A GDM, empresa responsável por desenvolver duas novas espécies de soja por edição gênica no Brasil, aportou investimentos de cerca de R$ 15 milhões na ampliação de dois de seus laboratórios de pesquisa em Cambé, no norte do Paraná. Com os investimentos, a companhia argentino-brasileira mais que dobrou a área física das estruturas responsáveis pela pesquisa em biotecnologia.
O complexo de laboratórios de Edição Gênica e de Marcadores Moleculares passou de 300 para 700 metros quadrados. O primeiro é focado no desenvolvimento das chamadas traits, melhorias na soja baseadas na mudança dos genes da planta. O segundo é especializado em extração de DNA e genotipagem em alta escala. Totalmente automatizado, o laboratório é capaz de gerar cerca de 250 mil dados diários sobre o genoma da soja.
Em uma entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o Gerente de Projetos da GDM, André Beló, falou sobre o impacto dos investimentos nas pesquisas desenvolvidas pela empresa. Ele também explicou por que as duas novas variedades de soja criadas por edição gênica nos laboratórios paranaenses foram consideradas como organismos não modificados geneticamente, uma classificação diferente da soja transgênica, por exemplo.
Confira a entrevista na íntegra
De que forma essa ampliação nos laboratórios da GDM no Paraná pode contribuir para o aprimoramento genético da soja no país?
Nós começamos com um projeto de edição gênica com uma ambição muito grande. Nós queríamos saber quão eficiente seria essa edição, se teríamos sucesso nesse trabalho. Fizemos os primeiros projetos há alguns anos, e pudemos demonstrar que conseguíamos fazer essa modificação no genoma da soja com o germoplasma da GDM. Isso nos possibilitou começar esse trabalho de desenvolvimento de novas variedades de soja.
Com isso, começamos a ampliar o número de projetos dentro da empresa para abranger cada vez mais diferentes características da soja. Isso demandou um aumento de escala, como o que tivemos aqui. Foi uma ação necessária para que o pessoal do laboratório pudesse criar mais plantas editadas, e no final das contas que a empresa tivesse mais variedades para oferecer ao mercado.
As duas variedades de soja criadas aqui foram as duas primeiras a serem desreguladas pelos órgãos de controle. Na prática, elas não apresentam nenhum risco maior do que qualquer variedade convencional da soja. Isso para nós é interessante, pois são variedades criadas aqui nos laboratórios de Cambé. Elas foram criadas antes da ampliação, e por isso a gente espera que com essa nova estrutura seja possível criar cada vez mais dessas novas variedades.
Por que a busca por uma soja com menor teor de açúcares?
Nos animais chamados monogástricos, como suínos e aves, há dois tipos de açúcar na composição da soja que têm uma digestão mais difícil, a rafinose e a estaquiose. No processo digestivo desses animais, esses compostos acabam provocando um desconforto e gerando gases.
Em um primeiro momento, pode-se pensar que o ideal seria, então, retirar completamente esses açúcares do grão da soja. Mas isso não é possível porque eles são essenciais para o crescimento da planta. Sem a rafinose e a estaquiose a planta não se desenvolve. Então, o nosso objetivo era encontrar o ponto de equilíbrio, diminuindo ao máximo essa concentração no grão da soja, sem, no entanto, comprometer o crescimento da planta.
Nessa etapa estão sendo investigadas outras características como a conversão de uma ração produzida com essa variedade de soja em proteína animal. Estamos investigando como os suínos e as aves reagem quando são tratados com esse alimento, o quanto diminuiu o desconforto e a formação de gases e o quanto mais de peso esses animais ganharam. O objetivo é entender qual é o valor agregado que há nesse produto.
A nova soja tolerante à seca também está em fase de validação. Como é esse processo?
Ela será plantada em diferentes locais em uma escala maior para medirmos o quanto essa característica pode influenciar lá no final, para o produtor. Queremos determinar os parâmetros dos efeitos, fazer os controles de qualidade adequados para podermos lançar no mercado.
Essa é uma validação mais complexa, que depende de fatores que não estão sob o nosso controle. Um desses fatores é ter uma incidência de seca onde essa soja foi plantada. Outro é a capacidade de diferenciar o rendimento dessa nova variedade. Mas ambos os produtos já foram desenvolvidos e não estão mais nas nossas mãos. Os “protótipos” foram transferidos e estão com os times de validação, em campo.
A GDM tem uma empresa nos Estados Unidos focada na descoberta de novos genes da soja, a Traitology. O quão perto a ciência está de identificar o mapa genético completo da soja?
A planta de soja tem um DNA formado por uma sequência de tamanho entre 1 bilhão e 1,1 bilhão de bases nitrogenadas. Essas bases são como as letras, e os genes são as “palavras” formadas pela combinação dessas letras. Hoje nós temos uma base de conhecimento de cerca de 56 mil genes. É possível editar um a um cada um desses 56 mil genes que já foram mapeados. Mas além de terem seus efeitos característicos, alguns desses genes também têm uma certa interação entre si. Às vezes quando um é modificado acaba alterando outro. São interações complexas e que demandam muita investigação.
