Embora tenha números que pareçam baixos em primeira vista, a hanseníase ainda atinge o Paraná de modo preocupante. Assim como a tuberculose, ela é considerada uma doença negligenciada - aquelas causadas por agentes infecciosos ou parasitas e encontradas principalmente em populações de baixa renda. O que aumenta a preocupação é que ela é silenciosa, de difícil diagnóstico precoce.
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O Paraná teve 423 casos novos de hanseníase detectados em 2021, segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (Sesa), número superior ao encontrado em Santa Catarina (136) e Rio Grande do Sul (93), estados com as menores taxas de detecção no país.
Essa diferença tão grande, segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, pode não retratar com fidelidade o cenário da doença na região. A distinção entre os sistemas de saúde relacionados à hanseníase tende a impactar no número de diagnósticos confirmados.
No primeiro semestre de 2022, 87 novos casos foram identificados no Paraná. Assim como todo o Brasil, o estado observa uma queda consistente nos diagnósticos desde 2009, quando foram detectados 1.194 casos, de acordo com dados do Ministério da Saúde (MS). Embora haja uma redução maior mais recentemente, “a redução mais acentuada nos últimos dois anos pode estar relacionada à menor detecção de casos ocasionada pela pandemia de Covid-19”, destaca o MS no último boletim epidemiológico sobre a doença, publicado em janeiro. Em 2019, ano anterior à pandemia, foram 571 casos. Em 2020, 388.
Apesar de poder ser visto um pequeno aumento no número de casos novos da doença desde 2021, segundo a Sesa ainda é cedo para mensurar se, a partir de agora, com o retorno paulatino à normalidade, devem ocorrer mais notificações devido a esse represamento.
Municípios com maior incidência
As maiores taxas de detecção da doença no Paraná são das regionais de saúde que compreendem a região de Guarapuava, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Campo Mourão e Jacarezinho. Londrina, Foz do Iguaçu, Curitiba e Cascavel são algumas das cidades que, em 2020, tiveram mais diagnósticos de casos em números absolutos.
Hanseníase é silenciosa e tem sintomas inespecíficos
Algumas das causas para que ainda haja muitos casos dessa doença no estado, segundo a Sesa, diz respeito à hanseníase ser uma doença silenciosa e de difícil identificação, até por falta de informação entre quem deveria diagnosticá-la. “Pouco se fala sobre a doença, inclusive na formação dos profissionais de saúde, dificultando assim a identificação de sinais e sintomas”.
A hanseníase é considerada uma doença silenciosa, de acordo com a dermatologista e hansenologista Laila de Laguiche, fundadora e presidente do Instituto Aliança contra Hanseníase, por ter um tempo de incubação extremamente longo e sinais iniciais da doença inespecíficos. “Um paciente pode se contaminar e levar de dois a cinco anos, em alguns casos extremos até 15 anos, segundo a literatura científica, e isso faz com que o diagnóstico seja muito tardio e aponte já danos em nervos periféricos”, diz ela.
Como os sintomas iniciais são inespecíficos, iguais em várias outras doenças dermatológicas, isso dificulta que um clínico geral pense em hanseníase como hipótese diagnóstica na primeira abordagem clínica. Por este motivo, segundo Laila, além do diagnóstico clínico, deve-se enfatizar o diagnóstico epidemiológico. “O Brasil é o segundo país em prevalência (número absoluto) de hanseníase e o primeiro em incidência (número de novos casos sobre a população) de hanseníase. Então, nas situações em que a gente faz uma hipótese diagnóstica para uma doença ou granulomatosa ou infecciosa crônica, tem que se pensar também no diagnóstico epidemiológico e não somente no clínico”, diz ela, que também é membro das sociedades brasileiras de Dermatologia e de Hansenologia.
A formação insatisfatória sobre o tema pelos profissionais de saúde, tanto médicos quanto enfermeiros, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, que têm uma carga horária de estudos pequena sobre a doença, também dificulta a agilidade no diagnóstico, segundo a médica dermatologista. “Por ser uma doença importante no país, precisaria ter uma carga horária mais adequada à capacitação dos profissionais de saúde. Entre especialistas, o dermatologista é o mais preparado para fazer o diagnóstico e, tecnicamente, a formação de um especialista em hanseníase exige carga horária de 10% da dermatologia em hansenologia”, cita Laila.
Esforços para reduzir números da hanseníase
Para tentar reduzir o número de casos no Paraná que, de 2016 a 2020, segundo o MS, somou 3.080 casos novos, são diversos os esforços da secretaria. “A busca ativa para detecção precoce dos casos, prevenção e tratamento das incapacidades, a reabilitação e manejo das reações hansênicas, recidivas e nos eventos pós-alta são alguns deles”, cita a secretaria.
Somam-se ainda a investigação dos contatos para interromper a cadeia de transmissão, a formação de grupos de autocuidado, o acesso a órteses e próteses e o enfrentamento ao estigma e discriminação às pessoas acometidas pela doença.
