Neste momento de retomada de atividades econômicas, após um mês do início das medidas de isolamento social implantadas no combate ao coronavírus, a principal preocupação do governo estadual é com o transporte coletivo. Em entrevista à Gazeta do Povo, na última quarta-feira (22), o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), disse que a reabertura do comércio não é tanto um problema na disseminação do vírus como a aglomeração de pessoas em ônibus. Para tentar minimizar esse e outros problemas, o chefe do Executivo do Paraná diz que se reúne constantemente com prefeitos, para alinhamento das ações em nome da saúde pública.
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Ratinho Junior destacou que o momento que vivemos é anormal, e por isso alguns setores econômicos precisam entender que não é possível retomar totalmente as operações. Falou também sobre atividades que ainda precisam ser restringidas, não só em nome da saúde como também da segurança pública, como bares e bailões. Por outro lado, o governador mencionou a impossibilidade de o estado conseguir organizar o dia a dia dos paranaenses, neste momento de pandemia em que as escolas permanecem fechadas, as crianças estão em casa recebendo conteúdo a distância e os pais começam a retomar as atividades econômicas.
Para sair da crise, disse Ratinho, o mais importante é a união dos esforços, o que diz que está conseguindo com os outros Poderes do Paraná e com a bancada de deputados e senadores. Com discurso conciliatório ele tenta se manter distante das disputas políticas que estão marcando a relação do presidente Jair Bolsonaro com um grupo de governadores – no fim de semana, Ratinho foi um dos sete governadores que não assinou uma carta de repúdio à participação do presidente em um ato pedindo o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e afrouxamento das regras de isolamento social.
Mostrando-se otimista com a retomada da economia paranaense, o governador também falou sobre as principais decisões que contribuíram para que o estado mantivesse sob controle a disseminação do coronavírus. Em relação a outros estados, a curva de contágio de Covid-19 no Paraná está mais achatada: em 22 de março, o Paraná tinha 3,49% dos casos confirmados do Brasil; em 22 de abril, a participação caiu para 2,32%. Confira a entrevista concedida por telefone à Gazeta do Povo:
Em relação a outros estados, o nível de contaminação da Covid-19 no Paraná está sob controle, com uma curva achatada. Como o sr. avalia a situação do Paraná, após um mês da implantação das primeiras medidas de isolamento social?
Tem sido um trabalho extremamente planejado da Secretaria de Saúde (Sesa), com inspiração nas boas práticas de alguns países que tiveram melhor êxito no combate à pandemia. Além disso, temos um trabalho muito bem feito do Lacen [Laboratório Central do Estado], que acabou conseguindo fazer um volume de testes além da média dos outros estados. Aqui no Paraná já testamos, com o exame mais completo que dá quase 100% de certeza do resultado, quase 12 mil pessoas. Isso fez com que a secretaria conseguisse rastrear de maneira mais eficiente o vírus, isolando as pessoas que precisam. E claro, tivemos a colaboração da população na questão do isolamento social. Agora temos um novo momento, que alguns setores do comércio começam a voltar a trabalhar, só que a gente tem buscado criar restrições para que justamente não se perca o controle com a proliferação do vírus, que esse é o nosso grande desafio. Uma outra questão do planejamento foi agir no início, 30 dias atrás, por sermos vizinhos de São Paulo, que é onde está a grande força da pandemia no Brasil neste momento. Não fizemos o fechamento da fronteira, até porque legalmente nem podemos fazer isso, mas a gente conversou com as empresas de ônibus que operavam nesse trecho para que não vendessem mais passagens. Além disso, fizemos 25 pontos de fiscalização com a Polícia Militar Rodoviária, agentes de saúde e da Codapar [Companhia de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná], que tem muita expertise nessa área de fiscalização, para medir a temperatura das pessoas e mapear onde estavam indo. Isso fez com que não tivéssemos um volume de importação de casos de São Paulo, então isso nos ajudou bastante até esse momento.
Mas mesmo dentro do Paraná há situações díspares. O sistema de saúde de Curitiba foi muito elogiado pelo ex-ministro Mandetta, enquanto os relatórios do Ministério da Saúde mostram que a microrregião de Campo Mourão está com alto índice de infecção em relação à população. Como lidar com essas situações?
