Nenhuma das 34 estruturas prisionais do Paraná atualmente é gerida pela iniciativa privada. Mas nem sempre foi assim. Há 20 anos, o estado inaugurou esse modelo de gestão penal no país. Foi com a Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), apontada à época como modelo de bom funcionamento, recebendo visitas frequentes de gestores de outros estados e também de jornalistas que reportavam as particularidades do ambiente, de aparência organizada e tranquila, muito diferente do estereótipo prisional.
Depois de 1999, outras cinco unidades estaduais foram repassadas à iniciativa privada: a Casa de Custódia de Curitiba, as penitenciárias de Ponta Grossa, de Foz do Iguaçu e de Piraquara, além do presídio industrial de Cascavel. Quando Roberto Requião assumiu o governo, em 2003, deixou claro que pretendia reestatizar o sistema. Sem conseguir romper os contratos em andamento, o governador esperou o fim do prazo e retomou a administração, que voltou integralmente para o poder público em 2006. Daquela época, ainda sobrou uma discussão judicial sobre valores não pagos pelo governo às empresas que rendeu um precatório de aproximadamente R$ 15 milhões, aguardando na fila de créditos a serem quitados pelo Paraná.
Para entender como foi a experiência, a Gazeta do Povo consultou gestores que atuaram naquele período e também pesquisadores que estudaram os efeitos do modelo.
Hoje servidor aposentado do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR), André Kendrick participou da elaboração do edital que culminou com a escolha de uma empresa para fazer a gestão na unidade industrial de Guarapuava, recém-construída. “Não tínhamos referencial. Demos os primeiros passos”, comenta. Diante da repercussão positiva, o modelo foi estendido.
Kendrick comenta que o custo por preso era um pouco mais alto do que no sistema público, mas havia uma estrutura melhor, gerando resultados positivos. “Funcionava bem. Foi um sucesso”, diz. O ex-diretor ressalta que dificuldades corriqueiras no sistema público, como reparos emergenciais e substituição de servidores, eram rapidamente resolvidas na gestão privada.
O servidor aposentado ressalta que não se trata, necessariamente, de o sistema empresarial ser melhor. “Se você não consegue repor o corpo técnico, você tem um problema. Se a gestão pública funcionasse na mesma rapidez da privada, não teria motivo para licitar”, diz. Ele também destaca que o papel do governo como controlador é essencial nos dois modelos.
Quem também concorda é Flávio Buchmann, ex-diretor de unidades estaduais e que chegou a ocupar o posto de vice no Depen-PR. Ele explica que há duas correntes no Brasil. A primeira defende intransigentemente que a execução penal é uma atribuição integral e exclusiva do poder público e outra que entende que a gestão central deve ser do Estado, mas que os serviços podem ser prestados pela iniciativa privada.
Estrutura pública tem funcionários dedicados, mas muita burocracia
Com a experiência de quem foi diretor por 12 anos em unidades prisionais de Piraquara e Pinhais, Buchmann vê pontos positivos e negativos em cada modelo. Ele entende que há mais comprometimento no trabalho quando se trata de servidores públicos. “Como em toda área, tem casos isolados de gente descompromissada. Mas, no geral, os agentes penitenciários se dedicam muito”, diz. Além de ter menor rotatividade, resultando em mais experiência acumulada, o ex-diretor salienta que a remuneração pelo trabalho no serviço público é mais condizente com a função. Segundo ele, os salários iniciais dos agentes no Paraná são de R$ 5,4 mil.
Contudo, o servidor aposentado reconhece as burocracias que engessam a estrutura pública. “Na iniciativa privada, a contratação é mais rápida, sem precisar fazer pedido e licitação para tudo. Também é rápida a demissão em caso de uma falta disciplinar. A reposição de materiais e a manutenção são automáticas. E a atualização tecnológica é mais ágil, porque o Estado é moroso nesse lado”, diz. Ele avalia que, diante das circunstâncias, a terceirização dos serviços aparece como uma boa alternativa. “Pensando no valor dos salários e no sistema previdenciário, é capaz de o modelo privado ficar mais barato. Um agente contratado por empresa custa menos da metade."
