A produção de tilápias no Paraná contrariou recomendações técnicas, alertas para riscos de cultivo de uma espécie originária de região tropical da África e sobre as diferenças nas condições climáticas no estado. Teve ainda quem apontasse os desafios de mercado para aceitação do produto, além do desconhecimento sobre o manejo, quando os primeiros exemplares que desembarcaram em território paranaense, há cerca de 50 anos.
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Com a introdução da espécie no estado, a partir do litoral, com incentivos firmados pela extensão rural, a produção avançou até ganhar escala comercial. “Foi difícil e desafiador, mas ganhou proporções e reconhecimento. O Paraná se transformou em uma referência não apenas para o Brasil neste cultivo”, comenta Taciano Maranhão, engenheiro de pesca que é um dos pioneiros nos estudos e no cultivo da espécie no Paraná.
Alavancado pela profissionalização das cooperativas, o Paraná é o maior produtor brasileiro de tilápias.
Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta para uma produção que totaliza 161,5 milhões de exemplares do peixe, consolidando crescimento de 75% no plantel, no período de 2017 a 2022. No último ano, o Paraná contava com 92,4 milhões de tilápias.
“Era evidente que teria que evoluir para transformação da matéria-prima destinada à indústria, e o oeste do Paraná teve um papel importante nesta tendência. Em 2005, a Copacol, tradicional cooperativa do agro com grãos, aves e suínos, fez um estudo de alternativas de atividades para os seus cooperados, para terem uma renda complementar. Por análise de plano de negócio, nos aspectos econômicos e de estratégia, elencaram a piscicultura. Deu muito certo”, evidencia o veterinário Rui Donizete Teixeira.
A Copacol Aquicultura nasceu em 2008 a partir de um complexo verticalizado com indústria de processamento, fábrica de ração e centro de produção de alevinos. “E com o compromisso de compra da produção de matéria-prima dos cooperados. Foi nesse momento que efetivamente começou o processo industrial em cooperativa”, completa Teixeira.
E essa liderança isolada na produção deixou o Paraná muito a frente do segundo colocado, o estado de São Paulo. Foi do estado vizinho que a inspiração chegou para a produção paranaense, nos anos de 1980 e 1990. Por lá, a produção alcançou um número próximo de 53 milhões de exemplares em 2022.
Cooperativa se torna autossuficiente na produção de alevinos e ganha o mundo
Pioneira no segmento integração de peixes, a Copacol é um exemplo bem-sucedido no setor. São pouco menos de 300 cooperados que se voltam à piscicultura na região de atuação, o oeste do Paraná. É lá que está concentrado o maior volume de abate de tilápias da América do Sul, com processamento diário de 190 mil exemplares em unidades industriais em Nova Aurora e em Toledo. No último ano foram abatidos 51,6 milhões de peixes que tiveram como resultado 16,9 mil toneladas do produto.
Para dar conta do abate, a autossuficiência é promovida por meio das Unidades de Produção de Alevinos (UPAs). Uma delas, em Nova Aurora, teve produção de 41,5 milhões de alevinos na safra 2022. A estratégia de "dar o alevino e ensinar a pescar" deu tão certo que neste ano a cooperativa inaugurou em Quarto Centenário, noroeste paranaense, uma nova unidade de produção que tem a projeção de produzir 50 milhões de alevinos por safra. A cooperativa investiu R$ 60 milhões em um sistema inovador para preservação da água.
“Esse modelo é moderno e inovador: utiliza menos volume de água e garante mais biosseguridade do processo. Temos esse compromisso ambiental em nosso valor. Vamos prosseguir com investimentos que promovam qualidade de vida aos produtores, que têm uma atividade rentável e sustentável”, afirmou o diretor-presidente da Copacol, Valter Pitol, na inauguração da estrutura.
O consumo de água baixou para 83 metros cúbicos, 10% se comparado a um sistema tradicional. Além disso, a água é reutilizada após filtragem, passando por meios de sedimentação e clarificação retornado aos tanques produtivos. Os alevinos deixam as UPAs para seguirem aos tanques dos produtores integrados que, além dos exemplares, recebem ração e operação logística das despesas para a produção. Tudo que é produzido ali vai para a cooperativa, que opera no processamento. Atendendo mercados interno e externo, a cooperativa investe nas exportações, que no último ano totalizaram 2,3 mil toneladas.