Em Campo Mourão tivemos uma situação atípica, muito provavelmente pelo grande fluxo de pessoas que vão para a cidade, por conta da Coamo. Não é culpa da empresa, afinal ela é a maior cooperativa do Brasil, então acaba recebendo um grande número de pessoas de diferentes locais, pelo contato comercial. Foram casos importados, que acabaram se alastrando de forma rápida. O secretário de Saúde, Beto Preto, esteve lá fazendo uma visita, e mandamos técnicos para ver se os procedimentos na UTI estavam de acordo, e estão corretos, é uma equipe muito boa que está na Santa Casa, e ele fez a indicação para Campo Mourão estender o prazo até a reabertura do comércio, mesmo com restrição, porque lá foi uma situação atípica daquilo que estava acontecendo no Paraná.
Quais informações da Sesa embasaram as primeiras medidas de isolamento social?
Foi com base nos testes do Lacen. Logo no início detectamos que eram somente casos importados, de pessoas que viajaram para o exterior ou outro estado. Mas a iniciativa de tentar segurar a transmissão comunitária nos levou a tomar medidas diárias de contenção: a cada dia fomos reavaliando, monitorando e anunciando medidas. Que é o que vai acontecer até o fim da crise.
Além da Sesa, com quem o sr. se aconselha? Quem faz parte do círculo mais próximo para embasar a tomada de decisão?
Na verdade, não tenho um grupo de conselheiros. Muito é do feeling pessoal, e nos primeiros dias eu me debrucei a ler muito sobre o que estava acontecendo nos outros países. Claro que os técnicos do Lacen foram fundamentais, o secretário Beto Preto, que é muito experiente, o diretor-geral da secretaria, Nestor Werner Junior, também muito experiente. Não há uma figura de conselheiro. Montamos um grupo de trabalho transversal, de várias secretarias, e fomos construindo isso.
E quais os próximos passos? Como serão as decisões sobre reabertura e retomada das atividades?
Em nenhum momento decretamos quarentena no Paraná. O que fizemos foi restringir algumas atividades e outras, conforme demanda local, os prefeitos tomaram providências. Hoje, nossa maior preocupação como governo estadual é o transporte coletivo. Às vezes, o problema não é o comércio aberto, mas a questão do volume de pessoas usando o transporte coletivo, se serão 40, 50 ou até mais pessoas num mesmo local, sem muita ventilação e sem proteção de máscara ou álcool gel disponível. Os shoppings centers, por exemplo, se pega uma praça de alimentação em dia lotado, tem lá umas 3 mil, até 5 mil pessoas fechadas em um espaço muito pequeno. Nas academias há contato físico, aulas com 30 a 50 pessoas, ofegantes, transpirando, então a possibilidade de transmissão acaba sendo maior. Aquilo que entendíamos conforme nossos técnicos que precisava ser fechado, foi fechado. Shoppings, academia, salão de beleza. O restante do comércio fechou ou por iniciativa própria, ou por iniciativa do prefeito, que para proteger seus cidadãos acabou restringindo as atividades um pouco mais. Mas tenho conversado bastante com os prefeitos, com o Darlan Scalco, presidente da AMP [Associação dos Municípios do Paraná], e outros presidentes de associações de prefeitos, e a ideia é a gente criar uma sinergia. Claro que para uma cidade de 5 mil habitantes a gente não pode pensar com a mesma cabeça do que para uma Cascavel ou Londrina. Mas a gente tem um balizamento para planejamento em conjunto da ação dos municípios em conformidade com o governo do estado. Tem dado certo. Estamos conversando com as academias, para ver com quais critérios podemos liberar, até para que as pessoas possam ter uma atividade física, cuidar de sua saúde. Mas tem que ter uma série de normas, porque não estamos em um momento normal e não há como as pessoas manterem suas atividades normais, é preciso entender isso. E o que a gente tem restringido bastante é a questão de bares, botecos, bailão. Porque os nossos policiais precisam estar descansados. A madrugada estressa demais o profissional de segurança pública, porque é onde dá batida do cara bêbado dirigindo, é onde dá briga, tiroteio. Esse setor econômico terá ainda restrição que é para a gente cuidar do nosso profissional de segurança pública e, automaticamente, fazer com que esses problemas que ocorrem muitas vezes de madrugada não gerem casos que ocupem leitos de UTI que precisam ser direcionados para quem tem Covid-19.
