No último 20 de dezembro, policiais militares do Batalhão de Polícia de Fronteira (BPFron) do Paraná, em ação integrada com policiais federais, patrulhavam uma região banhada pelo lago de Itaipu quando avistaram uma embarcação próxima à margem. O trecho do rio Paraná é conhecido por acomodar os chamados portos clandestinos em Foz do Iguaçu (PR), na fronteira com o Paraguai.
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“O piloto (ao perceber o patrulhamento) retornou com a embarcação para o lado paraguaio. Em buscas na área de mata foi encontrado um fardo contendo substância análoga à maconha”, descreve a PM. O condutor da embarcação fugiu, carga e veículo foram apreendidos.
Poucos dias antes, policiais do BPFron e da PF encontraram uma embarcação abandonada em outro porto clandestino, na cidade de Guaíra (PR), distante 200 quilômetros de Foz do Iguaçu e também margeada pelo lago de Itaipu, na fronteira com o Paraguai. A lancha de seis metros estava equipada com um motor bastante potente, os preferidos dos criminosos que trafegam em altíssima velocidade pelo rio Paraná para fugir de fiscalizações. “No interior da embarcação foram encontrados aproximadamente 17 fardos contendo uma substância análoga à maconha, totalizando 194,5 quilos”, conta a PF.
Ainda no início de dezembro, as forças de segurança identificaram a aproximação de um veículo em área de porto clandestino. Na tentativa de abordagem, o motorista fugiu e abandonou o veículo em uma plantação. Dentro do veículo, vários fardos com 427 quilos de maconha.
Nos dois últimos meses de 2023, as forças de segurança que operam na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina fizeram cerca de 30 flagrantes criminosos envolvendo os portos clandestinos.
São estruturas rudimentares, criadas pelas quadrilhas às margens do rio Paraná, por todo o lago de Itaipu. Na fronteira com o Paraguai, a criminalidade aquática se tornou peça-chave para escoamento de produtos que abastecem o mercado ilegal brasileiro. As rotas pela água têm facilitado a entrada de armas, drogas e munições no país, além do mercado bilionário de cigarros e eletrônicos, em práticas criminosas operadas também por facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).
“Para fugir da fiscalização por terra na travessia da fronteira, muitos criminosos passaram a utilizar lanchas e embarcações potentes pelo rio. Em determinados pontos, em dois, três minutos deixam o Paraguai e chegam ao Brasil, onde atracam na mata, descarregam as lanchas e retornam para fazer tudo novamente”, conta o delegado-chefe da Polícia Federal (PF) em Foz do Iguaçu, Marco Smith.
O avanço criminoso pelo lago de Itaipu tem exigido intensificação na fiscalização. Criminosos experientes na fronteira utilizam, inclusive, canais nas redes sociais para descrever a prática criminosa e ensinar os que desejam se aventurar no mercado bilionário da ilegalidade.
Em uma década, dobra a estimativa de portos clandestinos na fronteira
Na prática, os chamados portos clandestinos em nada se parecem com os portos legais, que por sua vez contam com logística e infraestrutura de acesso e atracadouro, por exemplo. Os portos clandestinos são uma alternativa criada pelos criminosos para driblar a fiscalização terrestre, por estradas que foram tendo intensificação de fiscalização.
Em levantamento feito há cerca de um ano, o BPFron identificou ao menos 300 destes portos ilegais. Uma década atrás, a PF falava em 150. “Por mais que as forças de segurança destruam com frequência essas estruturas, que nada mais são que acessos à mata ciliar na barranca do rio onde atracam as embarcações, fecha-se um e logo os criminosos vão lá e abrem outro. É um problema frequente”, destaca o presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), Luciano Barros, que acompanha aspectos ligados à fronteira Brasil-Paraguai.
O delegado da PF responsável pela unidade de Foz do Iguaçu ressalta que, apesar de serem estruturas precárias, os portos clandestinos funcionam como importantes canais para o transporte bilionário dos criminosos. O movimento pode alcançar centenas de lanchas e embarcações diariamente. “Esse movimento é constante e a fiscalização também. Sempre que esses portos são identificados, imediatamente são destruídos, mas logo surge um novo, o que exige ação periódica de enfrentamento aos criminosos pelo rio”, diz ele.
Em pouco menos de 200 quilômetros em linha reta pelo rio, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, a média é de três portos clandestinos a cada 2 quilômetros, em um percurso que abrange 16 municípios chamados de lindeiros (15 no Paraná e 1 no Mato Grosso do Sul). O lago fica na fronteira entre os dois países e foi constituído para ser o reservatório da Usina Hidrelétrica de Itaipu, em uma área de 1.350 km², 170 quilômetros de extensão, largura máxima de 12 quilômetros e largura média de 7 quilômetros.
