Ao mesmo tempo em que corre para dar conta das metas do Marco Legal do Saneamento, que visa à universalização de acesso à água potável, o Brasil desperdiça água tratada. E muito. Somente em 2021, as perdas de água no processo de distribuição alcançaram 7,3 bilhões de metros cúbicos, seja por perdas físicas, como vazamentos, ou comerciais, como ligações irregulares. Água que seria suficiente para encher 8 mil piscinas olímpicas por dia e, se consideradas somente as perdas físicas (3,8 bilhões de m³), que poderia abastecer 67 milhões de pessoas por ano.
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O levantamento é do Instituto Trata Brasil e da consultoria GO Associados, que notam uma piora nesse índice nos últimos cinco anos em âmbito nacional. Os dados, que fazem parte do estudo Perdas de água 2023: desafios para disponibilidade hídrica e avanço da eficiência do saneamento básico no Brasil, demonstram a identificação de muitos “Brasis” dentro de um mesmo país.
Regiões como Centro-Oeste, Sul e Sudeste concentram menos perdas, variando entre 36,18% e 37,9% da água que vai para o sistema de distribuição. Já Nordeste e Norte chegam a perder praticamente a metade da água que tratam e disponibilizam para a população, com índices que variam entre 46% e 51%.
Entre os estados, o Paraná é um dos que menos perdem água nos sistemas de distribuição: 33,7%. Fica em terceiro, atrás de Goiás (28,5%) e Mato Grosso do Sul (33,4%). Já os estados que mais perdem são Acre e Amapá, que chegam a um desperdício de quase 75% da água tratada. Bem acima da média do país, que é de 40,25%. As informações foram levantadas a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano base 2021.
O fato é que nenhum estado brasileiro atinge a meta estabelecida para este fim, definida pela Portaria 490/2021 do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MDR). O governo utiliza dois índices para avaliação: o Índice de Perdas na Distribuição, que avalia o nível de água não consumida em um sistema de distribuição em termos percentuais e não deve ultrapassar 25% para atingir os padrões de excelência esperados até 2034; e o Índice de Perdas Volumétricas, que dá conta da média de perdas em litros por ligações atendidas pelas concessionárias ou municípios diariamente, e que não deve ser maior que 216 litros/ligação/dia.
A perda de água no sistema se deve a duas principais frentes. Mais da metade ocorre por perda física, vazamentos que acontecem por conta de desgaste e manutenção inadequada das estruturas que levam água até as pessoas. “As tubulações vão ficando deterioradas com a pressão que aumenta e diminui no sistema de distribuição. É aquela perda que não se vê, muitas vezes debaixo do pavimento, e que se percebe quando aflora na superfície. Daí a necessidade de ter investimentos superiores a essa deterioração, senão as perdas só pioram”, explica a presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto.
Além dessas, existem as perdas comerciais, por ligações irregulares - os chamados “gatos”. “Aquela perda que tem impacto econômico direto para a concessionária, mas que também pode gerar um problema para a população, porque não há garantia de qualidade da água quando essas ligações acontecem. Pode haver infiltração de microrganismos e prejudicar a qualidade da água como um todo”, diferencia.
Contramão do acesso
Tanto faz o motivo, fato é que os índices se somam para mostrar que o país vai na contramão das metas de estender o saneamento a toda a população, conforme preconizado pelo Marco Legal. “Temos meta de chegar a 99% da população com acesso à água e hoje temos 84%. Ainda tem 33 milhões de pessoas que não têm acesso à água no país. Por outro lado, só com a perda física diária (ou seja, vazamentos) poderíamos abastecer 67 milhões de pessoas”, contrapõe Luana.
Tudo isso envolve custos financeiros e ambientais. São produtos químicos usados para tratar a água e energia elétrica para bombeamento na distribuição, além do uso de um recurso que se mostra cada vez mais finito – a exemplo dos rodízios de abastecimento periodicamente realizados em determinados estados, como foi o caso do Paraná entre os anos 2020 e 2021.
“Ou seja, não basta investir na ampliação do sistema, mas na melhoria da gestão da distribuição também”. O que, na outra ponta, impacta na tarifa, uma vez que mais água para tratar e distribuir significa mais custos diluídos na conta do consumidor.
E o mais preocupante, segundo a CEO, é que os dados vêm piorando nos últimos cinco anos, se observado o contexto nacional. Existem municípios que, isoladamente, já alcançam as duas metas preconizadas pela portaria do MDR simultaneamente e alcançam padrão de excelência. É o caso dos paulistanos São José do Rio Preto, Taboão da Serra, Limeira e Campinas; além das capitais sul-mato-grossense, Campo Grande, e de Goiás, Goiânia; e a cidade de Aparecida de Goiânia, interior de Goiás, e Petrópolis (RJ). São os únicos entre os 100 mais populosos do Brasil que figuram nessa estatística.
Via de regra, as perdas se intensificam ano após ano. Na média nacional, eram da ordem de 38,3% em 2017. E subiram gradativamente até alcançar os 40,3% de 2021.
Por que tantas perdas?
Os motivos estão ligados principalmente à falta de uma política de investimentos. “O país não tem investido os recursos necessários para ter a redução das perdas, por meio de programas estruturados”, explica Luana Pretto.
