Por quanto tempo você conseguiria guardar em segredo uma descoberta inédita para a sua profissão? Uma equipe de pesquisadores vinculada a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) esperou um ano e cinco meses para divulgar o achado de pinturas rupestres de araucária em Piraí do Sul, região dos Campos Gerais paranaense. As imagens ficaram conhecidas há poucos dias, quando, finalmente, o artigo foi publicado.
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Em setembro de 2021, o Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (Gupe) encontrou, em uma cavidade subterrânea, desenhos de 13 araucárias e 20 antropomorfos (representação de figuras humanas). “Para nós, este achado representou um momento de emoção extremamente intensa. A existência de pinturas rupestres na área da Escarpa Devoniana é algo conhecido há muitas décadas, mas, encontrar as pinturas dessas árvores em um local de difícil acesso foi algo não apenas inédito para o grupo, mas extraordinário para toda a região”, descreve Rodrigo Aguilar Guimarães, geólogo e presidente do Gupe.
Segundo os estudiosos, existem fortes indícios dessas artes rupestres terem sido feitas pelos povos originários Macro-Jê, ancestrais das comunidades indígenas Kaingang e Xoclengues, presentes no Sul do Brasil. “De imediato soubemos que se tratava de um patrimônio inestimável e, quanto mais estudamos o local, mais percebemos a riqueza do material que tínhamos em mãos”, relata o geólogo.
Embora o painel de 0,36 m² tenha parcialmente se deteriorado com a passagem do tempo, ainda é possível reconhecer claramente as árvores-símbolo do Paraná. Os pesquisadores acreditam que a própria natureza protegeu a pintura ao longo dos anos. A caverna, onde as pinturas foram identificadas, está localizada a 1.130 metros de altitude, perto de um afluente do rio Piraí-Mirim. Para os cientistas envolvidos no trabalho, o achado é algo especial, é uma validação dos esforços da equipe, mas também vai muito além disso.
Trabalho minucioso (e voluntário)
Pesquisas apontam que a relação dos povos originários com a árvore data de 4 mil anos atrás, mesma idade provável da descoberta arqueológica feita pelo grupo. Outro professor, que faz parte da equipe que encontrou as pinturas, Henrique Simões Pontes explica que é complexo citar uma data exata, pois também é preciso estudar os fragmentos encontrados na área da caverna. “Identificamos que os primeiros grupos da etnia Macro-Jê entraram no território, hoje conhecido como Campos Gerais, de 4 mil anos para cá, mas é um recorte grande que pode ser de 4 mil, 700 anos atrás ou até menos”, pontua o pesquisador.
E, para que as pesquisas sejam feitas da forma mais completa possível, o grupo faz expedições tradicionais pelos terrenos acidentados e conta com a tecnologia, como o uso de dados de satélites e imagens feitas por drones. Além disso, há uma equipe multidisciplinar formada por profissionais como geógrafas, geólogos, biólogos e especialistas em arqueologia.
Especificamente, a pesquisa do Abrigo das Araucárias é parte do projeto Espeleo Piraí, com foco principal na espeleologia (estudo das cavernas) e arqueologia. “Encontrar um sítio arqueológico fantástico dentro de uma cavidade subterrânea foi a concretização perfeita do que é nosso foco de estudo”, destaca Aguilar. O presidente do Gupe pontua que isso é um incentivo para seguir na busca de novos achados, principalmente em espaços subterrâneos. “Seja nos séculos mais recentes ou nos primórdios da ocupação humana da nossa região, os Campos Gerais representaram um espaço extremamente significativo para nossas populações. As pinturas de araucárias validam ainda mais esse protagonismo”, classifica o geólogo.
Todo esse trabalho minucioso é feito de maneira voluntária. Para os pesquisadores, a importância de se conhecer a história e o patrimônio natural do Paraná é apenas parte desse ciclo e vai além da publicação científica. “Essa descoberta conta a história do nosso povo, pertence à toda população paranaense, mas também mostra a necessidade de proteger os locais onde estão esses achados, para que isso siga adiante, sem o risco de ter percorrido centenas de anos até nós para então se perder para sempre, por mero descaso”, conclui o presidente do grupo.
Preservação da araucária
A árvore-símbolo do Paraná já ocupou quase 50% do território estadual. Atualmente, a extensão original da floresta é de 3%. Segundo dados do Instituto Água e Terra (IAT) do estado, a espécie corre o risco de extinção. “Existe a lei que proíbe o corte da araucária e, quando se faz necessário podá-la, é preciso replantá-la. Porém, essa última etapa não foi estimulada de forma correta e chegamos ao risco de que essa espécie deixe de existir”, explica o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Flávio Zanette, estudioso do tema há quase 40 anos.
Para os pesquisadores da araucária, essa descoberta comprova que ela está presente desde as mais remotas épocas do planeta, resistindo a intempéries diversas, mas que parece ter dificuldades de sobreviver à ação do homem. “Pautar a árvore-símbolo do Paraná é sempre muito importante e, talvez, essas provas históricas influenciem aqueles que detêm o poder a auxiliar na preservação da espécie, criando leis que incentivem o cultivo”, diz Zanette.
Os gêneros mais comuns da árvore podem chegar a 25 metros em uma área com mais luz; na sombra, podem passar dos 30. Leva de 15 a 20 anos para chegar à fase adulta e produzir frutos. Mas os cientistas já conseguiram desenvolver araucárias que geram o pinhão a partir dos seis anos de vida. “Em parceria com a Embrapa chegamos a desenvolver técnicas de clonagem que rendem árvores altamente produtivas. Isso já atrai o interesse dos agricultores fazerem o plantio e produzirem pinhão para comercializar. É como eu costumo dizer: a araucária vale muito mais em pé do que deitada”, defende o professor.
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