Em 1925, enquanto Curitiba era o abrigo de algumas poucas dezenas de milhares de moradores, o mais importante historiador paranaense celebrava os avanços da capital que conhecia tão bem. “A obra de urbanização realizada pelo atual prefeito da cidade de Curitiba é de tal porte e se estende tão vastamente, atingindo as mais distantes zonas da cidade, que se torna verdadeiramente admirável em se sabendo que não foi resultado de recursos especiais e [sim de uso] extraordinário das rendas normais do município arrecadadas com eficiência e empregadas com acerto”, documentou Romário Martins.
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Para bem da verdade, “as mais distantes zonas”, à época, eram ruas como as avenidas Silva Jardim e Iguaçu – longe cerca de 20 quilômetros dos bairros que hoje são os mais afastados. Mas poucos anteciparam com tanta destreza um dos valores que guiariam a cidade pelas próximas décadas e que, ainda hoje, fazem parte do “sentimento curitibano”: o orgulho pela modernidade e organização que acompanharam a cidade por muitas vezes em sua história.
Romário Martins descrevia o trabalho de João Moreira Garcez, um engenheiro de bom trânsito político e vivência na administração pública, que assumiu a prefeitura de Curitiba em 1920. Garcez é um dos pais do pensamento urbano moderno na cidade, ele permaneceria no cargo, nesta passagem, até 1928. Na década seguinte, ele voltaria para um novo mandato de dois anos, entre 1938 e 1940.
Na década de 1920, em uma cidade de pouco menos de 80 mil habitantes, a chegada de imigrantes europeus prenunciava um crescimento iminente. Coube ao prefeito decisões como canalizar rios e canais e fazer a cidade crescer em direção às regiões Sul e Oeste da cidade. Garcez pavimentou avenidas que hoje nem imaginamos de pedras ou chão batido, como a Sete de Setembro, Visconde de Guarapuava e as citadas Iguaçu e Silva Jardim.
De acordo com os registros de Martins, Curitiba somava 391 mil metros quadrados de pavimentação em 1920. Esse número saltou para 602 mil metros quadrados em 1925. A obra que batizou de “Cidade Nova” parecia um exagero para a época. Ruas com duas pistas de 30 metros, canteiros centrais, calçadas largas... Na época, era passagem apenas para poucos automóveis e carroças.
Mas as alterações não vieram de graça. A gestão de Moreira Garcez comprou briga com empresários ao sugerir a desapropriação de imóveis e o alargamento da XV de Novembro – a, desde sempre, rua mais importante da cidade.
“O Ex. Sr. Dr. Moreira Garcez, Prefeito Municipal, reunio hoje, em seu gabinete, os proprietários de predios e terrenos situados na quadra da rua 15, comprehendido entre as rua Muricy e Ébano Pereira. O fim da reunião foi de resolver a fórma amigável de ser levado a effeito, pela Prefeitura, o alargamento da rua 15 na referida quadra, alargamento que o transito do local está exigindo de uma maneira imperativa para segurança do publico. Como se sabe, no trecho considerado nossa principal artéria urbana se estreita, muna differença de 5 metros a 83 centímetros, da largura que a rua tem na quadra a seguir a rua 1º de Março. A Prefeitura, estudando o assumpto alargará a quadra estrangulada recuando 3m. 79 o alinhamento – de uma das faces, – a que compreende a casa Bandeira e o sobrado Muller. Antes, porém, de servir-se da autorização que tem para as necessárias desapropriações judiciaes, deseja o illustre Sr. Prefeito Moreira Garcez resolver, se possivel for, um entendimento amistoso entre os proprietarios interessados, por meio de uma valorização arbrital ou por outra forma acceitavel por elles suggerida. O Sr. Luiz Gustavo Adolpho Muller, proprietario do terreno mais valorisado dos visados pelo novo alinhamento, propoz-se suggerir, sabbado proximo, uma maneira conciliatoria da questão”, publicou, com a grafia da época, o periódico A República, que circulou em Curitiba do fim do século 19 à metade do século 20.
Sem negociação, o prefeito tocou a obra via decreto. Em 19 de dezembro de 1926 a nova Rua XV era inaugurada com festa e discurso do prefeito. “A grande massa popular coroou com uma grande salva de palmas as palavras do benemérito reformador da cidade”, descreveu o mesmo periódico.
Em 1927, iniciou a construção do edifício que leva seu nome: o Moreira Garcez. Até hoje, o prédio na esquina da Avenida Luiz Xavier com Voluntários da Pátria é um ícone da paisagem urbana da capital. Erguido para ser um hotel, foi concluído em etapas nas décadas seguintes. Sua idealização pelo prefeito-engenheiro marcou o início da verticalização de Curitiba. Um marco de que a cidade deixava suas raízes rurais em direção a uma urbanização sem volta.
Garcez deixou sua primeira gestão em 1928, se alçando ao posto de deputado federal. Em artigo de memória para o Ministério Público, o escritor e procurador de Justiça aposentado Rui Cavallin Pinto relembrou que Garcez foi acusado de enriquecimento ilícito pela Sindicância da Municipalidade. Ele supostamente havia recebido subsídios de prefeito, mesmo em viagem fora do Estado, além de ter subvalorizado propriedades. “Garcez opôs à sua condenação toda sorte de recursos e refutações, com amplas demonstrações e produção de prova, sustentando sua inocência, embora se ressentindo da parcialidade dos seus juízes e da relutância da Junta em facultar sua defesa. Usou da intercessão dos ministros do próprio ditador [o presidente Getúlio Vargas], para que, só no final do 1933, o interventor Manoel Ribas fizesse encaminhar seu recurso à Comissão de Correição Administrativa, na capital federal, que, finalmente, pós fim ao processo, absolvendo-o de toda culpa”, descreveu.
O engenheiro voltou a chefiar o Executivo municipal quase uma década depois, em 1938. Desgostoso com os embates que sempre o acompanharam, Garcez optou por sair apenas dois anos depois, em 1940. O ex-prefeito faleceu em 1957, aos 72 anos.
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