Réu na ação penal ligada à Operação Piloto, o jornalista Deonilson Roldo negou em depoimento que tenha atuado em acordo com a Odebrecht para limitar a concorrência na licitação da PR-323 aberta pelo governo do Paraná em 2014. Naquele ano, Deonilson era chefe de gabinete do então governador Beto Richa (PSDB). O jornalista foi interrogado nesta quarta-feira (8) pelo juiz federal Paulo Sérgio Ribeiro, da 23ª Vara Criminal de Curitiba.
Autor da denúncia oferecida em setembro do ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) acusa Deonilson de ter concordado em ajudar a Odebrecht em troca de dinheiro para a campanha eleitoral de Richa. O jornalista também negou ter utilizado a sua empresa Start Agência de Notícias para lavar parte do dinheiro recebido da empreiteira, como aponta o MPF, e disse que tem condições de comprovar a origem de todos os valores movimentados no negócio.
Deonilson se emocionou algumas vezes durante o interrogatório. Contou sua trajetória de vida – “com 10 anos de idade eu comecei a trabalhar como engraxate” – e disse que “sempre trabalhou muito” ao longo dos seus 34 anos de serviço público – ele atuou com Jaime Lerner, Cassio Taniguchi e Beto Richa. “Sempre fui conhecido por trabalhar muito. Infelizmente posso ostentar o jargão de que eu não vi os meus filhos crescerem. Só nos raros momentos que eu tirei férias”, disse o jornalista.
Ele também afirmou que não se reconhece na denúncia apresentada pelo MPF – “não sou aquele bandido” – e que sua prisão foi injusta e intempestiva. Deonilson ficou preso preventivamente, na esteira da Operação Piloto, entre setembro de 2018 e janeiro de 2019. “Isso gerou muito sofrimento para a minha família”, disse. O interrogatório durou cerca de uma hora e meia.
“Foi uma armadilha”
Ao juiz federal, Deonilson Roldo disse que não atuou para tirar o interesse da Contern na licitação da obra da PR-323, beneficiando a Odebrecht, e dá a sua versão sobre o diálogo que manteve com Pedro Rache, representante da empresa. “O que eu recebi foi demanda por audiências em nome da Contern pelo ex-deputado estadual Tony Garcia, figura conhecida do Ministério Público e da Polícia Federal. Essa pessoa circulou insistentemente dentro do governo do estado, talvez se aproveitando de laços antigos com o governador [Beto Richa], e ele se dizia representante informal da Contern”, iniciou Deonilson.
“O Tony Garcia eu atendi inúmeras vezes. Ele pressionava tanto que chegava a ser uma coisa pegajosa. Mas fazia parte do meu trabalho engolir sapos, ser o para-choque do governo, afastar coisas indesejadas. Eu tolerava ouvir. E aceitei receber um representante da Contern [Pedro Rache], a pedido do Tony Garcia. Depois eu soube que o Pedro Rache foi orientado a gravar [o diálogo]. Foi uma armadilha montada por ele [Tony Garcia]. E não é a primeira vez que ele tenta fazer isso”, continuou o ex-chefe de gabinete de Beto Richa.
De acordo com Deonilson, quando ele fala na gravação que o governo do Paraná já tem um “compromisso”, não estaria sugerindo que fez um acordo com uma determinada empresa. “Eu falo que há um compromisso na obra. Era um compromisso político e administrativo com a região. Já havia uma PMI [Procedimento de Manifestação de Interesse] protocolada pela Odebrecht. Neste sentido eu falava que havia um compromisso. Jamais um compromisso para destinar a obra para A, B ou C. Talvez tenha ficado mal explicado no contexto”, justificou ele.
O juiz federal também questionou o réu sobre outro trecho do diálogo com Pedro Rache, quando Deonilson menciona a possibilidade de a Contern participar de negócios da Copel na área térmica. “Tony Garcia já tinha me informado que eles teriam interesse nestes negócios da Copel, mas eu nunca entrei em contato com a Copel sobre isso. Foi uma forma que eu usei de livrar do grupo do Pedro Rache, de desviar o assunto da PPP. Apenas ilustrei a conversa com este fato, que era de conhecimento prévio. Não ofereci o negócio da Copel para que a Contern desistisse de participar da licitação da PPP”, afirmou ele.
