Pelo último dado oficial divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, o Paraná era 7º estado do país pelo PIB per capita, de R$ 37.221, muito próximo dos estados logo acima (RS, MT, SC e RJ) e ajudando a puxar para cima o PIB por habitante do Brasil, de R$ 31.833. Contudo, para os moradores do sul do estado, a realidade é bem diferente. Mais "pobres", os R$ 27.802 da região Sudeste e os R$ 28.343 da Centro-sul de PIB per capita, segundo o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), só ficam acima do Norte Pioneiro entre as dez regiões geográficas do Paraná, ou seja, bem diferente de outras regiões do estado e abaixo até da média brasileira, próximos a índices de estados como Goiás ou Espírito Santo ou de países vizinhos como o Peru.
O menor desenvolvimento da região passa por algumas questões, mas o professor do departamento de Economia da UFPR Marcelo Curado resume antes de detalhar: "Não existiram fatores promotores do desenvolvimento. Sem atividade econômica não há geração de emprego e renda, não tem desenvolvimento econômico". Diferente de outras regiões impulsionadas pela indústria ou agronegócio, o Sul ficou "órfão". "Olhando pela perspectiva histórica, a região de Londrina [Norte] teve a expansão do café e depois um ciclo industrial, temos o agronegócio com a soja voltado ao mercado internacional, exportação de frangos, suínos principalmente na região oeste e Curitiba teve seu grande processo de industrialização capitaneado pelo estado nos anos 60, que depois avançou para os serviços", explica.
A professora de Geografia do Instituto Federal do Paraná em União da Vitória, Patrícia Baliski, vai além e lembra os distintos contextos de ocupação no estado. "A região é mais antiga, o chamado Paraná tradicional, que vem lá do passado com a doação de sesmarias, grandes extensões de terras para famílias influentes, seguido pelo tropeirismo, a procura pelo ouro, exploração da madeira, erva-mate. A própria imigração eslava [ucranianos e poloneses] que a região teve era mais isolada, com colônias para fornecimento do mercado interno, que ficaram pelos campos de Guarapuava até Palmas. Mais uma agricultura familiar", explica.
Caso diferente do que aconteceu em outras regiões, ocupadas posteriormente e com atividades capitalistas mais modernas. "No fim do século XIX começa a ocupação do Norte a partir do café paulista, e já na década de 20 uma empresa inglesa fez todo um projeto de colonização, com a venda de terrenos menores, fundação de cidades e produção voltada para exportação. Isso vai até o Noroeste nas décadas seguintes. Já perto do meio do século XX tem o avanço da frente sulista no oeste e sudoeste, outro tipo de agricultura, criação de animais, também com venda de terra, imigrantes alemães e italianos", resume a professora.
Baliski ainda recorda um fato importante que reverbera até hoje na região: a Guerra do Contestado. Há mais de um século, entre 1912 e 1916, o conflito armado entre posseiros e proprietários de terras na área de divisa entre o Paraná e Santa Catarina para a construção de uma estrada de ferro provocou a expulsão de milhares de pessoas que de uma hora para outra não tinham como se sustentar, inflando os problemas sociais da região. "A situação foi se arrastando e a desigualdade permanece até hoje. Aqui em União da Vitória, por exemplo, os mais pobres entre os pobres são os descendentes dos caboclos, excluídos e largados a própria sorte há mais de 100 anos."
Mas e a erva-mate?
A importância da planta beneficiada já antes da chegada dos europeus ao Brasil é inegável. Em meados do século XIX a erva-mate era responsável por 85% da economia paranaense, ajudou na emancipação do Paraná e propiciou grandes evoluções até o fim do século, como a construção da Estrada da Graciosa e da ferrovia Paranaguá-Curitiba – o que também concentrou engenhos e fábricas na capital. Contudo, apesar da produção de erva-mate ser concentrada na região Centro-Sul/Sudeste do estado, ela não foi capaz de fazer a região seguir crescendo após o declínio do seu ciclo, com a queda da bolsa de Nova York em 1929.
"O capital gerado não era tão grande e a demanda era restrita, não teve potencial para gerar acúmulo de capital e geração de renda no futuro, diferente do café. Em São Paulo, a indústria foi gerada a partir do setor cafeeiro", explica Curado. A madeira, outra atividade importante na região, também não teve esse cuidado. "O setor madeireiro é importante, mas lá atrás era mais predatório e de menos acumulação", complementa.
"Houve uma dinamização no ciclo da erva-mate, desenvolvimento do comércio devido aos vapores [barcos] no rio Iguaçu, mas depois continuou a madeira e atividades industriais ligadas a ela, sem um valor agregado muito alto", diz Baliski. Hoje, tanto madeira como erva-mate seguem como os carros-chefe da região.
Em 2018, o estado foi responsável por 87% de toda a produção nacional da erva-mate – movimentando pouco mais de R$ 400 milhões – e a cadeia do produto gera emprego e renda para cerca de 100 mil famílias, segundo a Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento, principalmente na região Sul. Juntas, São Mateus do Sul, Cruz Machado, General Carneiro, Bituruna, Paula Freitas, Inácio Martins, Palmas, União da Vitória, Irati e Pinhão representam 80% do total da produção (mais de 95% destinada ao chimarrão).
