As causas do feminismo e do movimento negro devem conduzir o mandato da professora e historiadora Carol Dartora (PT), primeira mulher negra eleita vereadora de Curitiba. Ela sabe que deve enfrentar resistência – ainda na campanha eleitoral foi alvo de uma série de ataques racistas. Mas se diz pronta para a batalha, para a qual se preparou ao longo de toda sua trajetória como ativista. “Minha principal proposta é promover uma reeducação social”, diz.
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Nascida em 1983 no bairro São Braz, cresceu na Vila Guaíra e ingressou no movimento negro praticamente dentro de casa. Seus pais, Marco Antônio, servidor público do Tribunal de Justiça do Paraná, e Edina Maria, professora, já eram ativistas da causa desde sua infância. Sua mãe, conta, participava das chamadas Comunidades Eclesiais de Base (CEB), grupos dentro da Igreja Católica que vinculavam a reflexão bíblica com ações comprometidas com causas populares. Incentivado pela Teologia da Libertação, o movimento tinha ligações com o PT, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“Política já era uma assunto que se comentava em casa, e as questões raciais sempre foram muito presentes. Então, de certa forma, eu sempre estive em meio a esses debates”, lembra Carol. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde formou-se em história em 2009, concluiu o curso com monografia intitulada ‘Psicopatologias da escravidão no Brasil’. Na sequência, morou por cerca de dois anos na Bélgica, onde estudou francês e entendeu um pouco mais sobre a desigualdade racial no Brasil.
“Morar fora foi também uma chave. Passei a observar como eram tratadas de forma diferente as questões raciais lá e aqui no Brasil”, conta. “Existe uma violência racial muito presente em Curitiba, de não me sentir bem, não me sentir representada, de entrar em uma loja e o segurança ficar seguindo, de estar em um shopping e não ver um único negro”, explica. “Na Europa, o racismo é outro: você tem bairro de branco e bairro de negro, mas não significa que o negro não tenha poder econômico, pelo contrário. São empresários, donos de restaurantes, de joalherias. Você não é maltratado em uma loja por ser negro.”
De volta ao Brasil, considera que começou a atuar politicamente, de fato, quando se tornou professora de ensino médio, em 2013. “Estar em sala de aula é uma maneira de formar consciências, de abrir mentes. É uma forma de atuação política.” Profissional da rede estadual de ensino, engajou-se também na luta pela valorização da categoria no Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), do qual chegou a secretária da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBT.
De onde você veio? Somos negros do Sul do Brasil, sim
Foi em sala de aula também que deixou de ser apenas ativista do movimento negro e se encontrou no chamado feminismo negro. “Comecei a observar o cotidiano das minhas alunas negras e a me identificar muito, a ver coisas que eu vivi e que achava que tinham acabado. Tive uma percepção que a questão de gênero também era algo a ser compreendido.” A inquietação a levou à academia, desenvolvendo uma pesquisa com estudantes negras de escolas de Curitiba no mestrado em educação, concluído em 2017 pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A dissertação ‘As adolescentes negras e os 13 anos da Lei 10.639/03’ aborda as desigualdades multiplicadas a que o grupo social está exposto, por se tratar de mulheres, jovens e negras. Trata ainda dos impactos trazidos pela lei em questão, que dispõe sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. “Dali veio a compreensão de que a gente tem de ter uma atuação pelo viés de gênero e de raça, porque não é só o fato de ser negra, mas de ser mulher também.”
Já a necessidade de intervir na disputa municipal veio de um sentimento, que ela conta ser comum aos negros, de não pertencimento. “É sempre a pergunta ‘de onde você veio?’ ou ‘sua família é de onde?’ E somos negros do Sul do Brasil, sim, somos negros de Curitiba. A cidade constrói essa linguagem de que não tem negros aqui, de que é uma cidade europeia”, afirma. “Curitiba é o município que mais declara população negra no Sul do país, temos na história os irmãos Rebouças, e a primeira engenheira negra do Brasil é daqui”, cita. “Eu resolvi transformar esse sentimento em ação política para afirmar nossa presença.”
A filiação ao PT ocorreu em 2016, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Simpática ao partido – seus pais já eram filiados –, viu naquele momento a necessidade de fortalecê-lo institucionalmente. A decisão de se candidatar veio de uma sugestão dentro do coletivo Política por.de.para Mulheres, do qual participa desde 2018. “É claro que já era uma vontade minha”, comenta.
Nas eleições gerais de 2018, cogitou sair candidata a deputada federal e chegou a organizar parte da documentação. “No meio do caminho percebi que não era a hora, não tinha uma campanha bem estruturada e desisti. Só que já tinham mandado meu nome para a urna.” Sem fazer campanha, nem sequer ser candidata de fato – seu registro acabou indeferido pela Justiça Eleitoral –, recebeu quase 400 votos, todos em Curitiba. “Talvez alunos e ex-alunos meus”, arrisca.
Feminismo negro no YouTube é objeto de nova pesquisa
Em 2020, foi a terceira candidata mais votada na eleição proporcional, com 8.874 votos. No exercício do mandato, pretende dar continuidade ao doutorado, iniciado neste ano com o projeto de pesquisa ‘O feminismo negro no YouTube: um pensamento subalterno que encontra um espaço possível de ação política em prol da educação para as relações de gênero étnico-raciais’.
Desde a campanha, e também após ter sido eleita, sofreu diversos ataques de cunho racista pela internet e até por telefone. Além de pretender levar os casos à Justiça, fez questão de gravar um vídeo em que leu diversos dos comentários ofensivos, dando resposta a cada um deles. A gravação foi exibida no Jornal Nacional alguns dias após sua eleição. “A melhor reação é expor, não esconder”, avalia.
Na Câmara, vai atuar em defesa da educação pública de qualidade e dos servidores municipais. Um de seus principais projetos é o Juventude Negra Viva, por meio do qual quer proporcionar formação sobre as questões raciais, por meio de parcerias, para profissionais como professores e agentes da segurança pública. “Já existe uma formação sobre direitos humanos, por exemplo, mas como o racismo é estrutural, a discussão sempre fica empobrecida.”
O combate à violência contra mulheres também vai estar na pauta da futura vereadora. “Também muito nessa linha da formação. Hoje as vítimas que chegam à delegacia ou à Casa da Mulher Brasileira muitas vezes ouvem que é exagero, que não foi violência. Um tempo depois, elas são assassinadas. Esses espaços também precisam de qualificação.”
Outro tema que considera caro são as discussões sobre o direito à cidade, que também passariam pelo viés da raça. “Considerando que a passagem de ônibus de Curitiba é uma das mais caras do Brasil, e se pensar que são os negros que estão nas periferias, que fazem os maiores trajetos, que precisam pegar dois ou três ônibus, a questão da mobilidade urbana é também uma questão de raça”, explica. “A rede cicloviária é restrita à região central da cidade e vista como rota para passeio, enquanto a bicicleta poderia ser um meio de transporte efetivo para a classe trabalhadora se a gente realmente tivesse um sistema com rotas estratégicas e acessíveis.”
Curitiba ainda é uma cidade bastante intolerante em sua visão. “Existe uma violência racial simbólica, de um negro sentar em uma praça e um guarda municipal mandar abrir a mochila, tirar o tênis, porque subentende que é um drogado, um bandido”, diz. “Minha principal proposta é promover uma reeducação social. Dar visibilidade para o que as pessoas já naturalizaram.”
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