Buchmann foi diretor da PEP 1, de janeiro de 2003 a maio de 2005, num período em que a iniciativa privada era responsável por prestar vários serviços, inclusive com a contratação de agentes. Inaugurada em 2002, tinha a vantagem de ser uma obra recém-construída. “Se o Estado alocar a estrutura adequada, sou a favor do modelo estatizado”, afirma, mas pondera que o sistema público esbarra nas dificuldades. “O problema é quando não tem material, não tem recursos humanos, não tem assistência social”, complementa. Segundo ele, a defasagem de pessoal está em 1,5 mil agentes e 500 profissionais de outras áreas.
Na iniciativa privada, a contratação é mais rápida, sem precisar fazer pedido e licitação para tudo. Também é rápida a demissão em caso de uma falta disciplinar. A reposição de materiais e a manutenção são automáticas. E a atualização tecnológica é mais ágil, porque o Estado é moroso nesse lado
Flávio Buchmann, ex-diretor de unidades estaduais e ex-vice do Depen-PR
O ex-diretor salienta que tanto as unidades privadas como as públicas registravam bom desempenho, no início dos anos 2000. Naquela época, era fiscal do serviço prestado pelas empresas e conseguia perceber as deficiências e vantagens. “Mas não via muita diferença entre os sistemas, porque ambos funcionavam bem”, diz. Segundo o ex-diretor, houve um tempo em que 60% dos presos estavam trabalhando e 20% estudando. Para o servidor aposentado, o problema é que a estrutura necessária não foi sendo reposta no ritmo adequado. E o déficit não deve ser resolvido com as vagas atualmente previstas, com a construção de novas penitenciárias. “Vamos abrir mais 7 mil vagas, mas temos 11 mil pessoas em delegacias”, compara.
“A gente rastreia boi, mas não rastreia presos”
Quem também conheceu a fundo a experiência privada nos presídios do Paraná foi o pesquisador Sandro Cabral. Autor de uma tese de doutorado sobre a gestão privada prisional, ele lamenta que o estado tenha decidido abandonar o sistema. “A qualidade era evidente”, mencionou. Para o especialista no assunto, também professor do Instituto Insper (SP), as empresas têm condições de desempenhar um serviço melhor e até mais barato. “Se houver um processo competitivo e transparente, com o poder público fiscalizando intensamente e ao mesmo tempo deixando o setor privado ter liberdade para gerenciar, como definir salários, pode se chegar ao preço mais vantajoso”, comenta.
Cabral inclusive diz acreditar que há motivos para desconfiar quando o poder público apresenta custos por preso inferiores aos praticados no modelo privado. “Será que a conta está considerando o gasto previdenciário futuro, o uso da Polícia Militar, a área de educação, os atendimentos de saúde e assistência social?”, questiona. Como o principal componente no cálculo é a folha de pessoal, o pesquisador avalia que a despesa no sistema público acaba pressionada pelos salários e encargos dos servidores. Ele também salienta que, mesmo à frente de muitos outros na gestão prisional, o Paraná não tem dados suficientes para monitorar todos os processos envolvendo a execução penal, como a efetividade da ressocialização. “A gente rastreia boi, mas não rastreia presos”, compara.
Se houver um processo competitivo e transparente, com o poder público fiscalizando intensamente e ao mesmo tempo deixando o setor privado ter liberdade para gerenciar, como definir salários, pode se chegar ao preço mais vantajoso
Sandro Cabral, pesquisador
Promessa de campanha
Quando candidato, o hoje governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) já mencionava que pretendia se aproximar das empresas para a gestão de presídios. Ainda em 2018, mas já eleito, encaminhou na Assembleia Legislativa um projeto de lei para ampliar o escopo das potencialidades de Parcerias Público-Privadas (PPPs). A proposta acabou alterada na tramitação parlamentar, retirando a possibilidade de terceirizar a contratação de agentes para cuidar da segurança dentro das estruturas prisionais.
Mesmo com a mudança nos marcos legais, o discurso de privatização foi mantido. Em declarações dadas nos últimos meses, várias vezes Ratinho Junior reforçou a intenção. Contudo, ainda não se sabe qual modelo deve ser implantado. Hoje o Paraná tem quatro presídios em construção e outros 10 em projeto, com verbas federais. A administração dessas unidades pode ser repassada para a gestão privada, em alguma medida. Mas não está descartado o modelo de PPP, com a seleção de uma empresa que construa e depois administre uma ou mais penitenciárias.
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