Há algumas características que nós buscamos na soja, mas que ainda não foi possível ligar a uma cadeia específica de genes. Quando essa informação for totalmente conhecida, e eu imagino que o futuro da ciência de biotecnologia vai caminhar para isso em um breve espaço de tempo, aí teremos condições de realizar essa edição com uma precisão muito maior do que a que temos hoje.
Eu vejo hoje duas limitações sobre o trabalho de edição gênica. A primeira é a capacidade criativa do ser humano. Esse é um fator personalíssimo, e define o quanto a gente pode avançar nesse campo. A segunda é o fator gene discovery, o potencial de identificar qual gene afeta qual característica. Nem todos os genes têm suas funções conhecidas, e nem todas as características têm seus genes associados identificados. Essa é uma das maiores complexidades que temos nessa área da biotecnologia.
Quando essa espécie de “GPS” da soja estiver disponível, será possível agregar várias características diferentes a uma mesma variedade de soja?
É possível que no futuro nós tenhamos um produto para cada uma dessas modificações. Isso geraria vários produtos diferentes, cada um com uma aplicação diferente: um para a indústria do biodiesel, outro para as culturas animais, ou até para o consumo humano. Idealmente não é interessante ter um portfólio complexo, com muitos produtos, mas sim um portfólio com muito valor agregado. Isso nos permitirá oferecer variedades com características que hoje são desejadas pelo produtor de uma forma mais direta.
O nosso plano de negócios engloba também a possibilidade de mesclarmos diferentes características em um único produto. Isso é extremamente viável, porque a biotecnologia deixa de ser uma exigência. Uma vez que nós conseguimos criar uma soja resistente à seca e outra com um teor reduzido de açucares, basta fazer um cruzamento simples, como o que já ocorre na natureza, entre essas duas plantas para se obter uma terceira com essas duas características somadas. É uma junção das duas tecnologias, feita a partir de um melhoramento convencional.
O quão diferente é a soja plantada hoje no Brasil daquela que cobria as lavouras nos anos 1990?
A soja que nós temos hoje é a mesma espécie que nós tínhamos há duas décadas. Mas a planta é muito diferente da que nós cultivávamos anos atrás. O rendimento é muito superior das plantas antigas. Esse ganho genético que nós conseguimos por meio de todo esse trabalho dá um acréscimo médio de pouco mais de 1% ao ano. Só que essas melhorias se acumularam nos últimos 20 anos. Isso é fruto do progresso feito nesse trabalho de melhoramento genético.
Outra coisa que vem mudando nas variedades é o ajuste do ciclo de maturidade dos genótipos que os produtores plantam. Essas pequenas mudanças de arquitetura genética na planta estão permitindo mais safras por causa do menor tempo de maturação. Mas mesmo com todas essas mudanças para melhor, no fim do dia, ainda é uma planta de soja, que precisa ser plantada e colhida.
Como é possível que uma soja que teve seu material genético editado possa ser classificada como sendo um organismo não modificado geneticamente?
A soja transgênica é uma variedade que recebeu material genético de outro ser vivo. Pode ser de uma bactéria resistente a um determinado tipo de agrotóxico, pode ser de outra planta que apresente uma determinada característica desejada pelos pesquisadores, como uma melhor eficiência na fotossíntese. Mas quando se insere material genético de uma outra espécie, essa planta receptora será sempre transgênica.
No caso da edição gênica, como é feito pela GDM, o material genético é editado com genes da própria planta. Nós conseguimos editar uma parte específica do DNA da soja, com uma modificação que vai atender a uma demanda específica. Esse tipo de edição gênica é equivalente ao que ocorre quando se faz um cruzamento tradicional de duas variedades diferentes de soja. Só que quando essa mudança nos genes ocorre na natureza, é impossível prever os resultados.
Pode ser que na natureza haja um cruzamento que resulte em uma soja resistente à seca? Pode, mas é algo imprevisível e levar anos para que ocorra. E justamente por ser algo semelhante ao que ocorre na natureza, só que com previsibilidade, é que os órgãos de biossegurança como a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) classificaram as nossas variedades como sendo organismos não modificados geneticamente.
*O repórter viajou a Cambé a convite da empresa.
- Laboratório paranaense desenvolve variedades de soja com edição genética
- “Clube do bilhão” do agro ganha novos integrantes e chega a 34 municípios no Paraná
- Ministério diz que pode rever calendário do plantio da soja no Paraná
- Deflação na China ameaça o agro do Brasil, mas Planalto e Congresso não estão preocupados
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”
Segurança pública: estados firmaram quase R$ 1 bi em contratos sem licitação
Franquia paranaense planeja faturar R$ 777 milhões em 2024
De café a salão de beleza, Curitiba se torna celeiro de franquias no Brasil
Eduardo Requião é alvo de operação por suspeita de fraudes em contratos da Portos do Paraná