Há um ponto delicado que é a vida escolar. Muitas crianças estão recebendo conteúdo a distância, com exceção da Educação Infantil, que não permite esse tipo de atendimento. Mas com a retomada das atividades econômicas, cria-se um problema que é quem vai cuidar dessa criança, ou quem será a tutora dela para acessar aulas. Há um trabalho específico do governo do estado para enfrentar essa situação?
Em nível estadual estamos repassando conteúdo através da televisão aberta e da internet. Com os municípios, estamos criando uma solução para também passar o conteúdo, vamos ajudar as prefeituras, achando uma solução para fazer chegar o conteúdo para as crianças do Ensino Fundamental I, que cabe aos municípios, justamente para não perderem o conteúdo e não perderem o ano letivo. Agora, passa muito por uma adequação da família. É difícil para o estado conseguir cuidar do problema do convívio familiar, da relação do pai, da mãe, com o horário de trabalho e as crianças no dia a dia. E não podemos neste momento abrir ou voltar à normalidade das escolas. Precisamos preservar os alunos neste momento. Até porque a gente achou uma solução de passar o conteúdo. É uma adequação. Como falei, a gente não está numa situação normal. Então vamos ter que tratar as coisas de maneira excepcional nesses 60, 90 dias, que é a previsão da duração da crise.
O Paraná colheu safra recorde, mas é um momento de frustração na economia. O setor do agronegócio poderá ser um motor para ajudar o Paraná na retomada, ou será que pelo contrário, vai sofrer com a retração do comércio mundial?
Essa é uma parte que nos dói muito. A gente vinha num ritmo de crescimento bem maior do que a média do Brasil. Em 2019, a indústria aqui cresceu 5,7%, foi praticamente o segundo estado brasileiro que mais cresceu. Tivemos investimentos anunciados na ordem de R$ 24 bilhões em 2019 e neste ano estávamos na mesma velocidade. Acabou que estamos enfrentando o problema do coronavírus. Mas já temos um grupo de trabalho para fazer um projeto de recuperação do estado, e já há um programa, Avançar Juntos, que são medidas que estão sendo tomadas para a partir de julho ir voltando à normalidade, se a pandemia passar ou reduzir de forma considerável. O agronegócio é um grande ativo que sempre tivemos, mas neste momento em especial, porque o PIB do agronegócio representa aproximadamente 35% do total do Paraná, e a média do Brasil é 20%. Neste ano estamos batendo recorde na produção de grãos. Acredito que como o agronegócio estará capitalizado com essa safra, como as cooperativas estão muito organizadas, e a gente conseguiu que elas não parassem nesse momento de crise, estão trabalhando normalmente, estão exportando muito. E faço uma avaliação pessoal, não vi dados nem falei com especialistas. Mas a imagem da China ficou relativamente arranhada com a questão do coronavírus, com a possibilidade de ter vindo de consumo de morcego como alimento. Acho que a China já estava num caminho de mudança alimentar, estão migrando para uma alimentação melhor, de mais qualidade, mais industrializada, mas terá que colocar mais velocidade nessa mudança de padrão alimentar deles, não só por questão de qualidade de vida, mas pela imagem frente ao mundo. Então isso vai favorecer muito o Brasil, em especial o Paraná, que é o maior produtor de alimentos do planeta.
No fim de semana, um grupo de 20 governadores assinou uma carta de repúdio à participação do presidente Jair Bolsonaro em um ato que pedia o fechamento do Congresso e do STF e o fim das medidas de isolamento social. O sr. não assinou a carta e divulgou uma nota dizendo que não tem tempo para brigas políticas. Mas como está sendo o apoio do governo federal, ou mesmo de outros estados, no combate ao coronavírus? O Paraná precisaria de mais ajuda?
