Utilizada em diversos municípios do Brasil como método profilático contra a Covid-19, o antiparasitário ivermectina até agora não tem eficácia comprovada como imunoestimulante e ainda pode trazer riscos quando associada a outros medicamentos. O alerta é do professor do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Marcelo Molento, que estuda o fármaco há 25 anos do ponto de vista bioquímico e da biologia molecular, com foco nos efeitos clínicos e na busca de marcadores para resistência.
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Substâncias como a ivermectina e a hidroxicloroquina têm sido prescritas por grupos de médicos no Brasil e no mundo, que se baseiam em estudos empíricos para pleitear sua adoção em protocolos de saúde pública.
Molento assina um comentário editorial na última edição do periódico One Health, da Elsevier, com o título “Covid-19 e a corrida pela automedicação e autodosagem de ivermectina: uma palavra de alerta”. Segundo ele, existem centenas de registros de patente do efeito do medicamento como antiviral, porém todas sobre testes in vitro. “Comercialmente, na bula, a formulação do comprimido é voltada ao tratamento antiparasitário. Não há qualquer descrição sobre característica imunoprotetora ou imunoestimulante do fármaco.”
“O risco é do desconhecido, porque os testes clínicos ainda estão em andamento”, explica. De acordo com o pesquisador, a droga é considerada segura e, sozinha, não chega a provocar efeitos colaterais graves em quem a ingere por conta própria. “Mas, uma vez que você a tome sobre outra medicação, as interações medicamentosas podem levá-lo a ter uma indisposição, náuseas e tonturas, por exemplo.” Ele conta ter recebido relatos de crises intensas de labirintite e diarreia persistente após o uso da ivermectina.
Além dos efeitos colaterais, há um risco de quem usar o medicamento achar que está imune ao coronavírus e deixar de adotar medidas de prevenção ao contágio. O protocolo que tem sido adotado em diversos municípios indica a ingestão de um comprimido a cada 15 dias. Mas o composto atinge sua concentração máxima em cerca de 4 horas e é totalmente eliminado do organismo em até 24 horas, segundo Molento.
“Eu entendo a decisão de um gestor público, que, de repente, tem um recurso financeiro disponível, vê os índices de óbitos por Covid aumentando, não tem profissionais de saúde suficientes para atender todo mundo, e vê a ivermectina como uma possibilidade de mudar o quadro”, pondera. “Mas é uma atitude insegura do ponto de vista terapêutico e farmacológico.”
Na cidade de Paranaguá, no litoral do Paraná, a prefeitura adquiriu, por R$ 2,99 milhões, cerca de 352 mil caixas, com quatro comprimidos cada, de ivermectina, para distribuir à população como protocolo de tratamento profilático. A medida foi alvo de investigação do Ministério Público (MP) e, na semana passada, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) recomendou a suspensão da distribuição. Apesar de notificado pelo órgão, o município mantém a entrega dos remédios.
“Faço um apelo aos gestores públicos, para que montemos uma comissão e façamos uma discussão acerca do uso do medicamento. As decisões e ações políticas devem ser pautadas em dados epidemiológicos e clínicos”, diz.
A possibilidade de a ivermectina ser utilizada contra o Sars-CoV-2 foi sugerida em um relato publicado em abril na revista Antiviral Research por pesquisadores australianos. No artigo, os autores contam ter obtido a eliminação do vírus em 48 horas com o uso do composto em células in vitro. Não houve, no entanto, testes clínicos com pacientes que possam ser considerados conclusivos.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu uma nota de esclarecimento no início de julho em que afirma que, “até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil” e que “as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”. No dia 23, o órgão mudou o controle sobre a prescrição médica do remédio, que passou a ter a venda autorizada apenas com retenção de receita.
Mas o pesquisador da UFPR conta ter recebido diversos relatos de pessoas que estão recorrendo a aviários e pet shops para adquirir a ivermectina para uso veterinário, o que pode gerar outros efeitos colaterais. “Há diversos tipos de formulação, com diferentes adjuvantes, dependendo do tipo de animal. A versão para humanos é a mais simples, que contém apenas o sal de ivermectina misturado com o veículo.”
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