Revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu inicia em agosto, mas setor político e empresários antecipam tema e querem participar do debate| Foto: Rubens Fraulini/Itaipu Binacional
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Em pouco mais de um mês começa oficialmente a revisão do tão falado Anexo C do Tratado de Itaipu entre os governos do Brasil e do Paraguai. Na prática, são essas tratativas que definem a utilização dos recursos que ficarão em caixa na binacional de energia, pós-quitação dos financiamentos para a construção da hidrelétrica, localizada no Rio Paraná. Os cálculos apontam valor na ordem de quase US$ 2 bilhões por ano a ser dividido entre as partes, que setor produtivo, sociedade civil e entes públicos reivindicam para investimentos destinados a grandes obras estruturantes, voltadas à infraestrutura e logística.

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Mas, se de um lado, o governo do Paraná (estado pelo qual a barragem passa) encampa a ideia de investimentos em infraestrutura, assim como o governo do Paraguai, que está focado em desenvolvimento nacional, na outra ponta o governo federal do presidente Lula pretende rever esse viés, destinando recursos de Itaipu para políticas sociais e pesquisas.

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Nessa balança ainda deve pesar o argumento já ressaltado em diversas oportunidades pelo próprio diretor-brasileiro de Itaipu, Enio Verri (PT), de que os interesses do país vizinho serão levados em conta. Porém, se o consenso demorar para ser alcançado, a consequência será o travamento das negociações para revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu.

Verri admite que será um processo moroso e que dependerá do entendimento afinado entre as partes. Como exemplo, ele citou o processo sobre a hidrelétrica de Yacyretá, também no prolongamento do Rio Paraná, mas na fronteira entre Argentina e Paraguai. Por lá, a revisão dos acordos e aspectos financeiros se estendem por quase uma década e meia.

Renegociação de Itaipu

De acordo com o Tratado de Itaipu, a renegociação começaria em 13 de agosto, mesma semana em que o novo governo paraguaio de Santiago Peña toma posse.

Desde que o assunto passou a ocupar lugar de destaque à pauta no Brasil, o diretor brasileiro da Itaipu tem alertado para dois pontos: a definição e as regras sobre a utilização dessas verbas, que ocorrerá numa negociação entre as cúpulas governamentais, a partir dos ministros das Relações Exteriores dos dois países. O governo brasileiro chega para sentar na mesa de negociação sendo contrário aos investimentos em grandes obras, defendendo o fornecimento de energia elétrica mais barata, com mais qualidade, além do investimento em políticas sociais.

Enquanto nisso, na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) foi criada uma Frente Parlamentar do Novo Tratado de Itaipu - Anexo C, presidida pelo deputado estadual Marcel Micheletto (PL), que é da região onde Itaipu está localizada (oeste do Paraná), do lado brasileiro.

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Segundo Micheletto, está prevista uma série de audiências públicas para debater o tema em consonância com o setor produtivo e a sociedade civil. “O objetivo é ouvir a população, os entes, entender as demandas. Quer algo mais social do que investimento em infraestrutura que vai resultar na geração de mais emprego e renda? Temos um dos maiores potenciais agrícolas do Brasil e precisamos de obras estruturantes, de infraestrutura para escoamento da produção. A Itaipu é uma importante aliada nesse processo e que contará com cerca de R$ 10 bilhões a mais em caixa por ano”, destacou.

Além de ouvir a população e buscar a sensibilização do governo brasileiro, a Frente Parlamentar quer tratar do tema com o Poder Executivo paraguaio. “Vamos, juntos com o governo do Paraná, falar com o novo governo paraguaio que, no nosso entendimento, já identificou que o país que tanto cresce pelo agronegócio precisa de infraestrutura. Me parece que por lá isso está bem definido para investimento dos recursos. Gostaríamos que ao menos parte dessa verba seja destinada às obras”, argumentou Micheletto.

O ex-presidente do Programa Oeste em Desenvolvimento, entidade que reúne cinco das dez maiores cooperativas doa agronegócio do Brasil, e atual presidente da Associação Comercial e Industrial de Foz do Iguaçu, Danilo Vendruscolo, reconheceu que o envolvimento e a participação financeira de hidrelétrica são imprescindíveis para fomentar o desenvolvimento.

“Temos sérios problemas logísticos que afetam o escoamento da produção com trechos rodoviários críticos; falta ferrovia; e um dos grandes exemplos para impulsionar o desenvolvimento regional é a segunda ponte entre Brasil e Paraguai (custeada pela Itaipu durante o governo de Jair Bolsonaro). Precisamos de mais obras como essa. O Paraná, o Brasil e o Paraguai precisam”, considerou.