Acho que estamos muito organizados no sentido do planejamento da retomada da economia, do enfrentamento da crise do coronavírus. Claro, dependendo da expansão do vírus, a gente tem que rever o planejamento, mas acho que a gente está conseguindo ainda ter o controle da situação. Eu tenho uma filosofia de trabalho que é a seguinte: eu não gasto energia com o que não vai dar retorno ao estado e nem vai ajudar a buscar soluções, é uma visão pessoal minha. Acho que essa briga política faz você gastar tempo, energia e não traz resultados. Nosso foco é passar por essa crise e já planejar o futuro, para a gente não perder tempo na retomada da economia. Tenho tido muito apoio da bancada federal do Paraná. Em 30 anos não lembro de uma bancada estar tão alinhada com a defesa do estado do Paraná, com o governador. Os deputados federais e os três senadores participando ativamente da colaboração com o governo, e isso não é de agora com o coronavírus, é desde o ano passado. Acho que um dos segredos da retomada será essa união dos esforços. O Paraná sofreu demais no seu passado com a falta de união e briga política. Esta é uma receita que não fez bem ao estado, então não queremos repeti-la, queremos criar uma nova receita de desenvolvimento econômica e relação política no Paraná. Acredito que estamos conseguindo, em todos os meios. Temos uma rede de solidariedade entre os Poderes: o Tribunal de Justiça está ajudando o governo do estado, a Assembleia Legislativa, Ministério Público, o Tribunal de Contas, coisa que não houve no passado recente. Acho que esse é um grande ativo que estamos também construindo para o bem dos paranaenses.
Prefeitos e governadores, por gerirem os sistemas de saúde, parecem ver bem o que acontece no fluxo de hospitais, e por isso aplicaram as medidas de isolamento social por todo o Brasil. Mas é frustrante tomar decisões que vão impactar na perda de receita, não é? Não havia outro modo?
É como um barco no oceano. Quando há uma tempestade e o mar está revolto, tem que diminuir a velocidade para ter mais segurança no enfrentamento das ondas. Eu penso assim. Neste momento, tem que dar uma freada na economia, porque o foco é cuidar da saúde, mas também não dá para deixar o barco parar. Nós temos conseguindo. Vai ter setores que vão sofrer mais. O setor de turismo, por exemplo, porque ninguém quer viajar agora. A parte de eventos também, pela aglomeração das pessoas. Mas acredito muito na musculatura da economia do Paraná e na musculatura da economia do Brasil. A partir de agosto, que é o prazo que tenho na minha cabeça para a situação voltar à normalidade, acredito que a gente vai voltar tão acelerado, com o estado tão programado, organizado, que a gente vai conseguir retomar as coisas bem rápido.
Estamos em uma crise inédita, provocada por um vírus que paralisou a economia. O que essa pandemia já mudou na sua forma de gestão?
Todos nós estamos diferentes, ou nos reprogramando para ficar diferentes, não é? Com essa pandemia, todos estão fazendo uma reflexão profunda, não só no trabalho, mas na questão pessoal, espiritual, então acho que é uma reprogramação acima de tudo que todo ser humano tem que fazer. Neste momento, tendo a honra e responsabilidade de ser o chefe do Executivo do meu estado, que é um estado maior que Portugal, por exemplo, sem dúvida nenhuma isso faz com que eu aprenda muito e também consiga passar um pouco do que, apesar de novo, adquiri ao longo da minha vida como gestor. Veja, estamos falando da pandemia de coronavírus, mas temos também o maior número de casos de dengue da história do Paraná, com 120 mil pessoas infectadas, com um sorotipo novo, para o qual não tínhamos imunidade. Estamos tendo a maior estiagem de água dos últimos 30 anos, há reservatórios de água de Curitiba com 20% ou 30% da capacidade. Temos uma crise econômica que é maior que a geada negra de 1975. A necessidade e a busca de equilíbrio, de planejamento, de ter um time afinado, que possa corresponder a todos esses desafios é um grande aprendizado e uma grande responsabilidade, para não deixar que as coisas se percam. Eu penso que quem vai se dar melhor nessa crise, se a gente pode falar assim, é aquele que errar menos. Quem estiver mais organizado para retomar a economia e ter um menor prejuízo social e econômico. E estamos tentando fazer isso todos os dias para entregar para a população aquilo que é nosso compromisso. Claro, eu sinto muito, por que a gente estava num ritmo muito bom, um dos três estados que mais geraram emprego em 2019. Isso frustra um pouco, porque tinha um planejamento a ser executado e muito disso se perde. Enfim, a gente tem que enfrentar os desafios que a vida nos coloca. Mas muda muito a gente, eu estou passando por uma grande provação, pessoal, espiritual, e como cidadão, como gestor, com a responsabilidade muito grande de fazer o Paraná ter o menor prejuízo possível, mas acho que isso é um processo que todos nós seres humanos vamos passar, e seremos melhores depois dessa pandemia, se Deus quiser.
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