A erva é vista como um grande ativo e o estado busca incentivar sua produção, para que a agricultura familiar possa se industrializar e melhorar a renda das famílias, expandindo a gama de produtos, uma vez que a planta pode ser utilizada na indústria farmacêutica, composição de alimentos, energéticos, chás e sucos. Na Assembleia Legislativa, tramita um projeto para que a erva-mate e seus produtos derivados passem a fazer parte da merenda escolar da rede pública de ensino.
Ciclo vicioso
Presa a fatos e práticas do passado e com pouca modernização em outros setores da economia, a região Sul acabou vítima de um "ciclo vicioso", que fez outras áreas do estado avançarem mais e de forma mais rápida. "As regiões mais desenvolvidas acabam tendo mais aportes de investimentos em infraestrutura, reforçando a tendência de concentração nelas. [No Sul] Falta infraestrutura de transporte, o que dificulta a ocupação demográfica, o desenvolvimento de negócios. E isso vai se retroalimentando, a medida que os grandes centros urbanos foram crescendo, o estado foi atender essas regiões. Faltou um cuidado de gestões passadas [ao longo do século XX] que poderiam ter interiorizado a industrialização, a infraestrutura econômica, logística e social", comenta Curado.
Não à toa, pelo último censo do IBGE, a região (Centro-sul e Sudeste) abrigava pouco mais de 8% dos habitantes do estado, embora represente quase 20% da área territorial. A região Sudeste, em especial, tinha o menor grau de urbanização (58%) e possuía mais 40% da população em áreas rurais, muito acima do restante do interior.
O professor ressalta que locais mais "atrasados" não conseguem resolver seus problemas sozinhos. "Não conseguem quebrar esse ciclo e vai aumentando o grau de atraso. O que se pode fazer para desenvolver é criar fatores geradores de renda e emprego voltado a essas regiões, políticas de incentivo que levem investimentos privados", afirma. Ele também faz uma ressalva: "O estado avançou muito nas últimas duas décadas de maneira geral e desenvolvimentos desiguais são comuns em grandes territórios. O Paraná tem o tamanho de um país médio da Europa, na Itália as regiões Norte [mais desenvolvida] e Sul têm padrões bem diferentes, isso é bastante comum. O Brasil é assim", diz.
Mais infraestrutura
Um dos grandes vieses de desenvolvimento regional é o acesso logístico: "tem um peso muito forte", define o gerente dos Conselhos Temáticos e Setoriais da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), João Arthur Mohr. "Quando uma indústria vai se instalar, os principais critérios são: estou próximo da minha matéria-prima? Do meu mercado consumidor? Se exporto, tenho um porto com fácil acesso? Tenho mão-de-obra qualificada disponível? São inúmeros critérios, até o acesso do executivo, o tempo até aeroporto mais próximo para chegar ao local", explica.
Como o modal rodoviário é o mais utilizado no país, a falta de uma rodovia adequada prejudica a região. "Hoje a BR-476 [Lapa-União da Vitória] está em bom estado até, mas são inúmeras obras a serem feitas pra ampliar a capacidade e dar uma sensação de segurança. Sem isso, o empresário já descarta a instalação", diz Mohr, lembrando o alto volume de tráfego em pista simples.
Fora do atual Anel de Integração, que priorizou grandes centros, a região pode em breve ter seu acesso facilitado com o redesenho da malha viária concessionada. No momento o International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para financiamento de projetos de infraestrutura, faz os estudos para a nova concessão de rodovias no estado, que deve saltar de 2,5 mil para 4,1 mil quilômetros. "A PR-280 de Marmelândia [Realeza], no Oeste, até União da Vitória está certa. Já a BR-476 de União até a Lapa está em estudo para entrar na licitação que deve sair até fevereiro, março do ano que vem", diz João Ricardo Schneider, da superintendência geral de governança na Casa Civil. A definição final dos trechos, entretanto, deve sair até outubro.
A obra representaria um verdadeiro "corredor sul". Segundo Mohr, a obra da BR-476 já está com o estudo pronto, – a "Rodovia do Frango" – que sairia de Chapecó-SC e chegaria concessionada até Paranaguá. "Ela chega ao Paraná por General Carneiro. Pelo menos o trecho paranaense pode ser feito nesse pacote do Paraná, a previsão é que entre nele, mas pode entrar em outra concessão também, corre em paralelo", diz. Para Mohr, esse trecho da BR-476 é fundamental. "O consumo está mais na costa litorânea, assim como os portos. Para União da Vitória é mais importante essa ligação para Curitiba pela Lapa. No trecho dali até a capital [pedagiado] muda completamente."
Além do novo Anel de Integração, o governo do estado prevê a melhoria de pelo menos três trechos de PRs na região (170, 281 e 364) dentro do banco de projetos. "No momento estão sendo feito os estudos de contagem de tráfego para propor as soluções. Podem ser terceiras faixas, duplicação", diz Schneider.
Outro projeto do governo é o lançamento de um plano de desenvolvimento para as 50 cidades com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, que contemplaria a alguns municípios da região. "É um projeto de estímulo, atração de investimentos, geração de emprego e renda e qualificação de mão de obra. A raiz do problema é de base econômica. É preciso levar dinheiro para lá. Deve ser anunciado pelo governo em 30, 40 dias", finaliza Schneider.
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