Após décadas de dependência extrema do trigo importado, principalmente da Argentina, Estados Unidos e do Leste Europeu, o Brasil se aproxima da autossuficiência na produção para abastecimento do país e até sinaliza para o mercado de exportações. Segundo as principais consultorias do agro, como a StoneX, a previsão de colheita no atual ciclo pode alcançar 11,3 milhões de toneladas, superando a última safra que foi de cerca de 10 milhões de toneladas, conforme registro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que projeta 10,5 milhões/ton para novo ciclo. O Brasil consome, por ano, de 11,5 milhões de toneladas a 12 milhões de toneladas.
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As estatísticas oficiais divulgadas Pela Conab e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), desde o ano de 1970, apontam para recordes nos indicadores de produção e de áreas de cultivo, o que já aconteceu no período de 2021/22 e deve se repetir neste ano.
Maiores produtores do país, Rio Grande do Sul e Paraná, que caminham para a conclusão da semeadura, devem colher mais de 10 milhões de toneladas, se somado o volume de produção dos líderes no cultivo de trigo entre os estados brasileiros.
Política de incentivo no RS
O grande filão do cultivo está na região Sul do Brasil, destacada pelos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Juntos os dois prometem colher 90% de toda produção nacional que vem sendo estimada por consultorias.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, onde se espera entre a primeira e segunda melhor safra do cereal da história, a expectativa de produção é de 5,7 milhões de toneladas, muito próximo à registrada no ano passado. A avaliação é do coordenador da Câmara Técnica do Trigo, Tarcísio José Minetto, do Sistema Ocergs, a Organização Cooperativa.
Segundo o coordenador, o estado tem investido e incentivado o cultivo do cereal como opção de renda e de rotação de cultura. “Com isso, nossa estimativa é para que em um, no máximo dois anos, a produção (nacional) alcance e mantenha a autossuficiência. Em encontro recente com técnicos da Embrapa no Rio Grande do Sul foi possível avaliar que, em cinco anos sejamos autossuficientes e tenhamos um volume importante para exportação”, projetou.
Com o envolvimento de entidades ligadas ao agro, o Estado lançou o Programa Duas Safras que estimula a triticultura no inverno e isso justificaria, segundo Minetto, o avanço das lavouras, ano após ano. “Na safra de verão, o Rio Grande do Sul cultiva de 8 milhões a 8,5 milhões de hectares, enquanto no inverno vinha cultivando apenas 15% disso. Com os incentivos e estímulos, já plantamos em torno de 25% das áreas. Nesta safra, destinamos somente para a cultura do trigo cerca de 1,5 milhão de hectares”, ressaltou.
Na avaliação de Minetto, a produção estimada depende do comportamento climático nos próximos meses. “Mas se o clima contribuir, e esperamos que assim seja, teremos uma ótima produção, similar à registrada no ano passado, o que é expressivo e importante não só para o Rio Grande do Sul, mas para o Brasil”, reiterou.
O avanço da triticultura gaúcha já torna o estado o maior exportador do cereal no país. Ano passado, segundo o coordenador da Câmara Técnica, foram 3 milhões de toneladas vendidas a 14 países.
Paraná: maior safra da história
O Paraná, segundo maior produtor de cereal do Brasil, deverá colher a maior safra da história: 4,5 milhões de toneladas de trigo, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral). Em 2022, o estado produziu cerca de 3,8 milhões de toneladas. “O Paraná teve uma ótima safra em 2022 e, mais uma vez, tudo se desenha para uma colheita histórica se as condições climáticas permitirem”, comentou o secretário de Estado de Agricultura, Norberto Ortigara.
“O trigo passou a ser menos atrativo ao produtor nas últimas décadas, com baixa cotação e falta de política de incentivo. Precisamos de ações para mantermos as plantações”, acrescentou.
Ortigara ainda lembra que, na última década, se tornou mais vantajosa a importação, tanto pelo preço quanto pela qualidade do produto, situação que se inverteu nos últimos três anos.
