O governo do Paraná está com 32% de sua frota de veículos oficiais aguardando por algum tipo de reparo - o que corresponde a aproximadamente 5,7 mil carros. Destes, 500 estão parados em oficinas aguardando pelo conserto.
Os dados são da Secretaria de Administração e Previdência (Seap), responsável pelo contrato do governo estadual com a JMK. A empresa, que gere a frota de quase 18 mil veículos oficiais do Paraná, foi alvo de uma operação policial na última terça-feira (28).
Apesar de ter os números globais, a Seap não soube informar para qual uso se destina a maior parte dos veículos parados - se são ambulâncias ou viaturas policiais, por exemplo.
A reportagem procurou a Secretaria de Saúde do Paraná, que informou que tem 708 veículos sob sua responsabilidade. Destes, 28 estão à espera de manutenção - todos são ambulâncias. A pasta frisou, entretanto, que esses veículos não são destinados para o atendimento de situações de emergência, mas sim para o transporte de pacientes.
As ambulâncias do Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência (Siate) ficam sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp). Esta, por sua vez, informou que tem 2.100 veículos parados, incluindo nessa conta não só as ambulâncias, mas também as viaturas policiais.
Edital previa fiscalização
O número significativo de veículos à espera de conserto se relaciona ao modo como a JMK geria a frota estadual. De acordo com a investigação que originou a operação Peça Chave, da Polícia Civil, a empresa não repassava o valor pago pelo governo estadual para as oficinas que realizavam os reparos. A JMK nega as acusações (veja o posicionamento da empresa na nota abaixo), mas o Tribunal de Contas, citado pela investigada, rebateu a alegação de que teria acesso aos serviços prestados.
Com isso, muitas das oficinas deixaram de prestar os serviços, acumulando carros do governo estacionados em seus pátios.
De acordo com o edital do pregão que contratou a JMK, lançado em 2014, o Departamento de Gestão do Transporte Oficial (Deto) do governo do Paraná, vinculado à Seap, tinha a prerrogativa de realizar fiscalizações nas oficinas credenciadas junto à JMK - e, portanto, poderia ter constatado irregularidades.
A fiscalização, entretanto, deveria ser solicitada pelos órgãos que de fato utilizavam as viaturas atendidas. De acordo com a Seap, não foram encontradas "anotações do levantamento de fiscalizações realizadas". A pasta informou que o problema só poderá ser solucionado quando for realizada a nova licitação do serviço, prevista para ser lançada em julho.
Orçamentos estavam "dentro das especificações"
Outra irregularidade apontada pela Polícia Civil também tinha mecanismos de controle previstos no edital de 2014. De acordo com as investigações, a JMK desviava recursos do governo estadual ao superfaturar os serviços prestados. Isso era feito mediante a falsificação de orçamentos - já que, para escolher qual seria a oficina a realizar a manutenção, a JMK deveria apresentar três levantamentos de preço ao Deto.
Segundo a polícia, os orçamentos continham o preço de peças originais quando, na realidade, eram utilizados materiais de segunda linha. Além disso, as investigações apontaram que os valores eram superfaturados mesmo em relação às peças originais: em um dos casos, o valor pago pelo governo foi 640% superior ao praticado pelo material de marca nas concessionárias.
O modelo de contratação da JMK previa que os orçamentos fossem aprovados pelo Deto. Portanto, a contratação de todas as ordens de serviço passou pela Seap. De acordo com o órgão, entretanto, os orçamentos recebidos "estavam todos dentro das especificações contratuais".
A pasta argumenta que o contrato previa que os valores cobrados deveriam corresponder aos estabelecidos na tabela Audatex, empresa que fornece informações para o mercado automotivo. "O contrato também estabelece que, sobre o valor máximo da tabela, o prestador de serviço precisa aplicar um desconto de 13%, no caso de peças novas, e de 36% em peças do mercado alternativo", completa a nota encaminhada pela Seap à reportagem.
