O negócio do café é familiar. Das roças de onde saem os grãos que abastecem as xícaras do mundo todo, pequenos agricultores criam e recriam alternativas para que a exportação e o mercado interno sigam colocando o Brasil entre os principais vendedores e consumidores de café mundiais. O desafio maior neste mercado, que mudou tanto ao longo das últimas décadas, é driblar a necessidade de investimentos na lavoura e o repasse do encarecimento dos insumos de produção aos consumidores, sem perder o foco na qualidade ao produto. Além das questões climáticas, que nos últimos anos impactaram decisivamente em diversas nuances da comercialização do café.
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A mudança no perfil das lavouras cafeeiras fica evidente pelo exemplo do Paraná. O estado foi o maior produtor mundial do grão na década de 1960, quando metade do café consumido no planeta saía da terra vermelha do norte paranaense. Eram 24 milhões de sacas colhidas anualmente naquela época. O mundo todo colhia 50 milhões.
“Mas hoje o perfil mudou e, se formos comparar, nós temos pomares de café, e não mais fazendas”, conta Paulo Sergio Franzini, técnico da Cultura do Café no Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab) e secretário executivo da Câmara Setorial do Café no estado. Se há 60 anos o Paraná cultivava 1,8 milhão de hectares de cafezais, hoje são cerca de 30 mil. “Produzimos em média 1 milhão de sacas (por ano). Um pouco menos nos últimos dois anos por conta das geadas”, lembra Franzini.
A queda na produção nesses últimos anos provocou encarecimento do produto e impactos nas exportações. Especialmente a partir de 2021, quando secas extensas atingiram as regiões produtoras, seguidas pelas geadas, o consumidor percebeu que o preço do café ficou mais alto nas gôndolas. “O café também ficou vários anos com preço estagnado e para o produtor isso é ruim, porque o custo de produção não baixa. Ele continua recebendo o mesmo valor e não consegue investir na lavoura para que responda na produção”, explica o técnico do Deral. “É uma planta de ciclo longo e, quando se aduba menos e se trata menos, ela também produz menos”. Com aumentos que vão das embalagens ao frete, não repassar os custos ficou quase impossível.
Reflexo nas exportações
E os impactos se estenderam para além do mercado interno. Segundo dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), as exportações brasileiras em janeiro e fevereiro foram 16,8% e 33,3% menores, respectivamente, em relação aos mesmos meses no ano passado. Foram 7 milhões de sacas embarcadas no primeiro bimestre de 2022 contra 5,2 milhões nos dois primeiros meses de 2023. Lógica que vinha sendo observada desde o ano anterior. No acumulado dos sete primeiros meses da safra 2022/23, os embarques brasileiros de café alcançaram 22,227 milhões de sacas, 3,8% a menos que os 23,096 milhões de sacas exportados de julho de 2021 a janeiro de 2022.
Na visão do presidente do Cecafé, Márcio Ferreira, a queda nas exportações se justifica pelo período de entressafra, após duas colheitas menores, impactadas por adversidades climáticas em importantes regiões produtoras no cinturão cafeeiro do Brasil, e pelo contexto do mercado internacional. “Quanto mais longe de uma safra alta, como a de 2020, que foi recorde, menos café remanescente temos, impactando na oferta. Apesar de a Bolsa de Nova York ter se recuperado em janeiro e fevereiro, ainda está bem aquém dos níveis registrados em setembro, antes do início do movimento de queda, quando o produtor aproveitou a combinação de mercado e câmbio favoráveis, fez o dever de casa e vendeu o que era possível”, analisa.
No cenário atual, apesar da recuperação dos preços internacionais no primeiro bimestre, as cotações ainda não são atrativas para o produtor negociar o estoque. “Que não é tão grande em função das colheitas menores em 2021 e 2022”, observa.
