O sistema de transporte ferroviário de cargas passará por uma grande transformação nos próximos dez anos, quintuplicando o volume que chega por trem ao Porto de Paranaguá, maior porto para exportação de produtos agrícolas do país, até 2030. Essa é a meta de um grupo de trabalho formado por representantes da indústria, comércio, agricultura, operadores do sistema, empresas de engenharia e governo do Paraná, que elabora o chamado Plano Ferroviário Paranaense. O estudo será concluído até o fim do ano, com a definição de objetivos de curto, médio e longo prazos, previsão de investimentos e atribuições de cada ator nesse processo.
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No projeto são pensadas soluções para alguns gargalos históricos para o escoamento da produção do estado, como o trecho da Serra da Esperança, entre Guarapuava e Ponta Grossa, e a descida da Serra do Mar, entre Curitiba e Paranaguá. A construção de novos traçados, de Cascavel a Guaíra e Dourados, no Mato Grosso do Sul, e, por Foz do Iguaçu, até o Paraguai, também entrará no estudo.
Hoje, a malha ferroviária do estado é composta por 2,4 mil quilômetros de ferrovias. A empresa Rumo detém a concessão, até 2027, de 2.039 quilômetros, ou 85% das linhas. Outros 249 quilômetros, em um trecho que liga Cascavel a Guarapuava, são administrados pela Ferroeste, sociedade de economia mista controlada pelo governo do estado.
As primeiras ações delineadas no Plano Ferroviário envolvem a substituição de dormentes e trilhos em trechos em que a manutenção vinha sendo feita de maneira precária nos últimos anos. Em médio prazo, o trabalho envolve a modernização do material rodante, ou seja, locomotivas e vagões, e a construção de terminais de transbordo modernos que permitam o carregamento rápido e eficiente de mercadorias.
Hoje, o volume de carga escoado até o porto gira em torno de 10 milhões de toneladas por ano. “As medidas de curto e médio prazo já devem dobrar essa capacidade, chegando talvez aos 25 milhões de toneladas”, diz João Arthur Mohr, consultor em Infraestrutura e Logística da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), que participa da elaboração do estudo. “Mas vai haver um limite e, para se chegar aos 50 milhões, será necessário um novo traçado para descida da Serra do Mar, independente do atual.”
Benefícios do transporte de cargas pelo modal ferroviário
Há uma série de vantagens na absorção, pelo modal ferroviário, de uma maior fatia do transporte de cargas dentro do estado, hoje feito majoritariamente por rodovia. “Em deslocamentos superiores a 500 quilômetros, com um sistema de carregamento rápido no interior do estado, uma descarga eficiente no porto, uma linha férrea de baixo custo operacional e alta velocidade e consumo otimizado de combustível, é possível reduzir o preço do transporte em 20% a 30%”, diz Mohr.
Outro impacto relevante na redução do número de caminhões seria uma diminuição no número de acidentes em rodovias. Entre as 20 ocupações com o maior número de mortes por acidente de trabalho, o motorista de caminhão de longas distâncias aparece em primeiro lugar na lista, segundo estudo publicado este ano na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional.
O transporte do mesmo volume de carga feito por 150 caminhões pode ser feito por três locomotivas, o que é um ganho também do ponto de vista ambiental, considerando as emissões de carbono geradas pelos veículos. “A proporção é na faixa de cinco vezes menos gases liberados na atmosfera”, diz o consultor da Fiep.
Cerca de 20% da movimentação do Porto de Paranaguá é feita pelo modal ferroviário atualmente. A ideia é elevar esse índice, nos próximos dez anos, para 70%, o que geraria uma economia da ordem de R$ 1 bilhão por ano ao estado em custos logísticos.
Produtores de regiões como o Oeste e o Norte paranaense utilizam trens para levar carga a Paranaguá por distâncias entre 600 e 700 quilômetros. O problema é que cidades como Maringá e Guarapuava não dispõem de sistemas eficientes de carga, e a linha férrea precisa de melhorias em alguns trechos. “Entre Guarapuava a Ponta Grossa, os trens precisam circular em baixa velocidade, porque, se acelerar, pode haver descarrilamento”, diz Mohr. Por ser muito sinuoso e conter muitas passagens de nível, o trecho, de cerca de 250 quilômetros leva 19 horas para ser feito – uma velocidade média de 13 km/h.
