Apontados pela Operação Peça Chave como os verdadeiros donos da JMK Serviços S.A., Aldo Marchini Junior e Jairo Cezar Vernalha Guimarães resolveram agora assumir a propriedade da empresa, que é suspeita de fraudar orçamentos de serviços de consertos de veículos do governo do Paraná. Quando a Operação Peça Chave foi deflagrada pela Polícia Civil do Paraná, em 28 de maio último, ambos não figuravam formalmente no quadro de sócios, e a investigação indicava Marcos Luiz Robert Zanotto e Jorge Barboza Reis de Souza como laranjas da empresa.
“Aldo e Jairo inserem sócios fictícios para figurarem em seu lugar como proprietários da empresa, ocultando a verdadeira identidade dos investigados, fato que ocorre com certa frequência, uma vez que há provas de sucessivas alterações contratuais, com a inclusão de novos laranjas no contrato social”, anotou a Polícia Civil, no momento em que pedia a prisão temporária de 15 investigados, incluindo Aldo e Jairo – atualmente, ninguém está detido.
“É possível concluir que a empresa JMK participou de licitação com laranjas figurando no contrato social, ocultando os verdadeiros donos da empresa, Aldo e Jairo, o que para jurisprudência dominante configura o crime de fraude a licitação”, continuou a Polícia Civil, em referência ao pregão presencial realizado em 2014 pelo governo do Paraná para fazer o gerenciamento, controle e fornecimento de manutenção preventiva e corretiva da frota oficial de veículos. A licitação vencida pela JMK gerou o contrato 256/2015, foco agora da Operação Peça Chave.
A inclusão dos verdadeiros donos no quadro formal da empresa ocorreu, de acordo com a própria JMK, na segunda-feira (24). Ainda segundo a JMK, os dois entraram como sócios, mas não atuarão na operação da empresa, que nomeou três diretores para administrar o negócio.
O que diz a empresa
De acordo com a Polícia Civil, o motivo para Jairo usar laranjas para representá-lo “talvez passe pela condenação por crimes contra a ordem tributária, praticado centenas de vezes, em virtude de expressiva sonegação fiscal idealizada pelo investigado”.
Em resposta à Gazeta do Povo, a empresa justificou que os donos não figuravam até aqui como sócios porque “tinham problemas com empresas anteriores e temiam que, se configurassem como proprietários, poderiam colocar em risco a operação da JMK”.
Jairo contesta, contudo, a informação da Polícia Civil, de que pesaria contra ele uma condenação por crime contra a ordem tributária. Uma sentença de 2013 de fato o condena a 3 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão, em regime aberto, além de multa, mas Jairo recorreu e, em 2014, o Tribunal de Justiça o absolveu.
A empresa foi aberta em 1986, mas Aldo informou ter entrado nela só em 2013, como prestador de serviço, adquirindo parte dela em 2015, quando a JMK firmou o contrato com o governo do Paraná. Jairo informou que também entrou no negócio em 2015. O registro da última alteração contratual - feita na segunda-feira (24) - deve constar na Junta Comercial do Paraná dentro de cinco dias.
Embora tenham assumido a propriedade da JMK, corroborando o que já apontava a investigação da Polícia Civil, Aldo e Jairo negam ter cometido os crimes narrados pela Polícia Civil – além de fraude à licitação, fraude na execução de contrato, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A investigação da Polícia Civil começou em novembro de 2016.
CPI na Assembleia Legislativa
Nesta terça-feira (25), a CPI da JMK, instalada no último dia 4 na Assembleia Legislativa, recebeu os delegados Alan Flore, que está à frente da Divisão de Combate à Corrupção (DCCO), e Guilherme Dias, responsável pelo inquérito. Para eles, a empresa montou um sistema permanente de fraude, apresentando orçamentos adulterados de oficinas mecânicas credenciadas. “Havia uma exigência contratual, para que a JMK apresentasse três orçamentos ao governo do Paraná. E a investigação mostrou que a falsificação de orçamentos era a regra”, disse o delegado Dias.
Além da alteração de valores nos orçamentos, a prestação de serviços era “caótica”, segundo os investigadores. “E eram serviços essenciais, manutenção e conserto de ambulâncias, carro de bombeiro, viaturas da PM”, reforçou o mesmo delegado.
Havia uma exigência contratual, para que a JMK apresentasse três orçamentos ao governo do Paraná. E a investigação mostrou que a falsificação de orçamentos era a regra. E eram serviços essenciais, manutenção e conserto de ambulâncias, carro de bombeiro, viaturas da PM
Guilherme Dias, delegado responsável pelo inquérito da JMK
De acordo com ele, cerca de 1.000 oficinas estavam ligadas à rede da JMK, mas aproximadamente 800 já estavam se recusando a prestar o serviço, alegando que a empresa não transferia o pagamento devido. “As outras 200 só estavam operando ainda na esperança de receber o dinheiro”, continuou ele.
Sobre a falta de pagamentos às oficinas mecânicas, a JMK afirmou nesta terça-feira (25), em nota encaminhada à Gazeta do Povo, que isso é “consequência dos atrasos crônicos nos repasses do governo do Paraná para a quitação dos serviços”.
