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Estudo com pesquisador da UFPR descobre mutação genética que pode ajudar no combate à Covid
| Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Um pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) participou de uma descoberta importante sobre a forma como o sistema de defesas naturais do corpo atua contra o coronavírus. A pesquisa, que deve ser publicada nos próximos meses após passar por revisão, pode levar a uma vacina ainda mais eficaz contra a Covid-19.

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Junto a outros seis pesquisadores de universidades internacionais, dentro de um consórcio que estuda variações genéticas ligadas ao sistema imunológico, o professor do Laboratório de Genética Molecular Humana da UFPR (LGMH), Danillo Augusto, descobriu uma mutação nos genes humanos que, de acordo com os resultados preliminares, pode fazer com que o próprio corpo ataque a infecção do novo coronavírus de forma mais precisa e mais rápida, eliminando o agente infeccioso antes de surgirem sintomas da Covid-19.

A mutação em questão foi encontrada em um grupo de genes chamado HLA (do inglês, Human Leukocyte Antigen, sistema de antígenos leucocitários humanos em tradução livre). Esses genes são fundamentais para a defesa do nosso organismo, pois são eles que apresentam as partículas de vírus, bactérias ou qualquer outro agente infectante ao sistema de células de defesa, em especial às chamadas Células T.

Essa é a forma de atuação de muitas vacinas, inclusive algumas contra a Covid: elas se utilizam de partes do vírus que são apresentadas ao sistema imunológico para que o corpo aprenda a reconhecer o agente invasor e, assim, estar pronto para atacar o vírus quando ele entrar no organismo.

No estudo, que envolveu a participação de mais de 29 mil voluntários, os pesquisadores identificaram que aqueles em que a mutação HLA-B*15:01 estava presente tinham 2,4 vezes menos chance de desenvolver sintomas da Covid. Quando havia duas cópias dessa mutação nos genes dos pacientes, essa chance foi quase 9 vezes menor.

A aplicação prática da pesquisa, o segundo passo a partir da descoberta, é o ponto classificado pelo pesquisador como mais importante. Segundo ele, entender o mecanismo biológico por trás da infecção pelo coronavírus e a forma como o corpo dos portadores desta mutação reage ao vírus pode ser o ponto crucial da pesquisa.

“Na prática, o indivíduo infectado consegue eliminar o vírus mais rápido, a ponto de não apresentar sintomas. É mais rápido do que o processo de replicação do vírus. O que nós imaginamos é que essa célula específica seja mais eficaz nessa apresentação das partículas virais ao sistema de defesa. Talvez haja uma maior afinidade deste gene com uma determinada parte do vírus. Se nós soubermos exatamente o porquê de as pessoas com essa mutação terem essa resposta imune mais eficaz, será possível talvez identificar exatamente qual é a partícula viral que está interagindo melhor com essa molécula. Com isso, poderia ser produzida uma vacina mais específica, que trabalhe diretamente com essa partícula viral que ativa tão bem o sistema imunológico desses pacientes”, detalhou, em entrevista por telefone à Gazeta do Povo direto dos Estados Unidos, onde está atualmente.

Todos temos mutações nos genes HLA

O pesquisador explicou também que todas as pessoas têm mutações neste grupo de genes, e que já se conhece mais de 4 mil destas variações. Augusto reforçou que, a princípio, não há nenhuma relevância clínica direta em se descobrir se uma pessoa tem essa determinada mutação genética, a HLA-B*15:01, ou não. Porém, caso haja esse interesse, o resultado pode ser obtido a partir do sequenciamento genético feito em laboratórios especializados. Em alguns casos, a resposta pode vir mesmo sem a necessidade deste exame.

“Quem é doador voluntário de medula óssea consegue ter essa informação de forma mais fácil, porque esse é um dos genes mais analisados nos cadastros de doadores de medula óssea. Devido a essa função central na imunidade, os genes que codificam essas moléculas estão entre os mais estudados do genoma e estão entre os mais relevantes na medicina. São esses mesmos genes, por exemplo, que permitem a compatibilidade de um transplante de órgãos ou tecidos, e por isso precisam ser analisados em cada indivíduo que precisa de um transplante e seu potencial doador”, explicou.

Aplicações práticas

O artigo resultado da pesquisa deve ser publicado nos próximos meses. Novas etapas serão cumpridas ainda em agosto, antes de o resultado ser submetido a revisão. O objetivo agora é desdobrar as respostas obtidas em novas perguntas, para assim direcionar as descobertas em aplicações práticas no combate ao coronavírus.

“Quando nós analisamos a variação genética de 29 mil pessoas, não estávamos preocupados no momento com a abordagem terapêutica. Nós queríamos saber mais sobre essa doença. A partir do momento em que identificamos algo, aí sim passamos a pensar na aplicação prática dessa descoberta. Nós geramos uma hipótese. Mas por que isso acontece? Essa molécula está presente nos casos em que a resposta imunológica do corpo é mais eficaz, mas como ela faz isso? Essa é a próxima etapa, mostrar isso. Agora vamos fazer ensaios celulares que nos ajudem a mostrar de fato como a presença dessa mutação aumenta a resposta imune contra o coronavírus”, revelou Augusto.

Genes HLA atuam no controle da inflamação

Para o professor Breno Castello Branco Beirão, do Departamento de Patologia Básica da UFPR, que trabalha no desenvolvimento de uma vacina para a Covid-19, ainda em fase de testes, esta resposta mais assertiva do corpo contra o coronavírus é uma das explicações para os casos assintomáticos da doença. Entre aqueles que desenvolvem um caso leve da Covid-19, sem sintomas, o corpo humano consegue controlar o processo inflamatório, necessário para a neutralização do vírus. E é nessa resposta controlada que atua o grupo de genes HLA.

“A pessoa consegue impedir o avanço do vírus com um mínimo de resposta inflamatória. Isso ocorre porque essas pessoas têm uma resposta imune bem direcionada contra as partes mais importantes do vírus. Assim que têm contato com o vírus, esses indivíduos logo o bloqueiam e impedem que progridam no corpo”, explicou Beirão.

Já nos casos mais graves da doença, acontece o contrário. “As formas mais graves ocorrem não só por causa dos efeitos do vírus sobre a pessoa, mas também porque há uma intensa inflamação nesses indivíduos. Normalmente, a inflamação é desejada porque ajuda o sistema imune na sua função de neutralizar o vírus. Contudo, em algumas pessoas a inflamação vai além do necessário e passa a ser deletéria. Nesses indivíduos, a própria resposta inflamatória causa danos aos pulmões, por exemplo, agravando os efeitos virais”, comentou.

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