Entre os maiores desafios hoje para reduzir esses números está sensibilizar a população para o fim dos estigmas, garantir que todos os profissionais, principalmente da Atenção Primária à Saúde, estejam capacitados para identificação da doença, diagnóstico precoce e tratamento adequado da hanseníase. “Falar sobre a doença é essencial, só assim chega à população a informação de que a hanseníase existe e acomete muitas pessoas, trazendo prejuízos irreparáveis quando não diagnosticada e tratada precocemente”, explica a Sesa.
Doença se transmite por gotículas e contato frequente
Causada pela bactéria Mycobacterium leprae, a hanseníase é uma doença crônica que pode afetar qualquer indivíduo e gerar incapacidades permanentes. Mãos, braços, pés, pernas e olhos podem sofrer com alteração, diminuição ou perda da sensibilidade térmica, dolorosa, tátil e redução da força muscular. Os nervos dos membros inferiores, superiores e face vão sendo lentamente comprometidos, alterações que podem passar despercebidas.
Diagnosticar precocemente é o que evita transmissão, complicações e deficiências, sendo que os exames clínicos têm papel preponderante nesse sentido, visto que a baciloscopia, o teste de laboratório mais usado para auxiliar no diagnóstico, pode dar negativa nas fases iniciais.
A bactéria é transmitida por gotículas de saliva eliminadas na fala, tosse e espirro, em contatos próximos e frequentes com doentes que não iniciaram tratamento e estão em fase adiantada da doença. Por isso todos que convivem ou conviveram com o doente devem ser examinados.
Sintomas avançados
- Manchas com perda ou alteração de sensibilidade para calor, dor ou tato;
- Formigamentos, agulhadas, câimbras ou dormência em membros inferiores ou superiores;
- Diminuição da força muscular, dificuldade para pegar ou segurar objetos, ou manter calçados abertos nos pés;
- Nervos engrossados e doloridos, feridas difíceis de curar, principalmente em pés e mãos;
- Áreas da pele muito ressecadas, que não suam, com queda de pelos, (especialmente nas sobrancelhas), caroços pelo corpo;
- Coceira ou irritação nos olhos;
- Entupimento, sangramento ou ferida no nariz.
Tratamento cura a hanseníase se feito até o fim
Para tratar a hanseníase, o preconizado pelo Sistema Único de Saúde e também pela Organização Mundial da Saúde é a poliquimioterapia, composta de uma combinação de três antibióticos e varia de 6 a 12 meses, dependendo da forma clínica que o doente apresenta.
Os comprimidos são fornecidos gratuitamente nas unidades de saúde e devem ser tomados diariamente. O tratamento interrompe a transmissão e previne incapacidades físicas.
Quanto mais cedo for iniciado o tratamento, menores são as chances de agravamento da doença, segundo Laila, visto que a hanseníase é uma doença dermato-neurológica. “Ela tem uma preferência para se instalar nos nervos da pele, nos nervos periféricos, dos braços, mãos, pés e olhos. Então, quando começa a ter sintomas importantes de perda de força muscular nas mãos, nos olhos, com manchas na pele, no mínimo 30% das fibras nervosas estão acometidas. Se o diagnóstico for tardio, a lesão nervosa pode ser muito grande e irreversível”, diz ela.
“O tratamento erradica as bactérias, mas muitas vezes o paciente pode se reinfectar, porque a não se desenvolve uma imunidade protetiva a essa doença e também existe um perfil genético de propensão a se infectar, como ocorre também com outras doenças, como para hipertensão arterial ou diabete”, diz a dermatologista.
Isso não significa que todos os indivíduos propensos terão a doença, mas os familiares que têm uma genética forte, um perfil propício, podem desenvolver a doença, o que também ocorre pela transmissibilidade aérea, o que nem sempre acontece, visto que há formas clínicas em que o paciente não exala quantidade suficiente de bactérias que poderiam contaminar sua família. “É importante assinalar que a partir do momento que o paciente toma sua primeira dose no posto de saúde, ele já não transmite mais por vias aéreas, embora continue doente”.
Casos no Brasil vêm diminuindo
O número de casos de hanseníase no país tem reduzido progressivamente nos últimos anos, caindo à metade desde 2009. Entretanto, o Brasil é o segundo país no mundo na detecção de casos novos, atrás apenas da Índia, tendo registrado 18.318 novas notificações em 2021. O desafio do Paraná em relação à doença segue, visto que, segundo a programação anual de Saúde 2022 da Sesa, um dos objetivos na área para este ano seria manter em no mínimo 89,5% a cura dos casos novos de hanseníase diagnosticados nos anos das coortes e reduzir em 0,5% a proporção de Incapacidades Físicas Grau 2 (GIF2) no diagnóstico de casos novos de hanseníase.
Porém, segundo dados do Governo Federal, esta porcentagem de cura foi atingida somente até 2019, sofrendo uma queda para 87,3% em 2020 e 86,1% em 2021. A proporção de casos novos de grau 2 se mantém acima dos 9,9% observados em 2017, com 11,1% registrados em 2021 contra 10,6% em 2020 e 12,7% em 2019.
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