“Não aceite as coisas como elas são, tente entender como elas funcionam”. Esse era o conselho que Rita de Cássia dos Anjos ouvia da mãe, uma técnica de enfermagem, quando era criança. Mais do que um simples conselho, a recomendação foi levada como um aprendizado para a vida. E assim a caçula de oito filhos decidiu estudar física, a ciência que estuda as propriedades da matéria e da energia, estabelecendo relações entre elas. Ao contrário de muitos estudantes que têm pavor dos cálculos, equações e termos pouco familiares, Rita se apaixonou pela física. Seguindo o conselho da mãe, quis entender diversos fenômenos, inclusive, alguns que acontecem a 160 milhões de anos-luz da Terra.
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Foi a curiosidade acerca de fenômenos espaciais que levou Rita de Cássia a ser uma das sete pesquisadoras em todo o Brasil a receber o prêmio Programa Para Mulheres na Ciência 2020, promovido pela L’Oréal Brasil, Unesco Brasil e Academia Brasileira de Ciências (ABC). Aos 36 anos, a professora do Departamento de Engenharia e Exatas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em Palotina, no Oeste do estado, foi a vencedora da premiação na área de Ciências Físicas. Ela receberá uma bolsa-auxílio no valor de R$ 50 mil para desenvolver sua pesquisa.
O objeto de estudo da pesquisadora são raios cósmicos de altíssima energia, uma força que vem de estrelas a 160 milhões de anos-luz do nosso planeta. Algo que soa complexo para um ouvinte leigo, mas, como professora, Rita tem toda a paciência para explicar. “Esses raios cósmicos, na verdade, são elementos químicos que vêm do espaço e chegam à Terra com uma energia altíssima. Para se ter uma ideia, se colocarmos a energia contida em cada partícula numa bola de tênis, ela será capaz de atingir uma velocidade de 60 quilômetros por hora”, afirma, em entrevista à Gazeta do Povo.
O estudo teve início no doutorado que ela cursou no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), e foi intensificado a partir de uma avaliação do Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger, na Argentina, da qual Rita faz parte desde 2014. Foi observada uma correlação entre os raios cósmicos de alta energia e as galáxias Starburst, que têm intensa formação estelar, ventos fortes e alta luminosidade. “O que eu pretendo estudar nesse projeto são alguns modelos que possam confirmar que esse tipo de galáxia é um bom candidato a ser fonte aceleradora de partículas”, diz.
Da biologia para a astrofísica
Rita de Cássia dos Anjos nasceu no município de Olímpia, norte do estado de São Paulo. Inicialmente, pensava em cursar Biologia, inspirada pela mãe que trabalhava na área de saúde. De família humilde, estudou em escola pública até que, próxima da idade de fazer vestibular, uma das irmãs resolveu pagar um cursinho para ajudá-la a ingressar na faculdade. Foi ali que descobriu a física. “Na escola eu não aprendi física de verdade. Quando eu fiz cursinho, aí sim eu tive contato real com a física e me apaixonei”, relembra.
Ainda dividida entre a física e a biologia, encontrou em pouco tempo a solução para o dilema: a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) abriu no campus de São José do Rio Preto o curso de Física Biológica, campo no qual se estudam os processos físicos que governam os sistemas vivos. Rita fez o vestibular, passou, mas ainda não estava totalmente realizada. “Durante o curso percebi que o que eu gostava mesmo era a física”, revela. Concluiu a faculdade e, em seguida, iniciou o mestrado, esse sim na área de Física na USP São Carlos, onde também cursou o doutorado.
No doutorado Rita mergulhou de vez no campo da astrofísica, ramo da ciência que estuda o universo através da aplicação de leis e conceitos da física. Tornou-se membro do Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger, na Argentina, e do Observatório Cherenkov Telescope Array, referências mundiais no estudo de raios cósmicos. No ano passado tornou-se pós-doutora pelo Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica, instituição ligada à conceituada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Há seis anos, Rita trocou o interior paulista por Palotina, município paranaense de aproximadamente 32 mil habitantes no Oeste do estado. De acordo com ela, a oportunidade surgiu quando estava concluindo o doutorado e um casal de amigos pediu que ajudasse a divulgar um concurso público para professor da UFPR. “Decidi fazer o concurso também, e passei. Apresentei a banca do doutorado e vim para cá”, conta a pesquisadora.
Física em braile e divulgação da ciência
Se para muita gente mudar-se para uma cidade pequena é sinônimo de sossego, para Rita está bem longe disso. Além das aulas na UFPR e dos projetos de pesquisa, ela também participa de outros projetos, que visam melhorar a formação de professores da rede pública, divulgar a ciência em diferentes níveis escolares e incentivar a participação feminina no campo da pesquisa.
Um desses projetos é o Física em Braile, que busca aprimorar o ensino e a aprendizagem de ciências exatas para deficientes visuais. “Como a gente vai ensinar física e química para essas pessoas se não existe material didático adaptado, nem formação de professores? Hoje há cursos de libras, mas não tem braile. O professor não sabe como ensinar e o aluno não tem como acompanhar”, argumenta Rita ao explicar como nasceu o projeto. Um dos resultados desse trabalho foi a criação de um site reunindo material pedagógico e artigos que ajudam no ensino a deficientes visuais.
A pesquisadora também ministra oficinas de física para professores do ensino médio. “Eu percebi que o campus de Palotina tem uma interação muito grande com as escolas da cidade. Isso me estimulou a promover atividades que incentivem a formação continuada dos professores.” E tem ainda o projeto Rocket Girls: Meninas na Astronomia e na Astronáutica, que, com o suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), apoia atividades de astronomia e robótica, incentivando mulheres a ingressar em carreiras científicas.
Diversidade nos ambientes de pesquisa
Das sete pesquisadoras contempladas neste ano pelo Programa Para Mulheres na Ciência, Rita de Cássia é a única negra. Uma realidade que ela vem acompanhando ao longo de toda a carreira acadêmica e que espera ajudar a mudar. “Na minha área sempre fui a única negra. No campus onde trabalho são aproximadamente 140 professores e, que eu me recordo, somos eu e mais um negro apenas. É muito pouco, por isso é importante mostrar que a diversidade é nossa riqueza e que ela precisa estar presente em todos os ambientes de pesquisa”, defende.
Para ela, ainda existem obstáculos a serem superados no acesso de grande parte da população à universidade. “Eu entrei porque pude fazer cursinho, minha irmã trabalhou para pagar. Mas muitas famílias não têm essa condição. Quando têm uma oportunidade, elas precisam ser muito boas, precisam ser exemplo para as outras. Então, eu espero também servir como exemplo, mostrar que é possível se destacar e fazer a diferença.”
Mulheres na Ciência
O Programa Para Mulheres na Ciência é promovido desde 2006 e, internacionalmente, já tem 22 anos. O objetivo da premiação é a transformação do ambiente científico, favorecendo a equidade de gêneros, nos cenários brasileiro e global. Na edição nacional, sete jovens pesquisadoras são contempladas com bolsas-auxílio no valor de R$ 50 mil, nos campos das Ciências da Vida, Ciências Físicas, Ciências Matemáticas e Ciências Químicas. O júri foi composto por 14 pesquisadores, membros da Academia Brasileira de Ciência, um representante da L’Oréal e um da Unesco. Os critérios de escolha foram a qualidade e impacto do projeto e o trabalho desenvolvido anteriormente pela candidata. Mais de 100 cientistas brasileiras já foram premiadas.
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