Duas companhias com mais de 20 anos de história devem deixar de fazer parte da estrutura do governo do Paraná na gestão de Carlos Massa Ratinho Junior (PSD). Ainda antes do início do mandato, em novembro, Ratinho já havia sinalizado a intenção de se desfazer da Copel Telecom, subsidiária da Copel responsável pelo fornecimento de internet via fibra ótica, e da Compagas, companhia que distribui gás natural para empresas e clientes residenciais no estado.
A privatização de ambas foi confirmada pelo governador em entrevista recente concedida à Gazeta do Povo. “Não há justificativa para o estado ter duas companhias que atendem só ao setor privado. A Copel Telecom não tem como disputar com as maiores do mundo, que estão todo dia colocando dinheiro em uma velocidade muito maior. Não tem por que a gente manter esse ativo sendo que está faltando dinheiro para outras áreas. É uma bobagem. A mesma coisa para a Compagas”, afirmou.
Para o advogado Fernando Vernalha, doutor em Direito do Estado que participou do grupo de trabalho que elaborou a nova lei de Parcerias Público-Privadas (PPPs) sancionada por Ratinho, privatizar ativos estatais e delegar serviços à iniciativa privada não é apenas uma pauta importante para a modernização das administrações.
“Mais do que isso, é uma necessidade imposta pela difícil agenda de investimentos em infraestrutura que temos pela frente”, afirmou ele, em artigo publicado na Gazeta do Povo. "Ao conceder serviços à iniciativa privada, seja por meio de privatizações, concessões ou PPPs, elimina-se o custo da burocracia pública, transferindo-se à responsabilidade dos privados toda a cadeia de suprimentos inerente à prestação de serviços", defende.
O processo de venda da Copel Telecom deve ser o mais rápido dos dois – e também o que deve gerar mais debate. De acordo com o presidente da Copel, Daniel Pimentel Slaviero, até o final do primeiro semestre de 2019 a companhia deve apresentar um plano de venda para o governador. Com a aprovação de Ratinho, o processo deve ser submetido à apreciação da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) antes que possa ser iniciado.
“Nós queremos fazer um debate público transparente. A premissa é de que esse processo seja aberto a todos os interessados nesse ativo. Quanto mais interessados, mais concorrência e maior a valorização da companhia”, diz Slaviero.
Foco em energia
A Telecom é uma das cinco subsidiárias ligadas à holding. Completam o time a Copel Geração e Transmissão, a Copel Distribuição e a Copel Comercialização - que são relacionadas à energia elétrica de geração hídrica – e a Copel Renováveis, cujo foco é a produção, transmissão e distribuição de energia originada de fontes renováveis.
Um dos principais argumentos do governo para justificar a privatização da Telecom é o fato de que a subsidiária não atenderia à atividade principal da Copel. Como as redes de fibra da companhia são utilizadas para a comunicação entre as unidades de geração de energia, a empresa afirma que pretende manter essa estrutura. Ainda segundo a Copel, o grupo de trabalho que está planejando a privatização tem como prioridade separar os ativos que serão vendidos dos que serão mantidos.
O esforço é para preservar três ativos da Telecom: cabo de fibra ótica, data center e telefone fixo. No caso da fibra ótica, a Copel pretende fazer um contrato de concessão para a empresa compradora. Para os funcionários, a companhia estuda um modelo que contempla três caminhos: migração para a futura empresa, plano de demissão voluntária ou transferência interna para o setor de energia.
“Temos uma diretriz muito clara do governador para que a Copel se foque no seu negócio principal, na sua missão, que é gerar, transmitir, distribuir e comercializar energia. Ao longo dos últimos anos, o Paraná cresceu mais do que a capacidade de investimentos da Copel. Por isso, em várias regiões do estado você tem quedas de energia e oscilações que têm afetado muito o setor produtivo. Precisamos focar no nosso DNA e investir mais em energia”, afirma o presidente da companhia.
Dificuldade em competir
Outro argumento utilizado pelo governo é de que a Copel Telecom não consegue acompanhar o volume de investimentos das concorrentes do setor – e que, por isso, deve perder competitividade ao longo dos anos. Consequentemente, o valor de mercado da subsidiária também se depreciaria, o que faz o Executivo defender que agora é o melhor momento para vender a companhia.