Mesmo que haja aumento da produção em 2023, o técnico do Deral não acredita que o movimento das exportações vai ser muito melhor que entre 2021 e 2022. Mas as quedas nas vendas externas não prejudicam o posto do Brasil de maior produtor e maior exportador de café do mundo. E a estratégia principal, agora, é agregar qualidade e valor à produção.
Estratégias e tecnologia que fomentam a produção de café
No Paraná, uma das ferramentas para driblar as adversidades climáticas é a aplicação de técnicas que ajudam a explorar o melhor potencial da planta. Com a irregularidade das chuvas, em anos de baixo regime hídrico os pés de café se debilitam, resguardando energia e, consequentemente, produzindo menos. É aí que entra a irrigação. “Nesse ponto aplicamos a irrigação, tecnologia em que você molha a planta por gotejamento, mantendo o vigor. E também a fertirrigação, em que se usa a nutrição através da água, levando o nutriente que a planta precisa, o fertilizante, junto com a água”, explica Paulo Franzini.
As técnicas reduzem o risco de perder produção por falta de chuva. Não são baratas e exigem capacitação dos produtores, mas estão sendo buscadas e aplicadas com mais vigor, já que muitos agricultores perderam produção em decorrência da estiagem – estima-se que a falta de água adequada e no volume certo é responsável por perdas entre 15% e 20% do café em uma safra no Brasil. Existem programas governamentais do estado que auxiliam na obtenção de financiamento sem juros para o investimento necessário na lavoura, como o Banco do Agricultor Paranaense.
A cafeicultora Silvana Santos Marcomini Fávaro, de Ivaiporã, noroeste do Paraná, investiu em tecnologia na irrigação aproveitando as linhas de crédito do fundo e, literalmente, salvou a lavoura de café para a safra atual. Ela faz parte do time de pequenos produtores paranaenses de café que se concentram principalmente nas regiões paranaenses do Norte Pioneiro e no Vale do Ivaí.
Depois de três anos em que as geadas e a estiagem comprometeram a maior parte da produção de Silvana, ela implantou a técnica e espera colher nesta safra 800 sacas de café em coco nos 2 alqueires onde cultiva a planta. Muito acima das 50 e 150 sacas colhidas durante os dois últimos ciclos.
A cultura da família, que atua com produção cafeeira há mais de 30 anos, carecia de inovação. “Era plantio antigo, não dava o retorno necessário”, comenta a produtora. A primeira providência foi renovar a lavoura com o uso de lavador e secador, e secagem ao sol em terreno suspenso, com sombrite, que mantém a qualidade da bebida. O resultado veio de imediato e a família conseguiu o primeiro lugar no concurso Prêmio Café Qualidade, do IDR-Paraná, em 2018.
Depois vieram geadas e secas que tinham todo o potencial para desanimar a agricultora. Mas o desafio serviu de incentivo para buscar novas alternativas. “A seca fez o café quase morrer, quase perdemos todo o plantio, então decidimos colocar irrigação”, conta. Foram investidos R$ 157 mil na tecnologia, que promete os bons resultados para a safra que começa em breve. “Depois de anos difíceis, a irrigação foi uma resposta ao sofrimento da seca”, diz Silvana.
Assim como Silvana, os produtores que investiram em irrigação estão conseguindo bons resultados. E devem colher frutos em anos de condições climáticas desfavoráveis, inclusive pela diversificação da produção tendendo também para os cafés especiais, que já ocupam parte das lavouras do Norte do Paraná, principalmente.
Diferente do café commodity, tradicional, o segmento de cafés especiais tem conseguido conquistar mais espaço nas exportações, além de ver aumento de consumo no mercado interno. “O preço recebido pelo produtor que produz café especial é muito mais atrativo que o café commodity. Claro que os produtores não vão conseguir 100% da safra de especiais, mas eles estão procurando aumentar a quantidade. Se conseguirem produzir 30% de especiais e, no resto, produzir um café tradicional, mas de padrão melhor, já se beneficiam. No final das contas, o que está dando sustentabilidade para os produtores é a melhoria da qualidade”, avalia Paulo Franzini.
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