Paranaguá, no litoral do estado, adquiriu, na última semana, 1,4 milhão de doses do antiparasitário ivermectina. O investimento de R$ 3 milhões na droga vem antes mesmo de uma adesão do município a um protocolo de tratamento preventivo à Covid-19 com o medicamento, que ainda não tem sua eficácia comprovada cientificamente. Grupos de médicos no Brasil e no mundo, no entanto, vêm fazendo uso de remédios como a ivermectina nas primeiras fases do tratamento da Covid-19 e defendem sua adoção em protocolos de saúde pública, baseados em estudos empíricos.
Além de Paranaguá, outros municípios paranaenses já fornecem o medicamento ou estudam sua inclusão no enfrentamento da pandemia causada pelo novo coronavírus. Ponta Grossa, um deles, já tem até protocolo pronto para “introduzi-lo no momento epidemiológico mais adequado”.
Por outro lado, a prefeitura de Curitiba e a Secretaria de Estado de Saúde refutam tal uso, também não recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Compra antecipada
Em respostas por email à Gazeta do Povo, a prefeitura de Paranaguá informou que a Secretaria Municipal de Saúde ainda não definiu o protocolo, os critérios de distribuição e o público alvo, mas que decidiu pela aquisição deste grande lote da droga (o município tem pouco mais de 150 mil habitantes) por conta da potencialidade mostrada pela ivermectina de conter a disseminação do vírus nas células.
“Os estudos in vitro demonstraram a redução da disseminação do vírus nas células o que é de grande importância para evitar o agravamento da doença. Muitas cidades têm usado a ivermectina e relatado bons resultados na diminuição de casos agravados da doença”, alegou a prefeitura, que lembrou que o comunicado da Anvisa não recomendou mas, também, não contra-indicou o antiparasitário.
“A Anvisa recentemente lançou nota em que apesar de não haver comprovação de sua eficácia, também não há estudos que refutem seu uso. É importante salientar que não temos a expectativa de cura ou de utilizar a ivermectina como um tratamento milagroso ou mesmo uma vacina contra a Covid-19. Nosso intuito é diminuir os casos agravados da doença”, respondeu o município.
A prefeitura de Paranaguá destacou, ainda, que os R$ 3 milhões investidos na aquisição do remédio, com indicação terapêutica para o tratamento de piolho e sarna, não compromete o orçamento do município no combate à pandemia.
“Ressaltamos que, até o momento não há qualquer medicamento com estudo finalizado e comprovadamente eficaz. O município tem investido em Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e insumos e entregou o Centro de Referência Covid-19 (Hospital de Campanha) com atendimentos ambulatoriais e leitos intermediários. Cedeu ao Hospital Regional do Litoral (casa hospitalar estadual de referência a atendimentos da Covid-19) três respiradores para auxiliar no atendimento aos pacientes, entre outros investimentos. A ivermectina é uma tentativa de minimizar os efeitos agravados da doença”, diz.
Ponta Grossa com protocolo pronto
Ponta Grossa, nos Campos Gerais, está em fase de validação de seu protocolo de tratamento precoce da Covid-19, semelhante ao defendido por um grupo de cerca de 300 médicos paranaenses que apresentaram a proposta ao governo do estado e à Assembleia Legislativa na última semana.
O protocolo prevê a utilização de ivermectina de forma preventiva e a utilização de cloroquina na manifestação dos primeiros sintomas da doença. O secretário-adjunto da Fundação de Saúde de Ponta Grossa, Rodrigo Manjabosco, explica que a proposta ainda será avaliada pelo Núcleo de Protocolo da fundação antes de ser validado. “E, a partir disso, ser startado no momento epidemiológico mais adequado”, disse.
Ele citou que o município planeja ter todas as orientações sobre a administração das drogas, dosagens e associações à disposição dos médicos da cidade para que prescrevam com segurança o tratamento caso avaliem ser interessante, principalmente se o número de casos e a ocupação de leitos crescer de uma maneira mais acelerada em algum momento na cidade.
“Estamos em uma situação mais confortável que a maioria das cidades do estado, mas estamos nos antecipando para caso tivermos um aumento abrupto de casos e uma saturação de leitos, já que há indícios de esse tratamento diminuir o número de internamentos”, diz.