“Nenhuma outra distribuidora de energia tem uma empresa de telecomunicações. São mundos diferentes. É uma escolha que temos que fazer: investir na expansão de uma rede de telecomunicações, setor em que estamos concorrendo com multinacionais que têm capacidade financeira e flexibilidade infinitamente maiores do que a nossa, ou usar o mesmo recurso para investir no DNA da Copel. A escolha me parece óbvia”, afirmou Wendell Oliveira, diretor-presidente da Telecom, em conversa com a reportagem.
Segundo ele, em 2018, a empresa não gerou caixa para suportar novos investimentos. “Pelo contrário, nós demandamos mais recursos da holding. A geração de caixa foi de menos R$ 154 milhões. Enquanto nós investimos R$ 300 milhões, nosso principal concorrente vai colocar R$ 8 bilhões no setor. Não temos um ativo que está gerando caixa”, justifica Oliveira.
Atividades complementares ou independentes?
Na opinião de Walter Shima, professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o argumento de que as duas atividades – a de energia e a de telecomunicações - competem entre si pelos recursos da holding não se sustenta.
“Quando a gente fala em setores industriais de infraestrutura, estamos tratando mais ou menos do mesmo tipo de atividade. São as chamadas indústrias de rede, que implicam na formação de uma rede de natureza física para interligar diversos pontos. Do ponto de vista técnico, é correto dizer que não são atividades tão distantes entre si”, diz Shima.
Segundo o diretor-presidente da Telecom, entretanto, a única relação entre as duas atividades é “a utilização do mesmo poste”. “E nós pagamos aluguel por isso”, afirma. Ainda de acordo com Oliveira, o processo de estudos para a privatização incluirá a análise de quais ativos – ou seja, quais partes da infraestrutura da subsidiária – devem permanecer com a holding, já que são fundamentais para o braço de energia da companhia.
“Galinha dos ovos de ouro”
Ainda segundo o professor, porém, vender a subsidiária agora implica em entregar para a iniciativa privada uma “rede pronta”, já que os 399 municípios do estado estão cobertos pela fibra ótica da Copel Telecom. “É uma galinha dos ovos de ouro. É a Copel Telecom que tem a maior rede de fibra ótica estadual do Brasil. Não há motivo para dizer que a empresa não tem eficiência”, critica o professor.
Atualmente, a Copel Telecom atende a aproximadamente 200 mil clientes, entre empresas e residências. A venda no varejo, entretanto, acontece em 85 cidades do Paraná porque, mesmo que a rede chegue a todos os municípios, em muitas cidades não há capilaridade suficiente para atender a pessoas físicas. Nesses casos, é possível apenas fornecer internet a clientes corporativos.
“Funcionamos muito bem até agora porque tínhamos um mercado basicamente cativo. Quem queria comprar internet de fibra ótica tinha poucas opções. Agora, os concorrentes estão oferecendo produtos mais baratos. Ninguém tem o tamanho da nossa rede hoje, mas é só uma questão de tempo até ficarmos obsoletos”, justifica o diretor-presidente da Copel Telecom.
Clientes satisfeitos
Entre os clientes da Copel Telecom estão quase todas as 2.143 escolas estaduais do Paraná, de acordo com dados fornecidos pela Secretaria de Educação (Seed). Apenas oito colégios não são atendidos pela subsidiária, a maioria por dificuldades geográficas (estão em ilhas) ou porque ainda não foram inaugurados. Nas escolas que têm contrato com a Copel Telecom, a internet é fornecida via satélite (494 escolas) ou pela rede de fibra ótica (1.641 unidades).
De acordo com a subsidiária, os contratos com a Seed vencem no final deste ano – e, por isso, será necessário realizar uma nova licitação. “Independentemente se é escola, prefeitura ou hospital, ninguém pode escolher comprar a internet da Copel. São feitas licitações e a Copel Telecom ganha. Quando o governo fizer a nova licitação para as escolas, no final do ano, ninguém nos garante que seremos os mais competitivos”, diz Wendell Oliveira, diretor-presidente da subsidiária.