Forças integradas de segurança têm desenvolvido operações conjuntas para destruição dos portos. São utilizadas máquinas pesadas que danificam a estrutura que serve como atracadouro. Alguns portos chegam a ser explodidos e foi dessa forma que mais de 50 deles foram inutilizados no último ano. “Além dos crimes de contrabando e tráfico, há crimes ambientais, com derrubada de árvores na mata que margeia o rio, na abertura de estradas no meio desta mata”, reforça Barros.
Transporte após chegada no porto clandestino
As lanchas são embarcadas no Paraguai em bases também às margens do rio. Dali, partem para os portos clandestinos brasileiros. Do lado de cá, as cargas são rapidamente descarregadas e transferidas para veículos de passeio, vans e caminhões que aguardam auxiliados por uma forte estrutura de apoio. A fuga desses veículos ocorre por estradas rurais e vicinais, até ganhar importantes armazéns em cidades próximas à fronteira ou seguirem viagem ao destino final.
Entre as rotas terrestres preferenciais está a BR-277, principal rodovia que corta o Paraná de uma ponta a outra, em 720 quilômetros pelos quais criminosos miram no transporte de drogas até o Porto de Paranaguá. Outra via visada é a BR-163, principal ligação entre o Norte e Sul do Brasil, que opera como importante percurso para os defensivos agrícolas ilegais nos principais centros produtores. Outra rota é pela BR-272, que liga a região oeste do Paraná à divisa com o estado de São Paulo, com acesso aos principais mercados consumidores de armas, drogas e cigarros.
A Polícia Militar do Paraná, que fez o mais recente levantamento dos portos clandestinos, alerta que a rede estruturada do crime organizado conta com a cooptação de pessoas dos mais diversos níveis sociais. A estrutura criminosa abrange os chamados olheiros - que monitoram o movimento policial e da fiscalização por rio e terra; os batedores das cargas - em veículos geralmente com documentação em ordem, que dão suporte para a rota de transporte; os pilotos de embarcação; e os condutores de veículos que operam do lado de cá da fronteira.
“É evidente a necessidade de atacar a logística do crime, assim como as forças de segurança têm atuado, mas em escala maior e com a articulação e integração entre municípios, estados e União. Há a necessidade de aprimoramento, junto com o Paraguai, do processo de cooperação na securitização do lago de Itaipu. Em uma área como esta, o crime demonstra que tem muito mais estrutura do que o mercado formal, com mais agilidade, muito menos burocracia e com volumes muito maiores do que os volumes de trânsito de mercadorias formais”, alerta o presidente do Idesf, Luciano Barros.
Para ele, pelo mapa dos portos clandestinos é possível identificar que o crime usa de “logística multimodal” em áreas cercadas por aeródromos, estradas rurais, municipais, estaduais e a BR-163, principal artéria de toda logística, “servindo de grande apoio logístico ao crime organizado”. Em tese de Doutorado pela Universidade Autônoma de Lisboa, Barros alerta para as rotas de “commodities ilícitas” e analisa a utilização da infraestrutura pública, como no caso da hidrovia, para crimes transfronteiriços, “que se apropriam das rotas mercantis lícitas para acesso às cadeias globais de valor”.
Os barcos que trazem drogas, armas e cigarros também têm transportado, com mais frequência nos últimos anos, defensivos agrícolas comercializados e aplicados ilegalmente no Brasil. Antes do risco nas lavouras, há outro alerta. “Não são raras as vezes em que, ao avistarem a fiscalização, muitos barqueiros afundem as embarcações e fujam a nado pelo rio. Esses produtos contaminam as águas e provocam danos imensuráveis, ou seja, é uma série de crimes quase sem fim”, evidencia Barros.
Fiscalização do lago de Itaipu e operações no trecho
O monitoramento do lago de Itaipu conta com duas estruturas do Núcleo de Polícia Marítima da Polícia Federal (Nepom), uma em Foz do Iguaçu e outra em Guaíra. Em Guaíra também há uma chalana para o patrulhamento aquático que tem auxiliado, segundo a PF, de forma decisiva para impedir o avanço das embarcações criminosas. A base operacional é próxima à Ponte Ayrton Senna.
A estrutura recebe apoio operacional do BPFron, da Polícia Federal das delegacias de Guaíra, Maringá (PR) e Naviraí (MS), além da Força Nacional de Segurança Pública, e suporte da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Exército Brasileiro.
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