Como fica a manutenção dos veículos
Firmado em 2015, inicialmente por 12 meses, o contrato do governo estadual com a JMK foi sendo prorrogado por meio de aditivos. A última prorrogação ocorreu já na gestão de Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), mesmo que o assunto tenha sido tratado durante as reuniões de transição com o governo de Cida Borghetti (PP) em 2018.
De acordo com o governo, apesar da identificação do problema ter ocorrido ainda no ano passado, não havia tempo hábil para a realização de uma nova licitação de contratação do serviço. Por isso, a gestão de Ratinho prorrogou o contrato com a JMK até julho deste ano, quando uma nova licitação deve ser lançada.
No total, segundo o Portal da Transparência, o valor do contrato saltou de R$ 56 milhões em 2015 para R$ 248,7 milhões. De acordo com a Seap, R$ 177,8 milhões foram efetivamente pagos à JMK.
Com a deflagração da operação pela Polícia Civil, o governo afirma que estuda medidas emergenciais para que a manutenção dos veículos não pare mesmo sem a nova licitação.
Além disso, nove processos administrativos correm no governo estadual para investigar irregularidades da JMK: um aberto ao final do governo de Beto Richa (PSDB); cinco instaurados na gestão Cida; e três iniciados por Ratinho Junior.
Outro lado
Confira, na íntegra, a nota enviada pela JMK sobre as acusações:
O sistema implantado pela JMK no governo do Paraná conta com grande transparência e economia, o que contraria muitos interesses que estavam estabelecidos antes da assinatura do contrato.
Antes da JMK, a manutenção da frota estava centralizada em apenas 37 oficinas. Hoje são 1088 em todo o estado.
No ano anterior à entrada da JMK (2013), o Paraná gastou R$ 71 milhões na manutenção da frota. No ano passado, o valor ficou em R$ 43 milhões. Ao longo do contrato foram economizados mais de R$ 60 milhões dos cofres públicos.
Anteriormente à entrada da JMK, a ordem de serviço era iniciada com apenas um orçamento. Hoje são três que entram no sistema para escolha dos gestores. Todo processo é acompanhado online pelo TCE, que tem a senha do sistema.
Todas estas informações estão fartamente documentadas e serão levadas à Justiça, comprovando que o trabalho da JMK sempre foi realizado totalmente dentro da lei.
Resposta do Tribunal de Contas
Após a publicação da nota oficial da JMK sobre o esquema investigado na Operação Peça Chave, o Tribunal de Contas enviou à Gazeta do Povo, nesta quarta-feira, uma resposta contestando as alegações feitas pela empresa em sua defesa. Confira a íntegra do posicionamento do tribunal.
O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE) desmente categoricamente a existência de qualquer acompanhamento “on line” dos serviços prestados pela JMK Serviços Ltda. por esta Corte, inclusive com a utilização de uma pretensa “senha”, conforme nota emitida pela empresa no dia de ontem.
Esta Corte controla o correto emprego de recursos públicos a partir da fiscalização dos entes públicos, não tendo qualquer tipo de acesso a serviços no âmbito privado, como é o caso de manutenção de veículos em oficinas terceirizadas. Os sistemas de acompanhamento “on line” que existem no TCE fiscalizam efetivamente entes do Estado e municípios, jamais qualquer entidade privada.
Desde o primeiro semestre de 2015, o TCE vem investigando, através inicialmente da Terceira Inspetoria de Controle Externo, a licitação que foi vencida pela referida empresa, no âmbito da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência e de seu órgão subordinado o Departamento Estadual de Transporte – DETO, com base no contrato nº 256/2015-SEAP.
Pelo processo 702324/15 foi inclusive instaurada uma Tomada de Contas Extraordinária para apurar irregularidades no processo, sendo determinada a irregularidade nas contas da SEAP e aplicadas penalidades a gestores, com o encaminhamento, ainda no ano passado, do processo ao Ministério Público Estadual para as devidas providências, contribuindo assim com as investigações policiais.
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