Enquanto os veículos elétricos ainda ingressam no Brasil em marcha lenta, o Paraná desponta como referência no desenvolvimento de soluções para eletrificação da frota no país. Da nacionalização de componentes a estudos de qualidade de energia, instituições paranaenses conduzem pesquisas que colocam o estado na vanguarda quando o assunto é mobilidade elétrica.
À frente das iniciativas estão instituições como a Companhia Paranaense de Energia (Copel), responsável pela maior eletrovia do país, e a Itaipu Binacional, que lidera um dos principais programas de pesquisa na área de mobilidade elétrica, iniciado há 13 anos. “O foco é a busca por soluções ambientalmente corretas mas que também gerem impacto econômico positivo”, diz o engenheiro eletrônico Marcio Massakiti Kubo, coordenador do Programa Veículo Elétrico da Itaipu.
Uma das tecnologias desenvolvidas no programa é a chamada bateria de sal, que utiliza sódio e níquel em substituição ao tradicional lítio. Entre as diversas vantagens estão a abundância da matéria-prima, o fato de o material ser 100% reciclável e a faixa de temperatura de operação, mais adequada a países tropicais. A bateria de lítio, comumente utilizada em veículos elétricos, opera idealmente entre 20° e 30°C, o que torna necessário um sistema de refrigeração para evitar o sobreaquecimento, elevando o peso da peça e consumindo mais energia.
“Além disso, pelo modo como é construída, a bateria de sal é totalmente segura em caso de rompimento, sem risco de explosão, e continua a operar se uma das células que a compõem se danifica, diferentemente do que ocorre com a de lítio”, explica o engenheiro. Por fim, a geometria de construção utilizada pelos pesquisadores, plana em vez de tubular, reduz o custo da peça em até 50%. Atualmente, o preço da bateria corresponde a até 40% do valor de um carro elétrico. “O lítio é o material ideal quanto menor for a aplicação”, diz Kubo.
O projeto é desenvolvido com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em parceria com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) e a empresa suíça Kraftwerke Oberhasli AG. No momento, a tecnologia encontra-se em fase de desenvolvimento experimental. A expectativa é que possa chegar ao mercado nos próximos anos.
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Demanda
O Brasil conta ainda com uma frota ínfima, embora crescente, de veículos elétricos. Conforme dados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), até fevereiro 11.323 carros elétricos haviam sido emplacados no país. O volume representa apenas 0,01% do total de veículos leves em circulação no Brasil.
“Além da infraestrutura de recarga, o principal desafio no momento é o custo de aquisição do veículo”, diz o engenheiro Carlos Gabriel Bianchin, pesquisador do Lactec, instituto de pesquisa sediado em Curitiba. Para se ter uma ideia, o Renault Zoe, elétrico mais comercializado da Europa, é vendido por R$ 149.990 nas concessionárias da marca francesa no Brasil. Incentivos para o consumidor final podem ser aliados para o desenvolvimento do mercado de veículos elétricos, defende Bianchin. Na Noruega, onde 39% das vendas de carros em 2017 foi de modelos elétricos, há políticas de incentivos fiscais. O país europeu pretende eliminar veículos movidos a combustíveis fósseis até 2025.
No fim de março, o governador do Paraná Carlos Massa Ratino Junior (PSD) anunciou um projeto de lei para zerar o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) de veículos elétricos e o encaminhamento de um pedido ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para isentar também o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para aquisição dos modelos.
Em entrevista coletiva realizada na semana passada, Ratinho Junior afirmou que uma montadora teria anunciado interesse em instalar uma nova fábrica no estado destinada à produção de veículos elétricos. Inicialmente planejada para a Argentina, a nova planta teria mudado de destino após o governo estadual propor as isenções de impostos, segundo o governador, que não deu detalhes sobre a empresa interessada em investir no estado.
Em âmbito federal, o programa Rota 2030, que define regras para a fabricação dos automóveis produzidos e comercializados no Brasil nos próximos 15 anos, trouxe uma nova alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos elétricos e híbridos.
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Infraestrutura
Há um dilema que impera nos setores elétrico e automotivo sobre a área que deve dar o impulso inicial para que a mobilidade elétrica deslanche de vez no Brasil. Enquanto não houver infraestrutura para abastecimento, não haverá veículos elétricos. Ao mesmo tempo, não se investirá nessa infraestrutura se não houver demanda.
