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Entre os anos de 2003 e 2013, a Copel não aplicou os reajustes aprovados pela Aneel em sua totalidade.
Entre os anos de 2003 e 2013, a Copel não aplicou os reajustes aprovados pela Aneel em sua totalidade.| Foto: Arquivo / Gazeta do Povo

A Companhia Paranaense de Energia (Copel) aplicou, no último final de semana de junho, um reajuste médio de 10,5% nas contas de energia. O índice, o maior desde 2018, foi aprovado pela diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e aplicado em sua totalidade pela distribuidora. Deixar de repassar esse reajuste de forma integral aos consumidores é uma escolha da empresa, e isso já foi feito no Paraná em administrações estaduais anteriores - as decisões são endossadas pelo governo em vigor, uma vez que o Estado é o maior acionista da Copel. Mas, com a companhia caminhando para a privatização, essa ainda será uma hipótese possível?

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Para o consultor José Marangon Lima, da TR Soluções, empresa especializada no desenvolvimento de sistemas de acompanhamento e projeção de tarifas do setor elétrico, o chamado diferimento do reajuste – quando a distribuidora absorve parte do índice aprovado pela Aneel para segurar os preços das contas de energia – no setor privado é sim possível, mas extremamente improvável.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o consultor explicou que para chegar a um determinado índice de reajuste, a Aneel leva em conta as informações financeiras individuais das empresas distribuidoras de energia elétrica. Ao mesmo tempo, a agência faz uma análise comparativa dessas distribuidoras, uma a uma, em relação ao mercado.

Reajuste leva em conta duas parcelas

O reajuste, então, é definido com o cálculo de duas parcelas. A primeira leva em conta os chamados valores gerenciáveis, que englobam os ativos da empresa, como postes e linhas de transmissão, e o lucro propriamente dito. Geralmente esta parcela, chamada de “B”, é a menor das duas – no último reajuste da Copel aplicado em junho deste ano, correspondeu a 0,47 pontos percentuais do total.

Na parcela “A” aparecem os custos que terão que ser obrigatoriamente quitados pela distribuidora, como o valor pago pela energia elétrica no momento da compra e os custos envolvendo a transmissão dessa energia do gerador até os consumidores, entre outros fatores. Esses valores não gerenciáveis representam a maior parte dos aumentos autorizados pela Aneel – no caso da Copel foi de 9,66 pontos percentuais na média – e sempre são repassados aos consumidores de forma integral, conforme indicação da Aneel.

“O consumidor nem sempre tem a consciência da formação desses componentes”, avaliou o consultor. “Então, por mais que uma empresa faça um gerenciamento excepcional em parte dos seus custos, há uma outra parte na qual não é possível promover qualquer redução. É um valor que terá que ser pago de qualquer jeito pela distribuidora. Ela até pode diminuir esse total na conta de energia, mas vai ter que encontrar outra fonte de recursos para arcar com esse custo”, completou.

Diferimento pode ocorrer em dois cenários

Para Lima, o diferimento dos reajustes geralmente ocorre em dois cenários. Um deles, mais improvável segundo o consultor, é quando a Aneel comete algum erro de cálculo e aprova um reajuste acima do real. À empresa, então, cabe refazer as contas e demonstrar a necessidade de um aumento menor nas contas de energia. O segundo cenário possível e mais provável, de acordo com o especialista, é o uso político de uma redução forçada nas contas de energia dos consumidores.

“Neste segundo caso, é uma opção que pode afetar negativamente a companhia, reduzindo de forma sensível a capacidade de investimentos para o Governo fazer propaganda sobre esse reajuste menor nas contas. Só a concessionária sabe se há condições de abrir mão desse lucro, e por isso não é algo que se vê frequentemente”, reforçou.

Consequências aos consumidores

Ao assumir a aplicação de um índice menor do que o aprovado pela agência reguladora do Governo Federal, disse Lima, a distribuidora estaria assumindo também um ônus. A princípio, explicou, é até vantajoso para o consumidor ter um reajuste menor na conta de energia elétrica. Mas as consequências de quedas sucessivas nas receitas das empresas podem trazer prejuízo aos clientes dessas distribuidoras a médio e longo prazo.

“A companhia tem como objetivo gerar lucros aos acionistas. Se ela diminui a tarifa, a receita vai diminuir junto. Se os custos se mantiverem no mínimo os mesmos, isso já deve impactar negativamente no balanço, e o lucro, no final das contas, será menor. Isso tem influência direta na saúde financeira da empresa, e tem como consequência uma redução da capacidade de investimentos, por exemplo, na rede de distribuição. Sem poder de investimentos, cai a qualidade e a estabilidade do serviço prestado. Quem certamente também terá prejuízos será o consumidor”, ponderou o consultor.

Copel praticou diferimento de reajustes por 10 anos

A primeira vez que a Copel realizou um diferimento de reajuste aprovado pela Aneel foi em 2003. Naquele ano, a agência autorizou em junho um aumento médio de mais de 25,4%, mas a empresa decidiu não repassar o aumento todo de uma vez só para os consumidores. Somente no ano seguinte, em janeiro de 2004, é que parte do reajuste, 15% em média, foi aplicada nas faturas de energia elétrica.

Seis meses depois, a Aneel autorizou mais um repasse de 14,43%, e de novo houve interferência do Governo do Estado para que o percentual fosse atenuado nas contas de energia. A Copel aplicou apenas os 9% restantes do reajuste anterior. Em junho de 2005, novo reajuste aprovado pela Aneel, de 7,8%. O índice, mais uma vez, foi represado, e somente 4% de aumento foram implementados nas faturas dos clientes da Copel, e somente no mês de agosto. As diferenças acumuladas ao longo dos anos, que vinham sendo aplicadas na forma de descontos aos clientes com as contas em dia, foram absorvidas pela empresa.

Em 2009 o cenário se repetiu. A empresa pediu à Aneel um reajuste de 17,94%, e a agência autorizou, em junho, um aumento médio de 12,98%. O Governo do Estado, porém, já havia tomado a decisão de não aplicar nenhum aumento nas contas. Como consequência, os papéis da Copel acumularam uma baixa de quase 10% na Bolsa de Valores de São Paulo na semana em que o anúncio de não aplicar o aumento foi tornado público.

No mês seguinte, em julho, a empresa emitiu um comunicado ao mercado explicando que, mais uma vez, optaria pela concessão de desconto aos clientes que estivessem sem faturas atrasadas como forma de justificar a opção por não aplicar o reajuste integral autorizado pela Aneel.

O diferimento dos reajustes da Aneel ainda seria aplicado mais uma vez no Paraná, em 2013. Naquele ano, a Copel solicitou um reajuste médio de 12% à Aneel, e recebeu mais do que pediu, um índice aprovado de 14,6% em média. O Governo do Estado anunciou que não aplicaria o índice de reajuste, e, de novo, o mercado reagiu mal à decisão, com uma queda de quase 3% dos papéis da distribuidora na Bolsa de Valores.

Consultada pela reportagem, a Copel informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que por determinação do estatuto da companhia, a empresa é obrigada a repassar a íntegra do reajuste.

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