Outra gigante no setor, também com sede no oeste do Paraná, é a C.Vale. Em 2017, a cooperativa inaugurou seu abatedouro de peixes. “Geração de renda para mais de duas centenas de associados e mais de mil pessoas empregadas”, considerou a empresa. Ali são abatidas 75 mil tilápias/dia, com meta de chegar a 150 mil tilápias/dia nos próximos anos.
De acordo com informação da Organização das Cooperativas do Estado (Ocepar), ao menos três grandes empresas no segmento diversificaram matrizes e se dedicam também aos pescados. Além das mencionadas, a terceira da lista é a Cocari, que está no município de Mandaguari, norte do estado, onde a atividade ganhou corpo a partir de 2022.
As tilápias africanas que dominaram o Paraná
Os primeiros exemplares de tilápias chegaram ao Paraná vindas do Nordeste brasileiro. Originalmente da África, a espécie enfrentou desafios na adaptação com mortalidade de alevinos, mas o peixe versátil se adaptou ao clima paranaense e logo fixou residência no estado.
Registros históricos do extinto Instituto Emater revelam que foi no litoral - em seguida Região Metropolitana de Curitiba e região oeste - que a produção se estruturou, focada na diversificação de pequenas propriedades rurais em uma nova alternativa de renda, por incentivo da assistência técnica e a extensão rural. “O sucesso nunca é por acaso. É resultado de um conjunto de ações que, direcionadas para um caminho, gera situações favoráveis. Fica evidente na história da extensão rural do Paraná que, graças a gestores, elegeram atividades como a piscicultura para investir no estado”, segue Teixeira.
O veterinário, estudioso da piscicultura brasileira, lembra que esses técnicos selecionaram e capacitaram, ainda no início da atividade, 20 extensionistas. “Após treinados, eles foram para o campo estimulando os produtores à implantação de empreendimentos aquícolas em algumas regiões. Isso foi a base para as cooperativas que surgiram algum tempo depois e o resultado aí está. O Paraná, há alguns anos, assumiu a condição de maior produtor de pescado de aquicultura do país, portanto, as cooperativas devem muito ao trabalho inicial da Emater-PR, que infelizmente está com baixo número de extensionistas, sem a adequada reposição dos técnicos”, avalia o veterinário.
Solucionar passivos da suinocultura e substituir renda perdida com o fim das lavouras de algodão
Responsável pela metade da produção estadual de tilápias, a piscicultura do oeste paranaense ocupou o protagonismo de resolver problemas considerados graves em diversas frentes. Uma delas foi a de levar renda a produtores prejudicados com o fim das lavouras de algodão nos anos de 1980 e 1990, além de atuar sobre o passivo ambiental deixado pela suinocultura, como alternativa para a destinação dos dejetos. “Havia um problema de ponto vista ambiental. Identificaram esta situação e, como solução, iniciaram a criação de tilápia”, lembra Teixeira.
Com os desafios de adaptação ao clima, a necessidade do manejo adequado, a falta de ração específica para a engorda dos animais, o desconhecimento técnico, o foco do segmento estava, nos anos de 1990, no fornecimento de peixes vivos ao estado de São Paulo, somado à entrega para o abate em um frigorífico particular na cidade de Toledo. Foi nesta época que os estabelecimentos pesque-pague se tornaram populares, mas era preciso avançar.
“O setor técnico da Emater desenhou então uma cadeia com 18 pontos estratégicos que deveriam ser priorizados: produção de alevinos; de rações; comércio; pesquisa; transporte; estrutura de mecanização; equipamentos; estrutura de assistência técnica, tanto de extensão como as privadas. A equipe desenvolveu o formato da cadeia produtiva da aquicultura, promoveu treinamento, e esta modelagem foi multiplicada para outras regiões”, enumera o veterinário que estuda o segmento.
Todo esse trabalho precisava de uma organização, de uma escala de produção comercial e de um mercado certo. A Copacol trouxe a organização que o setor precisava em um sistema de integração com assistência técnica, fornecimento de alevinos, de ração e o compromisso da central da cooperativa de comprar toda a produção para industrializar, processar e promover a venda, seja para o mercado interno ou para as exportações.
“Com a chegada de cooperativas vieram as melhorias, como uso racional dos recursos hídricos, por meio do uso intensivo de aeradores. Promoveram aumento da produtividade e maior produção na mesma área”.