Questionado pelo próprio advogado de defesa o motivo de a gravação ter ficado “adormecida por quatro anos”, vindo à tona apenas em março de 2018, Deonilson respondeu que acreditava em “vingança”: “Eu posso imaginar que ela fez parte de uma estratégia de vingança de Tony Garcia contra membros do governo do estado. Porque talvez ele não tenha conseguido as vantagens e os negócios que ele pretendia no governo do estado. Comigo ele nunca conseguiu nada”.
“Nunca tive função de arrecadador de campanha”
Deonilson confirmou que, em 2014, recebeu “duas ou três vezes” os executivos da Odebrecht Luciano Pizzato e Luiz Bueno, mas negou que tenha conversado com eles sobre a possibilidade de atuar para limitar a concorrência: “Jamais tive qualquer conversa cruzada ou enviesada ou suspeita vinculada a qualquer tipo de vantagem”.
“O Luiz Bueno me perguntou se eu sabia quem iria concorrer. Eu respondi que a melhor forma de saber quem seriam os possíveis concorrentes era consultar o DER [Departamento de Estradas de Rodagem] para saber quem tinha retirado o edital. Era uma informação pública”, disse o ex-chefe de gabinete de Beto Richa. Ainda segundo ele, pelo menos 20 empresas teriam retirado o edital no DER.
Ele também enfatizou que nunca teve participação na parte de arrecadação para campanha eleitoral: “Eu jamais fui o responsável ou solicitei contribuição de campanha. Minha área de responsabilidade sempre foi de comunicação e marketing. Não tive a função de arrecadador de campanha”.
“Processo da obra foi bastante atabalhoado”
Durante o interrogatório, Deonilson também contou sobre como teria sido o processo dentro do governo do Paraná para tentar realizar a obra da PR-323, cuja licitação foi vencida por um consórcio encabeçado pela Odebrecht, único a participar da abertura dos envelopes. “Foi bastante atabalhoado”, iniciou ele. “A história desta PPP [Parceria Público-Privada] surgiu da necessidade de o governo do estado dar uma resposta à região Noroeste do Paraná. A PR-323 era muito movimentada. Mas o processo ocorreu de forma bastante atabalhoada. Era a primeira PPP realizada no governo. Havia uma falta de coordenação”, contou ele.
Por isso, o então chefe de gabinete disse que acabou se envolvendo no assunto, embora a obra fosse de responsabilidade da Secretaria de Infraestrutura e Logística, então comandada por José Richa Filho, o Pepe Richa, irmão de Beto Richa. “Comecei a realizar internamente uma espécie de coordenação informal administrativa da PPP. Mas jamais houve qualquer interferência, ou na formulação do edital, ou buscando favorecer quem quer que fosse dentro do certame. Nunca tive esta intenção, nunca tive esta responsabilidade. Apenas recebia as demandas administrativas. A gente procurava resolver, dar andamento, cobrar prazos, soluções, decisões”, afirmou ele.
“Havia dentro do governo queixas de que o setor de infraestrutura não andava, que as decisões não eram tomadas, eram demoradas, que o irmão do governador tinha dificuldades de tocar as obras no ritmo e na velocidade desejada pelas lideranças regionais, pelos deputados, pelos prefeitos. Então a gente buscou amparar o DER, no intuito de ajudar”, reforçou ele.
Ao falar do fracasso da obra da PR-323 – na esteira da Operação Lava Jato, a Odebrecht acabou rompendo o contrato com o governo do Paraná, em 2016, sem concluir a duplicação -, Deonilson contou também sobre outras “angústias” do governo do Paraná, como as obras da Rodovia da Uva, em Colombo – “É uma vergonha que não tenha sido desatado um nó em 7 anos”, admitiu ele.
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