Manjabosco explica que o protocolo será orientativo, sem impor a obrigatoriedade e nem autorizar a livre prescrição. “Como não existe consenso, nem afirmação favorável e nem desfavorável, fica a critério da avaliação do médico e do paciente, caso a caso”. Assim, ele reconhece que haverá uma necessidade de aquisição de doses extras da ivermectina, que é já fornecida pelo Sistema Único de Saúde para as doenças com indicação na bula, mas não sabe precisar a quantidade, pois não há como medir a demanda.
O secretário reconhece a ausência de comprovação científica da efetividade do tratamento. “Evidente que não tem uma base de evidência científica validada em nível A. São estudos observacionais de quem já fez uso e os resultados encontrados. Há certa discrepância de resultados e discussão sobre efetividade e entendemos que não vai ser sanado neste ano. Mas não queremos, no próximo ano, olhar para o passado e pensar que perdemos a oportunidade de salvar vidas”, concluiu.
Representante do grupo de médicos que defende o tratamento precoce, o cirurgião Dorival Ricci Cunha Junior, que aplica o protocolo em Paraíso do Norte, diz que outras cidades estudam adesão à forma de tratamento e revelou que cedeu à Secretaria Municipal de Saúde de Londrina 380 tratamentos para serem utilizados, inicialmente, em uma unidade de saúde da cidade.
Procurada pela Gazeta do Povo, a prefeitura de Londrina respondeu que, no município, “estão sendo disponibilizados os medicamentos para tratamento precoce, desde que com autorização médica”.
Estado e Curitiba não aderem
Dorival Ricci Cunha Junior debateu o tratamento precoce na última quinta-feira, na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em sessão virtual que contou com a presença do presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clovis Arns da Cunha. Ele destacou a ausência de qualquer comprovação científica de eficácia das drogas sugeridas para o tratamento precoce (ivermectina, hidroxicloroquina, cloroquina e azitromicina). Salientou também que, no caso da ivermectina, apesar de o antiparasitário conseguir, em laboratório, conter a reprodução viral, o que também já fora comprovado para vírus como o da dengue e, até, o HIV, a dose necessária para que a droga fosse efetiva em humanos teria que ser mais de 100 vezes maior que a utilizada para sarna. Isso seria uma dosagem tóxica e, até, fatal.
“Eu ficaria muito triste se houvesse manifestação de qualquer governante para gastar dinheiro público em remédio que não funciona, que não tem base científica e que tem efeito colateral, enquanto falta recursos para respirador, falta sedativo nos hospitais”, declarou o presidente da SBI na ocasião.
O grupo de médicos que defende o tratamento precoce também foi recebido pelo secretário estadual de Saúde, Beto Preto, na última semana. O secretário recebeu a proposta de protocolo e prometeu colocá-la em análise por sua equipe técnica. Nesta segunda-feira, a Secretaria respondeu à reportagem que, “ainda sem uma vacina ou um remédio específico, a melhor forma de combater e prevenir a Covid-19 é o distanciamento social e o isolamento domiciliar”.
A infectologista da Prefeitura Municipal de Curitiba, Marion Burger, também posicionou-se contra a adoção do protocolo pelo município. “As medidas de isolamento e prevenção são hoje a única comprovação científica que temos para evitar novas infecções. Não existe vacina e não existe nenhum remédio comprovadamente eficaz contra a replicação do vírus. Os remédios que estão noticiados foram comprovadamente eficazes in vitro, em cultivo de células e não funcionaram em todos os estudos clínicos sérios realizados, comparando pacientes que tomaram e que não tomaram a medicação”, disse, na última quarta-feira, em live para anunciar o boletim diário do coronavírus na cidade.
“Eu, como médica, não prescrevo nenhum desses antivirais, nem ivermectina, nem azitromicina, nem hidroxicloroquina, nem cloroquina. Porque eu me baseio naquilo que tem evidência científica, assim como a maioria dos meus colegas, que respeitam a ciência e esperam realmente, como todos nós, que logo se tenha uma medicação eficaz também na fase inicial da doença, o que, até agora, não existe. Quem quiser tomar esses remédios vai ter que procurar um médico que receite”, disse.
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