Os dois maiores presídios do Tocantins são geridos pela iniciativa privada. Ao total, 1.230 presos recebem comida, remédios, uniformes, materiais de higiene e assistência (médica, jurídica e social) por meio da Embrasil, empresa com sede em Curitiba e que atua naquele estado desde dezembro de 2017. Nos dois locais, os agentes penitenciários são funcionários públicos. É uma das configurações do modelo de cogestão, em que parte substancial dos serviços prisionais é prestada pela iniciativa privada e o controle fica a cargo do poder público.
A convite da empresa, a Gazeta do Povo foi conhecer o funcionamento das duas unidades. A entrada da Casa de Prisão Provisória de Palmas (CPPP) não lembra a imagem convencional de uma penitenciária. O paisagismo inclui baixas cercas-vivas de pingos de ouro cultivados pelos presidiários. A unidade conta com 759 presos, vigiados por 61 câmeras de segurança, instaladas pela empresa, que também contratou 57 funcionários para executar os mais diversos serviços. A estrutura prisional está superlotada, com três vezes mais do que a capacidade projetada. Em parte, é o conjunto de ações desempenhadas pela empresa contratada que evita fugas e rebeliões nos dois pavilhões, divididos por facções criminosas.
Um dos principais aliados é o sistema de vigilância monitorada por imagens, que teria identificado movimentações suspeitas e possibilitado que medidas sejam tomadas precocemente, diminuindo o potencial de estragos. Foi o que aconteceu em outubro, quando uma tentativa de fuga em massa foi contida (o número de agentes penitenciários lotados na unidade foi publicado originalmente na reportagem, mas a informação – considerada estratégica, por questões de segurança – acabou sendo suprimida).
Outros suportes dados pela empresa reduzem a probabilidade de problemas na CPPP. O fato de ter alimentação de qualidade, entregue no horário, cinco vezes por dia, alivia a pressão interna. As refeições são produzidas dentro da penitenciária. Também há mais agilidade na realização de pequenas obras. A estrutura da CPPP é antiga e vive dando problemas, exigindo manutenção frequente. Os reparos são feitos pela empresa contratada. E quando falta energia elétrica ou água, o abastecimento precisa ser suprido emergencialmente pela Embrasil.
O governo do Tocantins paga mensalmente R$ 4,2 mil por preso. Um fiscal dentro da unidade avalia os serviços prestados e pode aplicar multas ou mesmo descontos quando considera que o trabalho não foi prestado a contento (na quantidade ou na qualidade). O conjunto de obrigações da iniciativa privada inclui a cessão de uniformes, colchões e kits de higiene.
O contrato contempla, além das cinco refeições diárias, os atendimentos médicos e odontológicos (inclusive a entrega de medicação) e a assessoria jurídica – que não substitui o trabalho de advogados contratados pelos presos ou da Defensoria Pública, mas que permite aos presidiários saber em que fase estão os processos ou mesmo a execução da pena. A Embrasil também comprou três viaturas adaptadas para o transporte de presos e arca com o combustível.
A iniciativa privada é responsável pelos projetos de ressocialização, tanto de educação básica como de cursos de capacitação profissional. Na entrada da CPPP, em meio ao solo pedregoso do Cerrado, surgiu uma horta. Começou com o trabalho de dois presidiários e já conta com 20, divididos em 60 canteiros, em que são cultivadas 30 espécies, como beterraba, cenoura, alface e rabanete. As mudas são preparadas em copos de plástico que foram descartados e os rejeitos da cozinha viram adubo.
Outra atividade ofertada é a panificação. “Nunca tinha feito um pão na vida hoje faço também pizza e bolo”, conta um preso de 34 anos. Ele era auxiliar de serviços gerais no Pará e foi detido no estado vizinho com uma moto roubada. Quando sair da prisão, pretende colocar em prática o ofício de pedreiro, também aprendido na CPPP. Aliás, foram os próprios reeducandos (como os internos são chamados) que construíram o alojamento do regime semiaberto.