“A cotação do cereal como de outras comodities subiu muito nos últimos anos por conta da pandemia de covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia. Internamente tivemos muitas pesquisas (pela Embrapa) que resultaram em um trigo de excelente qualidade”, explicou.
Queda nos preços
Com uma produção maior, a acomodação dos preços no mercado internacional e a desvalorização cambial, o custo de produção diminuiu, mas a cotação caiu, expressivamente, nos últimos meses. “O custo de produção recuou 38% e a saca reduziu 40%. Tínhamos o trigo sendo comercializado a mais de R$ 100, há alguns meses, e agora está na casa dos R$ 60”, lembrou o coordenador da Câmara Técnica do Trigo no RS, Tarcísio José Minetto.
Outro fator de atenção, em médio prazo, fica por conta da influência climática do El Niño. “Como fator negativo, o El Niño possibilita chuvas mais acentuadas previstas para a época de colheita desses grãos”, ponderou o diretor técnico da Emater/RS, Claudinei Baldissera. A colheita se inicia em setembro, quando aumenta a chance de precipitações mais frequentes no Sul do Brasil.
Reconquistando áreas
Se por um lado o Rio Grande do Sul mantém a tradição na produção do trigo, o Paraná perdeu a vocação do cultivo nas últimas décadas, lembra o secretário Norberto Ortigara.
No início da década, em 2010, o estado chegou a cultivar cerca de 200 mil hectares, por anos, lavouras consideradas inexpressivas considerando o potencial produtivo. Neste ano, foram destinados 1,39 milhão de hectares às lavouras, o que resgata o protagonismo paranaense no cultivo do grão.
Em vez do milho, o trigo
Na avaliação dos produtores, o cenário de cultivo no Paraná mudou, favoravelmente, ao trigo por necessidade, para não deixar grandes áreas em pousio, período em que terra "descansa" do cultivo.
Em janeiro e fevereiro deste ano, o atraso no ciclo resultou em um prolongamento para maturação das lavouras de soja no Paraná, retardando a colheita da oleaginosa. Isso fez com que muitos produtores que cultivariam a segunda safra de milho perdessem os prazos do zoneamento agrícola. Fora do calendário, além de os riscos serem maiores diante da possibilidade de geadas em uma cultura bastante suscetível ao clima, os prejuízos financeiros podem ser onerosos com lavouras descobertas de seguros, por exemplo.
“Então, sem conseguir plantar milho, parte dos produtores paranaenses migrou para o trigo. Não é uma primeira opção, mas acaba sendo uma boa escolha para rotação de cultura”, explicou o analista de Trigo do Deral, o agrônomo Carlos Hugo Godinho.
Indústria prevê importação de 5 mi/ton
A Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) trabalha com uma expectativa de produção de 9,7 milhões de toneladas.
O presidente executivo da associação, Rubens Barbosa, acredita que o Brasil precisará de um pouco mais de tempo para se tornar autossuficiente, em torno de cinco anos ou mais, mas reconhece o avanço produtivo e de qualidade do cereal brasileiro. “Nosso trigo tem sido bem absorvido pela indústria e nos últimos anos melhorou muito de qualidade, mas por enquanto não vamos deixar de importar”, reforçou.
A associação calcula que mesmo que a estimativa de 2023 seja confirmada, o Brasil ainda precisará importar aproximadamente 5 milhões de toneladas do cereal.
Com uma dependência menor, mas ainda necessária, o Brasil acompanha o cenário internacional e um sinal de alerta apontou para a Rússia que, nesta semana, decidiu suspender o acordo que permitia a exportação de grãos da Ucrânia. O economista Rui São Pedro lembrou que a Ucrânia está entre os maiores exportadores do mundo de trigo, inclusive para o Brasil, e que reflexos foram imediatos. “Teremos de observar os próximos movimentos, mas já houve um aumento do preço no mercado internacional no dia em que a Rússia tomou a decisão de bloquear as exportações da Ucrânia”, concluiu.
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