Veterinário Rui Donizete Teixeira, que estuda a psicultura nacional
Alexandre Monteiro, analista de Desenvolvimento Técnico da Ocepar, considera que as cooperativas passaram a diversificar a piscicultura como forma de oferecer melhorias aos cooperados, com alternativas de desenvolvimento, geração de emprego e renda. “E a piscicultura se encaixou bem diante das características das propriedades que são relativamente pequenas, proporcionando diversificação”, pontua ele.
A cadeia que começou tímida está em consolidação, avalia Monteiro. “Esse crescimento é do estado, não apenas das cooperativas. O Paraná é líder em produção de proteína animal e com as tilápias não tem sido diferente. Há crescimento com cuidados de mercado. O pescado no país ainda não é uma preferência absoluta do consumidor, o brasileiro está aprendendo a consumir peixes e as cooperativas vislumbram crescimento, tanto no mercado interno quanto nas exportações, conquistando e ampliando aos Estados Unidos, Canadá e continente europeu”, elenca.
De janeiro a novembro de 2023, o Paraná exportou 4,88 mil toneladas de pescados, número que somou US$ 17 milhões em negócios, segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Serviços (Mdic). No ano passado foram 5,16 mil toneladas e pouco menos de US$ 13,8 milhões. “A expectativa é de exportação superior à registrada em 2022 com um valor agregado que vai superar, em muito, os registrados no ano passado. Isso significa que, além de posicionamento de mercado, estamos recebendo mais pela proteína”, explica o economista e consultor de mercado Marcelo Dias.
No período de 2020 a 2023, a piscicultura paranaense avançou 611% nas exportações. Há três anos foram vendidos a outros países 676 toneladas, resultando em uma receita de US 1,12 milhão. “O profissionalismo agregado pelas cooperativas na tecnificação e referência de mercado contam muito para esse avanço. São referência nas exportações e isso contribui no profissionalismo. O que antes era modesto ganha proporções no cenário econômico da piscicultura do Brasil”, completa Dias.
Unidade da Embrapa na região é referência em proteínas
A referência em proteínas, protagonizada pelo Paraná, levou à instalação de uma Unidade Mista de Pesquisa e Inovação focada em suínos, aves e, claro, peixes no oeste paranaense.
O primeiro projeto trata de ordenamento territorial com foco na piscicultura, em uma parceria da Embrapa Pesca e Aquicultura, o Biopark Educação - onde a unidade está instalada - e a Fundação Araucária. “O projeto fará um diagnóstico ambiental e socioeconômico da piscicultura do Paraná com parametrização de variáveis ambientais, socioeconômicas, agrícolas e de infraestrutura que possam subsidiar o planejamento, as tomadas de decisão e a formulação de políticas públicas para a atividade aquícola no estado”, descreve a prefeitura de Toledo, cidade onde a unidade está implantada.
A chefe geral da Embrapa Pesca e Aquicultura, Danielle de Bem Luiz, ressalta que, apesar de ser destaque, a região oeste do estado enfrenta desafios, como a indisponibilidade de recursos hídricos com utilização em seu limite para outras atividades agropecuárias. “Uma das ferramentas para solucionar esses desafios é a análise especial. E esse projeto traz a metodologia de zoneamento para diferentes índices temáticos, considerando as dimensões socioeconômicas, ambientais e zootécnicas ", explica.
Para o secretário da Agricultura e Abastecimento do Paraná, Norberto Ortigara, é viável e possível que o segmento possa seguir os passos traçados pela avicultura, pela suinocultura e pelo leite. "Estamos dando saltos, ganhando velocidade pela genética, pelo manejo, pela conversão e pela capacidade de baixar custos à piscicultura", afirma ele.
Além do destaque na produção nacional de tilápias, o Paraná concentra o maior plantel de aves do Brasil (428,5 milhões de animais) e ocupa a segunda colocação na produção de suínos (6,7 milhões de cabeças) e de leite (4,5 milhões de litros). “Em todos os segmentos, a industrialização tem um papel decisivo com as cooperativas”, segue o secretário.
As cooperativas paranaenses respondem por um terço do faturamento dos negócios brasileiros do setor e ao menos 11 delas figuram entre as melhores do mundo, com destaque ao segmento agro.
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