O ano de 2017 começou de forma trágica para as famílias de mais de 50 detentos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no Amazonas. Os presos foram mortos em uma briga entre facções, no que ficou marcado como o segundo maior massacre da história nos presídios do país. O líder no triste ranking das mortes em penitenciárias é o massacre do Carandiru, ocasião em que 111 presos foram mortos em uma ação policial durante uma rebelião em 1992.
Em Manaus, a história se repetiu mais uma vez. Em maio de 2019, outros 55 presos do Compaj morreram, por causa de uma disputa entre membros de uma mesma facção, a Família do Norte (FDN). Os assassinatos foram por estrangulamento ou por meio do uso de facas artesanais, durante o período da visita. Familiares presenciaram a morte de detentos.
Os episódios fatais se cruzam com a história das penitenciárias privadas do Brasil. Os dois casos ocorreram durante o contrato do governo do Amazonas com a Umanizzare, empresa especializada em gestão prisional. Além do Compaj, ela é responsável por outras cinco unidades prisionais. Apenas uma não está em Manaus – fica em Itacoatiara, na região metropolitana da capital amazonense.
Segundo a Umanizzare, não houve falha na condução dos funcionários da empresa. “Nós ficamos restritos às nossas atividades, que envolvem o cumprimento da Lei de Execução Penal. Quando foi identificado o início da briga entre os presos, imediatamente a direção da unidade foi acionada”, diz André Caires, porta-voz da empresa, sobre as últimas 55 mortes no Complexo.
Após o alerta dos chamados agentes de ressocialização – funcionários da Umanizzare que atuam no contato direto com os presos –, a diretoria da unidade, ligada à Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas, acionou o Grupo de Intervenção Penitenciária (GIP). A equipe, composta por agentes do estado, entrou na unidade para conter a briga, mas não conseguiu evitar as mortes. “Se não houvesse a atuação do GIP, com certeza morreriam mais pessoas”, afirma Caires.
Nossos colaboradores não possuem nenhum equipamento letal. Em princípios de briga ou motim, eles recuam para que os agentes do estado resolvam a questão
André Caires, porta-voz da Umanizzare
A reportagem tentou contato com a Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas para comentar o caso, mas não obteve retorno até a publicação do texto.
Como funciona a gestão da Umanizzare
A criação do GIP foi posterior ao massacre de 2017. De acordo com a Umanizzare, trata-se de uma das mudanças realizadas pelo próprio governo estadual para melhorar a segurança nas penitenciárias. Outras alterações incluíram novas portarias em relação à quantidade de alimentos que podem ser trazidos por parentes nas horas de visita. “Antes, a família podia levar o que quisesse. Ficava muito difícil controlar”, explica o porta-voz da Umanizzare. Os dias de visitação também foram alterados, para evitar a circulação de muitas pessoas na unidade ao mesmo tempo.
As mudanças têm relação com a modelagem do contrato estabelecido pelo governo com a Umanizzare. Dentro das unidades, as movimentações diárias são feitas por funcionários da empresa. Mesmo assim, o poder de polícia continua sob responsabilidade do estado. “Nossos colaboradores não possuem nenhum equipamento letal. Em princípios de briga ou motim, eles recuam para que os agentes do estado resolvam a questão”, explica Caires.
Também é o estado quem decide quais serão os presos que serão direcionados para as unidades geridas pela Umanizzare. Por isso, a empresa não tem contabilizado o número de detentos que são pertencentes a facções, nem a quais organizações criminosas eles estão ligados. Sabe, porém, que as penitenciárias estão superlotadas: no Compaj, por exemplo, 1,1 mil presos ocupam um espaço que foi projetado para 454 detentos.
No total, a Umanizzare é responsável por 4,6 mil presos no Amazonas. O custo para cada um deles é de R$ 4,2 mil, em média. “Isso engloba toda a despesa de custeio da unidade, bem como toda a mão de obra”, diz o porta-voz da empresa. Outras duas empresas atuam em presídios em Manaus, a Embrasil e a RH, cada uma responsável por uma unidade.
O modelo vale a pena?
Para Flávio Bortolozzi Junior, professor de Criminologia da Universidade Positivo, o caso mostra como nem sempre a gestão privada de penitenciárias traz benefícios para os presos e para o sistema. “Esse discurso de que o modelo traz melhores condições ao preso é muito relativo. Há presídios privados que são referência – assim como penitenciárias estatais que têm boa qualidade”, diz o docente.
Na visão da Umanizzare, entretanto, os procedimentos adotados nos presídios do Amazonas são adequados, mesmo com as mortes. “Nosso foco é ressocialização dos presos. Em conjunto com o estado, o modelo é muito eficiente, porque reduz os custos por meio da remissão de pena”, defende Caires.
Após o último massacre, a Secretaria de Administração Penitenciária do Amazonas anunciou que não irá renovar o contrato com a Umanizzare para gerenciamento do Compaj, que vencia no início de junho. A empresa disse à reportagem que deve se candidatar em outras licitações do tipo, inclusive em outros estados. “Já participamos de sondagens de mercado e audiências públicas em São Paulo. Pretendemos ampliar a nossa atuação”, afirmou o porta-voz da Umanizzare. O governo paulista já anunciou que, embora não tenha atualmente nenhuma unidade prisional no sistema privado, pretende partir para esse modelo de gestão.
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