Tomando por base as frentes de investimentos de uma concessionária de saneamento, por exemplo, em geral divide-se o percentual de aplicação dos recursos em aumento de acesso à água, acesso ao esgoto e, numa terceira frente, na redução de perdas. “E quando não há a correta segmentação, esse índice acaba piorando”.
Na região Norte, embora a disponibilidade hídrica seja considerável, 60% da população tem acesso à água potável e 14% à rede de esgoto. Mas, dentro destes índices, que passam longe da universalização, mais de 50% da água tratada disponível se perde até chegar à casa das pessoas.
No Norte, investe-se uma média de R$ 50 por habitante anualmente em saneamento. No outro extremo, o Sul investe R$ 88. Na média por estados, enquanto o Acre investe R$ 5 e Rondônia R$ 20, o Paraná investe R$ 121, e São Paulo, R$ 126.
“Investimento se traduz em obra, que se traduz em maior percentual da população com acesso ao serviço ou programas estruturados de redução de perdas”, analisa a CEO.
No contexto latino-americano, o Brasil fica atrás de países como Bolívia, Chile e Argentina em perda de água. Mas ainda está na frente de Uruguai, Costa Rica e Equador. Nos países desenvolvidos, como Estados Unidos e Austrália, os indicadores são consideravelmente melhores que em países em desenvolvimento. E em países em que a disponibilidade hídrica é muito baixa, como Israel e Japão, investe-se em tecnologia apurada para evitar perdas.
“O desenvolvimento de um país passa pela percepção do valor da água”
Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil
Alternativas para melhorar os índices
A tecnologia é aliada em proporcionar soluções que ajudem a mitigar as perdas de água. A IoT (internet das coisas), por exemplo, proporciona que medidores inteligentes de vazão e pressão ao longo das redes de distribuição detectem vazamentos ocultos. Centros de controle operacional também conseguem avaliar, em tempo real, onde estão esses vazamentos, diminuindo o tempo de atuação sobre eles.
Dentro dos programas de redução de perdas que as concessionárias devem manter, mesmo os métodos tradicionais de controle dos reservatórios podem ser mais bem aproveitados com uma boa segmentação das regiões atendidas nas cidades. “Para isso, tem que ter macro medidores em todas as estações de tratamento para saber exatamente quanto de água está saindo das estações, políticas de micromedição, com hidrômetros sendo trocados frequentemente para ter boa aferição da água que chega e se preocupar com a gestão da pressão na distribuição”, exemplifica a especialista.
Municípios com grande área territorial e poucas estações de tratamento de água costumam ter maiores perdas, já que quanto maior a pressão na distribuição, maiores as chances de vazamentos. “Às vezes é preciso colocar uma pressão enorme para alcançar uma casa lá na ponta da cidade. Por isso as concessionárias têm subdividido as cidades em microrregiões, colocando medidores na entrada dessas microrregiões e válvulas redutoras de pressão para regulagem conforme a necessidade. Passa por um trabalho estruturado de simulação hidráulica e entendimento de como funciona a distribuição da pressão para ter menor perda”, explica.
No Paraná, Sanepar desenvolve iniciativa que auxilia controle
Nos últimos anos o Paraná se manteve relativamente estável no que se refere às perdas de água. Segundo o levantamento da Trata Brasil, em 2010 o Estado perdia 32,5% da água potável que produzia. Em 2021, aumentou para 33,8%, mas nesse meio tempo variou de 33% até 35,2%, pior índice registrado ao longo destes 11 anos, registrado em 2018.
A Sanepar, empresa estadual responsável pelo serviço de saneamento na maior parte dos municípios do Paraná, garante que mantém um programa corporativo de redução e controle de perdas tanto físicas como comerciais. A concessionária atende 345 dos 399 municípios do Estado, mais o município de Porto União (SC), na divisa com o Paraná. Nas demais cidades, o serviço é prestado por autarquias municipais ou empresas privadas.
Em cada região do Estado, as ações de redução e controle de perdas variam conforme a topografia e outras características locais. Recentemente, a Sanepar apostou em uma alternativa que está dando resultados positivos. Em Colombo, cidade da região metropolitana de Curitiba, durante a execução de novas redes de distribuição, de um novo reservatório, de válvulas redutoras de pressão e estações elevatórias de água, o contrato com a empreiteira responsável pelas obras previu também o monitoramento de vazamentos, de pressão e até de fraudes - e que seguirá sendo feito por um ano após a conclusão das obras. O resultado é que, de setembro de 2021 a março de 2023, já foi possível reduzir cerca de 580 milhões de litros de água de perdas. O projeto deve ser replicado em outras regiões do Estado.
Nas perdas comerciais, a companhia afirma ainda trabalhar na identificação de ligações irregulares, combate a fraudes e atualização dos hidrômetros. E nas perdas reais, aquelas em que a água é perdida no transporte via tubulações, as ações vão no sentido de melhoria da infraestrutura, como substituição de redes, identificação de vazamentos e manutenção das tubulações.
Outra ação realizada é a pesquisa de vazamentos ocultos, com equipes próprias e por meio de contratos especializados no serviço, abrangendo praticamente todos os municípios onde opera.
Segundo a Sanepar, entre os anos de 2015 e 2019, o índice de perdas no âmbito de atuação da companhia era em torno de 230 litros por ligação/dia. Em 2020 e 2021, os indicadores sofreram influência do rodízio no abastecimento da Região Metropolitana de Curitiba. Com isso, em 2022, as perdas registradas foram de 222,23 litros/ligação/dia.
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