Dona Paula contava a idade em viagens do futuro. Não tinha 60, 65 ou 70 anos, mas três passagens programadas, um mês de férias na Austrália, um curso de inglês na Inglaterra. Dificilmente falava do passado, poucos sabiam a origem dela (era de Santa Catarina), mas qualquer um compartilhava seus sonhos de desbravar os quatro cantos do mundo. Passava meses fora do País e conhecia do Ushuaia à Sibéria, da África do Sul à Índia. Tinha dezenas de carimbos no passaporte, comprava tíquetes aéreos como quem abastece um carro.
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O cofre das andanças era o La Paula Lanches, na esquina da Dr. Pedrosa com a Lamenha Lins, no coração de Curitiba. Misto de restaurante de pratos feitos e lanches de chapa com boteco de mesas de madeira e cerveja barata, o local que leva seu nome é a segunda casa de estudantes das universidades do Centro, boêmios e moradores dos prédios que ficam entre a Praça Rui Barbosa e as praças do Batel. Aceita chinelos e sapatos que falam Direito desde 1966.
O bar é um amontoado de decorações sortidas, tal qual o mapa-múndi: geladeiras de várias marcas, aquele gato chinês que balança o braço, pôsteres de times de futebol, papel A4 com a senha do wi-fi, parede que imita um jornal, quadros de artesanato comum, flores e televisões conectadas em canais esportivos. Por fora, um telhadinho e umas mesas na calçada. Ele mudou pouco nos doze anos que o frequentei, apesar das reformas. Mesmo os garçons variaram pouco. Vivia cheio principalmente de quarta a sexta, até meia-noite e uns quebrados.
Dona Paula era modo respeitoso de se dirigir a uma senhora – e todos aderiam ao método – e fazia jus à sua trajetória de Dona do pedaço. Além do bar, que abria quase religiosamente no mesmo horário, na metade da manhã, tinha apartamentos e salas comerciais na mesma quadra do Centro. Ela morava em um deles, no Edifício Torres do Sol, até há pouco tempo com uma Schnauzer. Ganhava o suficiente para três viagens por ano para o exterior e para ajudar a família com o que precisasse, de resto não lhe importava nem se o avental que usava atrás do balcão tinha idade suficiente para tirar a carteira de motorista.
Todos conheciam Dona Paula naquele pedaço da cidade, seja pela ligação com o bar ou pela irreverência ao se expressar, o que tirava qualquer filtro de suas palavras. Manter um bar no Centro de uma capital como mulher e empresária ao longo de mais de 50 anos lhe deu uma feição impressionantemente destemida. Era católica (frequentava as igrejas da redondeza aos finais de semana), esportista (sócia da Sociedade Thalia, na Comendador Araújo, onde nadava) e avó orgulhosa do neto e do tempero do seu feijão.
Pedia que não esquecessem de regar suas plantinhas
No 7 a 1, naquele 8 de julho de 2014, ela gastou um uísque inteiro enchendo os copos dos clientes depois do 4º ou 5º gol dos alemães, quando tudo parecia ficção mal escrita. Disse: “Pena do Brasil porque aqui ninguém vai ficar triste”. Há poucos dias foi conversar na porta de um casal de amigos porque um deles foi infectado com a Covid-19 e ambos estavam em isolamento. Já no hospital, ela própria enfrentando a doença da pandemia, pedia que regassem as suas plantinhas. Essas Paulas eram ela. Um obrigado e um cliente que voltasse pela amizade eram os motores de sua rotina.
O bar fechou apenas uma vez nesses doze anos que o acompanhei de perto, no dia da morte inesperada de seu filho Marcelo, então com 40 e poucos anos, interrompendo o que conhecemos como ciclo natural da vida. Alguns anos depois o outro filho, Beto, trilheiro e jipeiro conhecido entre seus pares, passou a ajudar Dona Paula a distribuir as ordens atrás do balcão. Aos clientes e amigos, o que fica é que o local nunca perdeu a essência da simplicidade.
Paula Biz foi vítima da Covid-19, aos 79 anos, na segunda-feira (29 de março), aniversário de Curitiba. Ela estava internada no Hospital das Nações. Deixa filho, neto, centenas de amigos e viagens por fazer.
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