A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) estadual que desvincula o Corpo de Bombeiros da Polícia Militar no Paraná deve ser votada na Assembleia Legislativa em sessões extraordinárias marcadas para esta semana. Caso seja aprovada na casa e sancionada pelo governador Ratinho Junior (PSD), a medida fará do Paraná o penúltimo estado brasileiro a conceder plena autonomia aos bombeiros – em São Paulo, as corporações seguem vinculadas uma à outra, e não há sinais de que esse cenário vá mudar tão cedo.
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A possibilidade de tornar os corpos de bombeiros autônomos em relação às polícias militares veio com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Cerca de um ano depois, as corporações de Goiás e Mato Grosso do Sul foram emancipadas. Em 1990 foi a vez dos bombeiros de Ceará e Pará garantirem a autonomia. Ainda naquela década foram desvinculados das PMs estaduais os corpos de bombeiros do Acre, Amapá, Maranhão, Alagoas, Pernambuco, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia, Amazonas, Minas Gerais e Sergipe.
A reportagem tentou contato com o Corpo de Bombeiros e com a Polícia Militar de São Paulo, para questionar a manutenção do modelo de vinculação entre as corporações, mas não obteve retorno. Procurada, a Secretaria Estadual de Segurança Publica de São Paulo (SSP), por meio de sua assessoria, informou apenas que este é modelo considerado ideal pelo Estado, e que não vai comentar decisões tomadas por outros administradores.
Coronel faz analogia com as Forças Armadas
Para Marlon Jorge Teza, coronel da Reserva Remunerada da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC) e professor da Academia de Polícia Militar da PMSC, a agilidade com que estes estados aderiram ao modelo proposto pelo texto constitucional se explica pelo fato de a autonomia ser algo considerado natural. Em entrevista à Gazeta do Povo, o militar fez uma avaliação: quanto maiores e mais específicas vão ficando as tarefas de cada uma das corporações, maior é a tendência a favor da desvinculação.
“É mais uma questão administrativa. Imagine as Forças Armadas como um grupo só. Um grupo único para gerir e administrar os setores terrestres, naval e aéreo. O que ocorreria? Há especificidades únicas em cada um desses setores. É necessário formar um corpo técnico para cada um deles, com detalhes únicos para a gestão e administração de cada um deles. A tendência natural é dividir, para que as questões técnicas sejam tratadas de maneira mais independente, o que vai facilitar a administração. E é assim também com bombeiros e policiais”, comentou.
Emancipação se ancora em três aspectos principais
A emancipação dos Corpos de Bombeiros se ancorou, em sua maioria, em três aspectos principais: econômicos, técnicos e constitucionais. A observação foi feita pelo Coronel Bombeiro Militar Carlos Marcelo D’Isep Costa, em sua dissertação de Mestrado apresentada à Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.
“Os aspectos constitucionais”, explicou o coronel, “estão claramente explicitados na Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, e dentre os dispositivos constitucionais, o mais contundente no sentido da autonomia dos corpos de bombeiros militares é, sem dúvida, o art. 144 que individualiza sem contestações atribuições específicas para cada uma das organizações militares”.
Sobre os aspectos econômicos, Costa apontou que aquelas corporações que buscaram a autonomia já possuíam uma estrutura montada em relação a instalações, materiais, equipamentos e pessoal. Uma estrutura operacional bem equacionada, destacou o coronel, facilita a transição, uma vez que não implica em custos adicionais para os governos estaduais.
Por fim, entre os aspectos técnicos elencados pelo bombeiro estão as especificidades também citadas pelo Coronel Marlon Jorge Teza. “Enquanto uma [corporação] diz respeito a combate a incêndios, salvamentos, segurança contra incêndio, a outra trata de policiamento ostensivo. Este antagonismo, dentro de uma única organização, causa inúmeros transtornos na seleção, formação, especialização e aperfeiçoamento dos recursos humanos, na atividade operacional, na canalização e otimização de recursos financeiros e materiais, além do planejamento, coordenação e execução das atividades de defesa civil”, destacou Costa, em seu trabalho.
