urbanas de 48 cidades, entre elas as mais populosas.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontou que, em 2017, o tratamento de esgoto chegava a apenas 32% da população das cidades onde o saneamento era controlado pela Saneatins. “Os municípios de pequeno porte são os mais prejudicados, pois além de menos lucrativos, têm carência de apoio do estado, pouca capacidade técnica e quase nenhuma força política para negociar com o prestador dos serviços de saneamento”, diz o trabalho.

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Para o analista Gabriel Francisco, a existência de metas para as companhias é um dos aspectos mais importantes da nova legislação e deve evitar esse tipo de cenário. “Antes não havia nada a ser cumprido, nenhum incentivo para melhora na qualidade do serviço”, diz. “Agora, se não houver melhorias, o que vai acontecer é que a empresa vai perder a concessão.”

Um segundo dispositivo incluído na lei que institui o novo marco do saneamento também pretende evitar que municípios pequenos fiquem desassistidos. A ideia é que os estados componham blocos de cidades, incluindo cidades grandes e menores, que contratarão serviços de forma coletiva.

“Os pequenos municípios estão protegidos pelo sistema adotado de privatização, que vai permitir ao estado regionalizar e mesmo avançar além da região, para atendê-los em uma composição de setor público e privado que promove o avanço e nos tira do atraso”, explicou o senador Alvaro Dias.

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