“Esses atrasos chegaram a 1.000 dias em algumas situações. Mais da metade dos recursos destinados ao pagamento das oficinas (R$ 97,3 milhões) foi repassada com atrasos pelo governo, o que gerou uma série de problemas com as oficinas credenciadas, inclusive a recusa na prestação de novos serviços”, alegou a empresa.
Falha na fiscalização
Membros da CPI também questionaram os delegados sobre a fiscalização do contrato – se o governo do Paraná falhou ao não detectar problemas. O delegado Dias lembrou que o Deto (Departamento de Gestão do Transporte Oficial do Estado do Paraná) chegou a instaurar procedimentos para apurar situações, mas ponderou que a “aparência de legalidade” dos dados incluídos pela empresa no sistema, além do grande volume de ordens de serviços, pode ter dificultado a fiscalização.
“O uso de peças alternativas nos veículos, ao invés das peças originais, também é algo que depende de uma verificação do Instituto de Criminalística. Não é tão simples”, acrescentou ele.
Esses atrasos [no repasse do governo] chegaram a 1.000 dias em algumas situações. Mais da metade dos recursos destinados ao pagamento das oficinas (R$ 97,3 milhões) foi repassada com atrasos pelo governo, o que gerou uma série de problemas com as oficinas credenciadas, inclusive a recusa na prestação de novos serviços
JMK, em nota enviada à Gazeta do Povo
Na próxima reunião da CPI da JMK, marcada para o dia 2 de julho, os parlamentares pretendem ouvir a ex-secretária estadual de Administração Dinorah Botto Portugal Nogara. O Deto é ligado à Secretaria de Administração e Dinorah estava à frente da pasta quando o contrato foi firmado com a gestão Beto Richa (PSDB). Outro convidado é o atual secretário de Administração, Reinhold Stephanes.
Como o trâmite do inquérito corre de forma sigilosa, abrigado na 8ª Vara Criminal de Curitiba, da Justiça Estadual, a Polícia Civil não tem divulgado a relação completa de investigados – e também não confirma se encontrou alguma relação entre o núcleo empresarial e agentes públicos e políticos.
JMK diz que não era responsável por fiscalização dos serviços
Em nota encaminhada nesta terça-feira (25) à Gazeta do Povo, a empresa JMK alegou que o contrato com o governo do Paraná previa “a gestão compartilhada” do serviço de manutenção de frota e que cabia ao Estado, através do Deto, “autorizar a ordem de serviço, verificar e aprovar o orçamento, deixar o carro na oficina e checar se o serviço havia sido feito conforme orçado”.
“Dessa forma, a JMK não era responsável pela fiscalização final do serviço e apenas repassava para a oficina mecânica o valor orçado e autorizado pelos servidores do Estado. Embora sem previsão contratual, a empresa ainda oferecia o serviço de peritagem, feito por amostragem ou a partir de demanda do gestor do veículo oficial, quando havia dúvida ou desconfiança sobre o serviço prestado pela oficina mecânica”, argumentou a JMK.
Resposta da Seap
Também em nota encaminhada à Gazeta do Povo, a Secretaria de Administração e da Previdência (Seap) do governo do Paraná afirma que não poderia enxergar as irregularidades. "O Deto, órgão responsável pela frota oficial, recebia os orçamentos acreditando que tratavam-se de documentos verdadeiros. Orçamentos com valores divergentes eram devolvidos rotineiramente para as devidas correções e somente após as revisões eram encaminhados aos órgãos solicitantes. Nesta etapa do processo, o Estado não tinha condições de identificar que se tratavam de documentos fraudados", justificou a pasta.
"Com os orçamentos aprovados e o reparo realizado, não se enxergava a fraude praticada, já que eram usadas peças diferentes das informadas pelas oficinas em orçamento, por exemplo, entre outras fraudes que a investigação policial verificou", continuou a Seap.
A Seap defende ainda que o contrato com a empresa "previa fiscalização das oficinas por parte da JMK" e que o tempo alongado para pagamento de parte dos serviços se dava porque "o órgão solicitante não concordava com o serviço prestado, pedindo revisão dos valores, cancelamento das notas ou garantia dos serviços".
Governo do Paraná abre contratação emergencial por R$ 28 mi
A Seap informou que abriu um chamamento público para contratação emergencial de uma empresa para cuidar da manutenção da frota oficial do governo do Paraná. Na quinta-feira (27), serão abertos os envelopes com as propostas das empresas interessadas. Critérios técnicos e de preço serão avaliados.
A vencedora será anunciada na primeira semana de julho. Ela substituirá a JMK, cujo contrato com o governo do Paraná se encerra no próximo dia 26 de julho.
O contrato emergencial terá validade de 180 dias, ao custo de no máximo R$ 38.657.957,20.
Mais seis meses
Em paralelo, a Seap informou que está trabalhando no processo licitatório para contratar a nova empresa. "O novo modelo prevê também a contratação de empresa especializada em auditoria para aferir de forma permanente a execução dos serviços", antecipou a pasta.
Em janeiro de 2019, quando mais um aditivo foi firmado com a JMK para prorrogar o contrato por mais seis meses, o governo do Paraná informou que, em função da troca de gestão (Ratinho Junior no lugar de Cida Borghetti), não houve tempo suficiente para lançar o processo licitatório.
Agora, o governo do Paraná justifica que precisa de um novo prazo - de até seis meses.
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