O caso de Araguaína
O cenário é um pouco diferente na Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota (UTPBG), tanto na gestão como contrato pela iniciativa privada como no perfil dos presidiários. É uma unidade de segurança máxima, com a metade da quantidade de internos da CPPP, mas muito mais funcionários. A penitenciária não está superlotada: está dentro da capacidade para 480 presos, em três pavilhões, cada um com 36 celas.
A UTPBG fica em um distrito de Araguaína, segunda maior cidade do Tocantins, com aproximadamente 180 mil habitantes, às margens do Rio Araguaia, na divisa com o Pará. Ao contrário de outros presídios, em áreas afastadas, a unidade fica dentro de um espaço urbanizado distrital, dividindo os muros com os moradores da Barra da Grota. Na maior parte do tempo, a convivência é tranquila, mas a configuração levou a uma situação peculiar. Em outubro de 2018, os presos conseguiram fazer reféns durante a aula e escaparam pela porta da frente, invadindo casas da região. As imagens da fuga se espalharam pelo país.
O trabalho da segurança é feito pelos agentes do estado. Mesmo diante das dificuldades para comandar uma penitenciária com cinco centenas de condenados, o diretor Guilherme Martins conta que nem se compara com os problemas que enfrentava na unidade de Wanderlândia (TO), que tinha apenas 26 presos. “Dava muito mais trabalho. Se quebrava um cadeado eu tinha que comprar do próprio bolso”, comenta. Para Martins, contar com o suporte de uma empresa privada dá agilidade em reparos emergenciais – o que considera essencial para garantir a segurança e o mínimo de agitação em um presídio.
O diretor entende que é melhor que os agentes penitenciários sejam funcionários públicos e que a iniciativa privada é essencial para dar suporte ao trabalho. Ele conta com a ajuda de um sistema de monitoramento com 146 câmeras, instaladas pela Embrasil, e por uma sala de controle, que automatizou a abertura das grades no presídio, reduzindo o contato direto dos funcionários com os presos. Cães treinados vigiam o perímetro e, segundo Martins, já evitaram três tentativas de fugas. Atualmente, a cidade não conta com Tropa de Choque para intervir em caso de problemas, como rebeliões.
Parte dos reparos feitos a título de manutenção no prédio é executada pelos próprios presos, remunerados pela Embrasil. É uma das possibilidades dadas pela Lei de Execuções Penais (LEP), que estabelece que os condenados devem receber no mínimo ¾ de um salário mínimo, o que equivale hoje a R$ 750. Para a empresa, é um bom negócio, pois não tem encargos trabalhistas e custa menos do que o valor de mercado. O dinheiro não entra na prisão – é depositado em uma conta em nome do presidiário.
Ter uma ocupação representa remissão de pena: cada três dias trabalhados diminui em um dia o tempo de prisão. A reportagem conversou com um condenado, de 44 anos, que trabalha na lavanderia. Ele, que nunca imaginou cozinhar, aprendeu panificação e a fazer crochê – faz tapetes. Entre as demais atividades ofertadas está a horta, que está sendo ampliada com recursos da venda do que é plantado – e até uma rádio interna. Por meio de convênio com empresas, que também contratam os presidiários, há na UTPBG uma fábrica de tijolos.
Tocantins tem presídios com gestão privada desde 2011. Com o passar do tempo, alguns aspectos do serviço que estava sendo prestado passaram a ser questionados. O Ministério Público contestou o preço praticado e a qualidade do trabalho feito pela empresa Umanizzare – além da legalidade das constantes prorrogações de prazo – e a Justiça concordou que havia necessidade de uma nova licitação. Foi aí que a Embrasil passou a atuar em Tocantins, primeiro em caráter emergencial de seis meses e, depois, conquistou 30 meses de contrato, ao custo mensal de R$ 4,2 mil por preso.
* A repórter viajou ao Tocantins a convite da Embrasil
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