O governador do Paraná, Ratinho Junior, durante anúncio da nova quarentena em julho.| Foto: Rodrigo Felix Leal/ AEN
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O Brasil é um país em que se observa um curioso fenômeno. De que tem lei que “pega” e lei que “não pega”. Uma espécie de desobediência civil informal, não organizada, que acaba sendo um termômetro da razoabilidade das leis nacionais – e que nunca se menospreze a sanha do legislador brasileiro em regular.

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Peguemos o caso dos decretos governamentais que regulam as medidas restritivas por conta da pandemia de coronavírus no país. Desde que o vírus foi detectado no Brasil, o brasileiro está aprendendo a conviver diariamente com uma série de decretos que, na prática, decidem o que pode e não pode funcionar em cada cidade e estado conforme a gravidade do alastramento da Covid-19 e também conforme a força da pressão exercida por determinados setores da sociedade sobre os governantes. Assim, discussões sobre a abertura e horário de funcionamento do comércio de rua, shoppings, bares, restaurantes, academias e afins passaram a fazer parte do nosso cotidiano – tudo baseado nos tais decretos. "Já saiu decreto hoje?" virou uma pergunta comum nos tantos grupos de trocas de mensagens de que participamos para saber como podemos planejar o dia seguinte.

O agravamento da epidemia no Brasil mostrou que há medidas mais e menos eficientes tomadas pelos governos estaduais e municipais. O Paraná, no entanto, se destaca não apenas pelo eventual sucesso ou fracasso de suas ações de combate à doença, mas mais pela primazia nas relativizações e concessões das medidas que toma. É um caso incrível de como a imposição de medidas duras podem ser suavizadas num segundo olhar. Em outras palavras: é proibido, mas se quiser, pode.

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O caso mais recente de regulação de medidas de controle da epidemia de coronavírus é um exemplo. Em junho, representantes do governo estadual expressavam preocupação com os casos crescentes de contaminação e o consequente aumento do número de mortes em várias regiões do estado. Na última segunda (29), circulou uma notícia de que o governador Ratinho Junior decretaria o “lockdown” em partes do estado para frear a curva de crescimento íngreme de contaminação.

Inicialmente, o governo apressou-se em dizer que seriam anunciadas, sim, "uma série de medidas para conter o avanço da Covid-19" mas não “lockdown” (o termo, aparentemente, tem conotação negativa). No dia seguinte (30), o governador finalmente anunciou uma “quarentena rigorosa” que determinava a partir da quarta-feira (1.º) o fechamento de atividades não-essenciais em sete regionais do estado, selecionadas a partir de um cálculo que levava em consideração fatores como taxa de contaminação, de óbitos e de ocupação de leitos hospitalares, entre outros.

A situação denota ao menos uma incapacidade de coordenação por parte do Executivo estadual na adoção de medidas que atinjam igualitariamente todo o estado

Imediatamente, prefeituras dos municípios afetados se manifestaram, algumas em concordância com as medidas, outras questionando as normas impostas pelo estado. O texto deste decreto, vale ressaltar, autoriza textualmente os municípios a adotar “medidas mais restritivas”, mas não fala em aceitação facultativa das determinações. A Gazeta do Povo chegou a ouvir especialistas para tentar entender se haveria brecha para os municípios ignorarem a determinação estadual, mas não: decreto deveria valer para todos, o que foi enfatizado pelo governador mais tarde em entrevista à imprensa.

Todo o rigor anunciado pelo governo não sobreviveu à realidade. No dia seguinte, somente três das sete maiores cidades afetadas pelo decreto estadual atenderam a determinação e fecharam o comércio dito não-essencial. Algumas cidades simplesmente ignoraram o decreto, enquanto outras afirmaram que deverão cumprir a regra, mas vão contestar a decisão. A resposta mais curiosa foi a de Londrina: o município do Norte do estado vai aderir ao decreto, mas só a partir de domingo (5).

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Um cidadão que não acompanhe o noticiário do estado de perto e se depare com essa situação poderia imaginar que, diante do quadro, o governo paranaense apertaria a fiscalização, faria ameaças, apelaria à gravidade da situação ou procuraria convencer os prefeitos da importância de respeitar a nova norma. Mas qual foi a resposta dada pelo estado? Afrouxar as medidas. No primeiro dia da “quarentena rigorosa” anunciada pelo governador Ratinho Junior, o governo do estado alterou o próprio decreto, permitindo o funcionamento do lojas de conveniência e feiras livres.

Antes de revelar senão a fragilidade do poder de decisão do governo de Ratinho Junior, a situação denota ao menos uma incapacidade de coordenação por parte do Executivo estadual na adoção de medidas que atinjam igualitariamente todo o estado. Afinal, se o governo confia que o cálculo dos técnicos da Secretaria da Saúde é adequado para determinar o fechamento do comércio e que medidas duras são realmente imprescindíveis no momento, precisa ao menos fazer valer o seu poder de decisão - não necessariamente por força de fiscalização ou de declarações públicas, mas chamando os prefeitos e demais setores da sociedade ao diálogo, e ouvindo quais medidas alternativas poderiam ser mais adequadas ao caso de cada região ou microrregião.

Do contrário, o que se verá nos próximos dias é uma repetição do que aconteceu em março: o que primeiro era um decreto rigoroso, foi sendo suavizado aqui e ali – como no caso da troca do termo “determinação” por “recomendação” –, abrindo cada vez mais exceções ao que se entende por atividades essenciais. Como na situação da prefeitura de Curitiba, que em uma semana definiu quais seriam as medidas restritivas diante do agravamento da epidemia na cidade e, quando finalmente precisou adotá-las, o fez já abrindo exceções à própria regra que havia definido, no caso de abertura dos shoppings.

E não que os governos estaduais e municipais devam ser inflexíveis em suas decisões. Mas sim que tantas mensagens difusas – sobre quais são as regras valendo e por que medidas restritivas são importantes – não servem ao propósito de informar a população sobre o que ela precisa e pode fazer para assegurar a proteção de sua saúde e também da economia do estado.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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