A descida de Curitiba para Paranaguá é outro trecho preocupante. Além de ter uma geometria antiga – a ferrovia foi construída entre 1880 e 1885 –, fica suscetível a bloqueios em caso de quedas de barreira na serra. Desde a década de 1970 já se fala na construção de uma nova descida para a Serra do Mar, mas por problemas de projeto, crises econômicas e mudanças de gestão, a ideia vem sendo postergada.
Nova Ferroeste
Em 2017, ainda no mandato de Beto Richa (PSDB), o governo do estado lançou um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para a construção de um corredor ferroviário entre Dourados, no Mato Grosso do Sul, e Paranaguá, o que solucionaria os gargalos. Várias empresas aderiram à iniciativa, mas acabaram desistindo do projeto, que vinha sendo chamado de Nova Ferroeste.
A ideia, entretanto, não foi abandonada. Desde o início do ano, o governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) e o secretário estadual de Planejamento e Projetos Estruturantes, Valdemar Bernardo Jorge, estiveram reunidos diversas vezes com o ministro de Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas para buscar a participação do governo federal na ampliação da malha ferroviária paranaense. Segundo o secretário de Planejamento, a ideia de envolver o maior número de parceiros para pensar soluções fará com que a iniciativa não “morra na praia”. “Quando falamos em construir um plano ferroviário, é uma missão de estado, e não deste governo”, afirma. “O que não dá é para deixar na mão de poucos”, diz.
“O estado do Paraná não tem condições e nem é seu core business fazer investimento efetivo em construção de ferrovia. Buscamos uma parceria público privada ou até mesmo uma concessão na qual o setor produtivo possa fazer os investimentos necessários e operar a malha que está sendo estudada.”
O governo pretende se basear no Plano Ferroviário para estudar ainda o destino da Ferroeste, que já se cogitou privatizar. “Neste momento, o estado do Paraná não tomou nenhuma decisão sobre venda ou não venda”, diz Jorge. “Quando for feito um estudo da estruturação completa, vamos ver que importância a Ferroeste vai ter dentro desse projeto. O que estamos fazendo é fortalecer a empresa, que já foi deficitária e nesta gestão não é mais.”
Questão será tema de quatro fóruns
A melhor solução para a superação dos entraves na malha não é consenso entre os envolvidos. Para o engenheiro agrônomo Nelson Costa, superintendente da Federação e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná (Fecoopar), a construção da Nova Ferroeste é interessante, mas levaria muito tempo para ser efetivada. “O agronegócio paranaense não tem condições de esperar 15 anos por uma ferrovia”, diz. “Temos de buscar uma nova alternativa para os próximos anos, especialmente agora, com a tabela de fretes imposta pelo governo federal em decorrência da greve dos caminhoneiros.”
Costa considera que um melhor aproveitamento da malha já existente poderia resolver problemas mais urgentes. “Uma integração maior das vias da Rumo e da Ferroeste pode viabilizar uma oportunidade de transporte, de curto e médio prazo, que chegue ao menos até Cascavel”, diz. “Evidentemente envolve várias ações, principalmente a recuperação do trecho de Guarapuava a Ponta Grossa, que é pouco operativa em termos de infraestrutura”, ressalta.
Procurada pela reportagem, a Rumo informou que participa e apoia a iniciativa, mas não respondeu ao pedido de entrevista sobre o projeto.
O objetivo da Fiep ao criar grupos de trabalho para a elaboração do Plano Ferroviário é justamente alcançar um meio termo entre as demandas dos diversos setores envolvidos. “Com esse planejamento conjunto, queremos minimizar os conflitos, para que todos possam se beneficiar do resultado final, que é um modal ferroviário forte no Paraná”, explica Mohr.
Até outubro, serão realizados quatro fóruns nos quais serão discutidos temas como modelagem – origem e destino das cargas, demanda e investimentos –, questões técnicas – engenharia, novos traçados e licenças ambientais – e regulação – tarifas, mercado, compartilhamento de linhas, concessões e licitações.
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