Além de ter uma carteira importante de clientes, a Copel Telecom também vem recebendo reconhecimentos por conta do serviço oferecido. Em 2018, a empresa foi a operadora de banda larga com maior nota de satisfação geral no ranking da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A subsidiária ganhou, ainda, o prêmio de empresa do ano no Anuário Telecom e de melhor gestão pela Fundação Nacional de Qualidade.
Mesmo assim, de acordo com o presidente da Copel, os clientes “serão os mais beneficiados” com a privatização. “O cliente quer um produto cada vez mais acessível e competitivo, e a iniciativa privada pode oferecer isso. Nós entendemos que será um processo saudável para a empresa, que vai manter seu foco em energia, e saudável para os clientes, que terão um produto a preços mais competitivos no longo prazo”, afirma Daniel Pimentel Slaviero.
Ainda de acordo com o presidente da Copel, a companhia terá um “cuidado especial” com os 456 funcionários que atuam na Telecom. “Estamos fazendo um desenho que atenda a todos os segmentos: acionistas, colaboradores, consumidores e a sociedade”, promete. Para os funcionários, a companhia estuda um modelo que contempla três caminhos: migração para a futura empresa, plano de demissão voluntária ou transferência interna para o setor de energia.
O preço das companhias
Sejam quais forem as justificativas para a venda, uma das principais preocupações em relação à privatização, de acordo com o professor Christian Luiz da Silva, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), se relaciona ao valor de mercado da Copel Telecom.
“O que eu acho mais problemático no caso da venda de serviços - principalmente de serviços rentáveis - é justamente você ter um ganho imediato mas não receber o valor efetivo daquele negócio. É o problema que tivemos em tantas privatizações. Muitos governos se preocuparam mais em fazer um caixa momentâneo e acabaram perdendo uma fonte de remuneração, de riqueza muito maior do que o valor efetivamente pago por aquela privatização”, diz o professor, que atua no Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Governança Pública da UTFPR.
Na visão dele, o caso da Copel Telecom é distinto do da Compagas, justamente por conta dos ramos de atuação das duas companhias. “A atividade da Compagas não é rentável, com o grau de investimentos que temos hoje. O estado não tem fôlego para injetar os recursos necessários para tornar a empresa lucrativa”, explica Silva.
Compagas em números
Atualmente, a rede da Compagas está presente em apenas 17 municípios do estado, a maioria na região de Curitiba. São 826 quilômetros de gasodutos, que atendem a mais de 45 mil clientes. Alguns deles, considerados ocasionais, são atendidos via caminhão, como é o caso de Londrina, Arapoti e Palmeira. “A operação de gás é muito custosa, por conta da infraestrutura de distribuição”, explica o diretor-presidente da Compagas, Rafael Lamastra Junior.
O forte da companhia não está na extensão da rede, mas sim na continuidade do serviço oferecido aos clientes. No caso das indústrias, por exemplo, há segmentos que não podem ter interrupções no fornecimento de gás, como é o caso da produção de cerâmica. No ano passado, a receita bruta da Compagas foi de R$ 756 milhões.
“Nós somos basicamente uma empresa de logística. 65% do nosso custo é com o supridor de gás. A gente só repassa o produto”, explica Lamastra.
No caso dos clientes residenciais, a empresa pode atender, somente, a prédios. O foco da Compagas está, agora, em saturar as redes já existentes, como é o caso da região do Batel, em Curitiba, e de Ponta Grossa, que ainda podem receber mais clientes.
Imbróglio jurídico
O contrato de concessão para a exploração do gás entre a empresa e o governo estadual vence em 2024. De acordo com o presidente, a companhia está estudando um modelo para realizar um novo processo de concessão, diante do interesse do governo em vender sua parte na Compagas. Não há previsão para que o estudo fique pronto.
Além disso, o processo pode ser ainda mais complexo porque a empresa possui outros acionistas. O governo tem, por meio da Copel, 51% das ações, enquanto a Petrobras e a Mitsui Gás têm 24,5% cada.
“Há uma série de instrumentos jurídicos que incidem nesse tipo de processo. Como implicam na perda do controle do estado, os dois casos precisam de autorização da Assembleia Legislativa do Paraná. Não existe solução pronta, a discussão é grande para cada empresa. Vai levar tempo”, conclui Fernando Menegat, professor de Direito Administrativo da Universidade Positivo.
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