Do lado das distribuidoras de energia, a Copel lidera uma iniciativa para instalar dezenas de eletropostos ao longo de toda a extensão da BR-101, que liga o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, em parceria com outras concessionárias do setor. O projeto deve ser submetido à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para desenvolvimento no âmbito da chamada estratégica de projetos de pesquisa e desenvolvimento sobre mobilidade elétrica, lançada no dia 10 de abril.
Experiência para isso a Copel obteve com a instalação de 11 postos de recarga ao longo dos 730 km da BR-277 que ligam Paranaguá, no litoral do Paraná, a Foz do Iguaçu, no Oeste. Como a intenção era que os eletropostos fizessem recarga rápida (abastecimento de 80% da bateria em até 30 minutos), foram necessárias adaptações para a realidade local, explica Julio Omori, superintendente de Smart Grid e Projetos Especiais da companhia. “O projeto mostrou que era necessária uma alimentação exclusiva, uma demanda que chega ao limite da baixa tensão”, conta. Enquanto o padrão da rede de distribuição do Paraná varia entre 127 e 220 volts, a recarga rápida de um veículo elétrico exige um mínimo de 380 volts.
Mais do que isso, o desafio foi identificar locais que tivessem uma estrutura mínima para o motorista durante o abastecimento, com cobertura e opção de alimentação, por exemplo, uma vez que o tempo de recarga é muito superior ao do abastecimento de combustível fóssil. Após a identificação dos pontos, realizada em parceria com o Lactec, os postos foram instalados a distâncias médias de 100 km para dar conforto ao usuário de carro elétrico, cuja autonomia média é de aproximadamente 200 km.
O carregamento de veículos em casa já é possível com a utilização de adaptadores, porém em sistema de recarga lenta. Estudos conduzidos na Copel mostram que a rede de distribuição suportaria um crescimento imediato de até 700% da frota de veículos elétricos no Paraná, segundo Omori. De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran), há hoje 275 veículos elétricos emplacados no estado.
“O grande problema hoje são os padrões de instalação elétrica dos condomínios residenciais, que em muitos casos não são adequados para suportar o crescimento da demanda”, diz o engenheiro da Copel. A concessionária desenvolve ações de sensibilização com o setor de engenharia e de construção civil para estabelecer diretrizes para instalação de pontos de recarga em estacionamentos de novas habitações de uso coletivo.
Referência
Entre outras tecnologias em desenvolvimento no Paraná, destacam-se o primeiro caminhão elétrico da América Latina, criado em uma parceria da Itaipu com a Iveco, lançado em 2009; o primeiro ônibus 100% elétrico do país e o primeiro ônibus híbrido, movido a eletricidade e a etanol, ambos desenvolvidos também no programa da binacional. Em 2015, em parceria com a ACS Aviation, de São José dos Campos, a Itaipu colocou no ar o primeiro avião elétrico tripulado da América Latina, em um voo realizado em pista na margem paraguaia da usina.
No Lactec já foram objetos de projetos de pesquisa e desenvolvimento eletropostos de recarga alternada para smart cities; soluções de localização por Internet das Coisas e até sistemas de infotainment para o usuário do veículo elétrico encontrar pontos de recarga, monitorar o consumo de bateria e outras variáveis internas do automóvel.
A presença no estado de montadoras de carros interessadas na nova tecnologia, como a Renault e a Nissan, em São José dos Pinhais, e de veículos pesados, como a Volvo, em Curitiba, contribui para consolidar o estado como polo de desenvolvimento tecnológico em mobilidade elétrica. Embora ainda não fabriquem modelos elétricos no estado, as empresas realizam estudos e testes em parceria com instituições de pesquisa. Além disso, startups como a Hitech Electric e a eiON ajudam na disseminação da tecnologia.
Já em 1981 um consórcio técnico formado por Copel e pelas empresas Invel (do grupo Marcopolo), Puma, Bardella e Lucas conduzia testes com o Eletron, um caminhão elétrico com capacidade para uma tonelada de carga, autonomia de 105 km e 80 km/h de velocidade máxima. O projeto foi descontinuado em razão do alto custo e do sucesso do Proálcool, programa que incentivava o uso do etanol no país.
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