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Comércio em bairros residenciais passou a ser a opção para muitos consumidores que evitam grandes deslocamentos.
Comércio em bairros residenciais passou a ser a opção para muitos consumidores que evitam grandes deslocamentos.| Foto: Daniel Castellano/SMCS

Até alguns meses atrás, certas rotinas faziam parte do cotidiano de muita gente. Deslocar-se para o trabalho ou para o estudo, deixar as crianças na escola, almoçar com os colegas nas imediações da firma, aproveitar o tempinho que sobra para pagar uma conta, olhar vitrines ou procurar um presente. Na volta, aquela passada no supermercado para comprar os ingredientes do jantar – isso quando não tem um happy hour com os amigos. Mas tudo isso foi antes da pandemia do novo coronavírus, que impôs uma rotina diferente: trabalho e estudo em casa, atividades de lazer suspensas, deslocamentos apenas para aquilo que é necessário.

Aos poucos a vida vai retornando à normalidade, ou aquilo que se convencionou chamar de “novo normal”. É nesse “novo normal” que se inserem mudanças nos hábitos de consumo, conforme indicam números e representantes da área de negócios. Com menos deslocamentos e a necessidade de evitar aglomerações, as pessoas estão recorrendo mais a pequenos negócios próximos às suas residências, como mercadinhos, mercearias, panificadoras e comércios de bairro.

Uma pesquisa divulgada em junho pela consultoria Kantar revelou que, no primeiro trimestre de 2020, mais de 2 milhões de consumidores passaram a comprar em pequenos comércios e 1,2 milhão em varejos tradicionais. Os supermercados de bairro também ganharam impulso, com mais de 200 mil pessoas direcionando o consumo para esses estabelecimentos. Entre as razões citadas para essa mudança de comportamento, a necessidade de evitar aglomerações (60%), não ter grandes deslocamentos (59,6%) e buscar preços mais acessíveis (53,5%).

Essa tendência é confirmada por Rodrigo Rosalem, diretor de planejamento e gestão da Federação do Comércio do Estado do Paraná (Fecomércio-PR). “No dia a dia, as pessoas têm, em geral, três regiões de consumo principais: da residência, do trabalho e da escola dos filhos. Como muitas passaram a trabalhar em home office e as crianças não estão indo para a escola, boa parte delas passou a buscar aquilo que precisa em locais próximos à residência”, explica, acrescentando que o fechamento dos shopping centers também contribuiu para essa mudança de comportamento.

Ainda que grande parte das atividades já tenha voltado à normalidade, Rodrigo acredita que o consumo nos bairros deve se manter acentuado mesmo no período pós-pandemia. “Quando o consumidor voltar a circular pela cidade ele terá mais opções, mas, por outro lado, terá criado um relacionamento com algumas empresas mais próximas. Muitas contam com ferramentas digitais, entregam em casa, têm preços atrativos. E a gente sempre prefere comprar de quem conhece, confia, então, esse vínculo tende a favorecer o comércio local daqui para frente.”

Migração no setor de alimentação

O novo comportamento do consumidor se reflete também no setor de alimentação. Dados da Sodexo Benefícios e Incentivos, empresa que administra serviços de vale refeição e alimentação, mostram que entre abril e junho o consumo em restaurantes migrou dos centros comerciais para bairros residenciais de Curitiba. Regiões como Centro, Água Verde, Rebouças e Centro Cívico tiveram uma queda de 61% no consumo, enquanto bairros como Santa Felicidade, Bairro Alto, Pilarzinho e Capão Raso registraram alta de 22%.

O diretor de estabelecimentos da Sodexo, Antonio Alberto Aguiar, explica que, como muitas pessoas passaram a trabalhar em casa nesse período, buscaram restaurantes próximos às suas residências para almoçar. “Muitos desses restaurantes não trabalhavam com vale refeição e alimentação porque tinham um perfil diferente, de receber clientes para jantar ou mais no fim de semana. Eles viram a necessidade de se credenciar porque passaram a receber uma clientela diferente, formada por trabalhadores”, afirma.

Outro fator que contribuiu para essa migração dos consumidores para os bairros foi, mais uma vez, o fechamento dos shopping centers nesse período. “As praças de alimentação são locais que, pela praticidade e pela variedade de opções, costumam atrair um volume grande de pessoas, principalmente trabalhadores. Hoje eles estão reabertos, mas com restrições e movimento ainda abaixo do normal”, observa Aguiar, reforçando a tendência de que uma parcela da população continue frequentando restaurantes dos bairros.

Para ele, isso abre uma nova oportunidade a esses estabelecimentos. “É um momento para apostar em novas modalidades, como delivery, take away, ajustar o cardápio, o tamanho das refeições... com bons ajustes para adequar à oferta, o empresário tem boas chances de conquistar clientes.”

Mais que consumo, empatia

A valorização do comércio local já era uma tendência que vinha sendo observada antes da pandemia, como revela o consultor do Sebrae-PR João Luis Moura. “Há algum tempo percebemos uma sensibilização forte dos consumidores em relação aos negócios locais, sejam eles do próprio bairro ou no contexto municipal. Com a pandemia, isso foi potencializado”, observa.

Quando o consumidor voltar a circular pela cidade ele terá mais opções, mas, por outro lado, terá criado um relacionamento com algumas empresas mais próximas. Muitas contam com ferramentas digitais, entregam em casa, têm preços atrativos. E a gente sempre prefere comprar de quem conhece, confia, então, esse vínculo tende a favorecer o comércio local daqui para frente

Rodrigo Rosalem, diretor de planejamento e gestão da Fecomércio-PR

Segundo João Luis, o comportamento do consumidor vai além de apenas comprar no próprio bairro ou contratar os serviços de uma empresa próxima. “As pessoas incentivam as outras a comprar, divulgam nas redes sociais, criam campanhas. Há um processo de empatia, que mobiliza toda uma cadeia”, ressalta. Um exemplo desse tipo de mobilização, que faz crer que o consumo regionalizado tende a se manter em alta no pós-pandemia, é a grande quantidade de grupos de prestadores de serviços em redes sociais. “São muitos os grupos voltados para bairros ou regiões específicas, que reúnem pessoas mais próximas e, com isso, buscam facilitar tanto para quem oferece o serviço quanto para quem contrata.”

Para os empreendedores, a recomendação do Sebrae é também valorizar o aspecto local. “É importante o empreendedor se apropriar um pouco mais das suas origens, evidenciar que o seu negócio tem uma ligação com o bairro, com a cidade. Deixar claro que ele está ajudando a economia local, afinal, não é apenas o seu negócio, tem os empregados, os fornecedores. Tudo isso favorece uma conexão emocional com os clientes, cria uma experiência de consumo”, orienta o consultor.

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