A Ponte da Integração ainda não está em operação. Estima-se que toda a infraestrutura que dá acesso à ponte, essencial para seu funcionamento, só esteja concluída em 2025. Entre essas obras está a Perimetral Leste, que desvia o tráfego pesado da região central de Foz do Iguaçu a partir de um contorno rodoviário. A Perimetral também é paga pela Itaipu e suas obras começaram ainda durante o governo do ex-presidente Bolsonaro. Neste momento, cerca de 30% dela estão prontos.

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“Não seremos inconsequentes em paralisar ou deixar obras inacabadas. As que estão em andamento seguirão e serão concluídas”, prometeu Enio Verri. Somadas, as edificações da ponte e da perimetral vão custar aos cofres da binacional mais de R$ 700 milhões. Ele pondera, porém, que os temas temas propostos pela Frente Parlamentar "terão de ser tratados diretamente com os ministros de Relações Exteriores de ambos os países”.

“Fator de desenvolvimento”, diz futuro ministro paraguaio

O futuro ministro das Relações Exteriores do Paraguai, Rubén Ramírez afirmou em entrevista recente à Agência EFE que a agenda com o Brasil vai muito além de Itaipu, mas destacou a importância da revisão do Anexo C. O presidente eleito no país vizinho esteve em Brasília no mês de maio para uma reunião com Luiz Inácio Lula da Silva.

Na ocasião, Peña afirmou que a “revisão do tratado que permitiu ao seu país e ao Brasil construir e operar conjuntamente a hidrelétrica de Itaipu não se limitará aos aspectos financeiros” e poderá se estender a todo o documento. “Temos uma bateria de opções e propostas que vamos colocar na mesa assim que o presidente Santiago Peña assumir”, acrescentou Ramírez à Agência EFE.

Para o futuro ministro, “Itaipu será um fator de desenvolvimento” para ambos os países. Ele disse ainda que não há pressa para esse debate, porém, há prazo para ser encerrado, e que defende o melhor acordo, “com equilíbrio entre os lados brasileiro e paraguaio”. A Itaipu é a maior empresa do Paraguai e, como o país não consome toda a energia que produz, 80% dela é comercializada obrigatoriamente ao Brasil pelas regras atuais. Com a revisão do Tratado de Itaipu, o Paraguai também poderá definir se seguirá ou não comercializando o excedente ao Brasil.

Durante a solenidade de posse de Verri no comando do lado brasileiro da usina, em março, Lula discursou que tem noção do que a revisão significa para o Paraguai, simbolizando o fim do pagamento da dívida. “Queria dizer que tenho a certeza de que faremos um tratado que leve muito em conta a realidade dos dois países e o respeito que o Brasil tem que ter por seu aliado”, completou o presidente.

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Municípios lindeiros

Quem também quer debater a distribuição de recursos a mais no caixa de Itaipu são os municípios lindeiros ao lago: 15 no Paraná e um no Mato Grosso do Sul. São cidades que tiveram áreas afetadas com o enchimento do reservatório no ano de 1982 para início da operação da hidrelétrica.

O presidente do Conselho dos Municípios Lindeiros e prefeito da cidade de Santa Helena (PR), Evandro Grade, também é adepto à proposta de investimentos em infraestrutura, mas reforçou a importância da manutenção do pagamento de royalties e, quem sabe “um incremento”.

Em 2022, a Itaipu pagou somente aos lindeiros cerca de R$ 572 milhões em compensação. De janeiro a maio deste ano já haviam sido R$ 345 milhões. Santa Helena, o município mais atingido pela barragem, é quem mais recebe royalties. Ano passado foram R$ 171 milhões, além de R$ 84 milhões nos primeiros cinco meses deste ano. “Santa Helena perdeu um terço de suas áreas com o enchimento do lago. Essas terras estão debaixo d´água ou com mata para preservação do rio, o que gera uma perda em produção, em aspectos econômicos e sociais”, reiterou o prefeito.

Para Grade, é necessária uma maior contrapartida aos atingidos. “Finalizamos um estudo pelo Conselho dos Lindeiros. Ele mostrou que os valores recebidos em royalties deveriam ser quatro vezes superiores para compensar as perdas territoriais e, consequentemente, financeiras e sociais. Esse estudo vai à Itaipu, ao governo, certamente não teremos esse volume de compensação, mas que sejam mantidos os que temos hoje e quem sabe, com algumas correções”, destacou o prefeito.

Enio Verri confirmou, em reunião com gestores municipais, em maio, que os royalties serão mantidos, mas que os valores estarão na pauta da revisão do Tratado de Itaipu.

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O que é o Tratado de Itaipu

A revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu ocorre 50 anos após o início das obras de uma das maiores hidrelétrica do mundo. O Tratado de Itaipu é o acordo diplomático que deu origem à empresa binacional, permitindo a utilização da área com potencial hídrico para a geração de energia elétrica aos dois países. Em 26 de abril de 2023, o acordo completou 50 anos. Itaipu produz 10% da eletricidade do que o Brasil consome.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]