Separação entre atividades
A separação entre as atividades das corporações foi também ponto de destaque para o comandante do Corpo de Bombeiros do Paraná, Coronel Manoel Vasco de Figueiredo Junior. Em entrevista à Gazeta do Povo, o comandante paranaense lembrou que as atribuições de bombeiros e policiais são distintas já na origem, na Constituição Federal de 1988, e que a desvinculação tem como principal vantagem a autonomia plena de gestão.
“Ambas as instituições poderão focar em suas atividades. Desta forma, o Corpo de Bombeiros Militar do Paraná buscará estender seus serviços a um maior número de municípios, especialmente de prevenção e combate a incêndios, atendimento pré-hospitalar desenvolvido pelo SIATE, Bombeiro Comunitário de forma integrada e Operação Verão”, relatou.
Transição no Paraná pode levar até um ano
O comandante paranaense explicou à reportagem que a principal razão para a desvinculação das corporações é a busca pela sintonia com as áreas de Segurança púbica de outros Estados. O período de transição, caso a PEC seja sancionada pelo governador, deve levar um ano.
Em outros estados, os bombeiros militares tiveram a opção de continuar ou não vinculados à PM durante o processo de transição. No Paraná, explicou o comandante, não há previsão legal para essa escolha. Segundo Figueiredo Junior, há um quadro próprio, específico para Bombeiros Militares dentro da Polícia Militar desde o final da década de 1970.
“Todos os Bombeiros Militares que ingressaram daquele período em diante, ou seja, todos os que estão atualmente no serviço ativo tiveram a oportunidade de escolha quando ingressaram na Corporação, tanto Oficiais quando Praças, manifestando-se fazerem a formação e seguirem a carreira Bombeiro Militar. Dada essa peculiaridade, o entendimento é que haja a permanência deles como integrantes do Corpo de Bombeiros Militar do Paraná, não havendo previsão legal para escolha”, detalhou.
Desvinculação da PM não vai desmilitarizar os Bombeiros
Mesmo com a desvinculação, não há possibilidade de desmilitarização do Corpo de Bombeiros do Paraná após o fim do período de transição. Como explicou o Coronel Marlon Jorge Teza, policiais e bombeiros são considerados militares desde quando surgiram as primeiras corporações.
“A PM e os Bombeiros, juntos por decorrência de pertencerem à PM, aparecem pela primeira vez na Constituição Federal de 1964 como uma só Polícia Militar. Mas os bombeiros são militares desde o início, lá no Século XIX. Não tem relação uma coisa com a outra, não é porque vai ter essa autonomia que os bombeiros deixarão de ser militares”, confirmou.
O comandante do Corpo de Bombeiros do Paraná confirmou essa impossibilidade. Figueiredo Junior lembra que ambas as corporações são forças auxiliares do Exército Brasileiro por força de um decreto lei de 1969 e da Constituição Federal de 1988. “A condição de Militares Estaduais dos componentes dos Corpos de Bombeiros Militares, sendo regida pela Constituição Federal, não pode sofrer alteração por meio de matéria infraconstitucional, nem tampouco em decorrência da desvinculação da Polícia Militar. Essa não é uma questão a ser discutida em âmbito estadual, já que o Paraná, como todos os Estados, está subordinado à legislação federal correspondente”, pontuou.
Mudanças nas escalas
A mudança na gestão também poderá trazer atualizações nas escalas de trabalho dos bombeiros, que hoje é de 24 horas de serviço por 48 horas de folga. “O compromisso do Comando sempre será a busca por melhores condições de trabalho ao efetivo e manutenção da excelência no serviço prestado à população. A partir da desvinculação, é possível reavaliar com autonomia as escalas adotadas no Corpo de Bombeiros Militar do Paraná, sendo que há intenção de se implementar paulatinamente as melhorias possíveis com o avançar dos anos”, afirmou o comandante.
Pensionistas e inativos
Por fim, Figueiredo Junior informou que os bombeiros inativos e pensionistas continuarão vinculados à PM do Paraná após a mudança, caso ocorra. Após a transição, explicou o comandante, “os próximos que passarem a essa condição serão inativos ou pensionistas gerenciados pelo Corpo de Bombeiros Militar do Paraná, conforme os estudos apontaram e seguindo o que se está sendo trabalhado pela equipe de transição. Portanto, salienta-se que em nenhum caso haverá perda, e nem há motivo para preocupação para aqueles que estiverem em quaisquer destas situações específicas”, garantiu.
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