Com menos de um quarto da renda média domiciliar per capita de Curitiba. É assim que vivem os habitantes dos municípios menos desenvolvidos do Paraná. Nesse cenário, uma região se destaca negativamente: trata-se da porção central do estado, com 11 cidades entre as 20 com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado (veja infográfico).
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Em Laranjal, por exemplo, a pior colocada no Centro paranaense, o IDH é inferior ao da Guiné Equatorial, nação africana que vive sob um regime autoritário e tem um dos mais significativos registros de violação aos direitos humanos do mundo. Já a renda média domiciliar per capita do município era de aproximadamente 58% do salário mínimo nacional vigente à época do último censo.
Para compreender o que se passa do “miolo” do estado, é preciso ter em mente que se trata de uma região bastante peculiar. Economista e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Wilhelm Meiners explica que a ocupação territorial do Paraná é resultado de três frentes econômicas. Enquanto a região de Curitiba é fruto da colonização europeia, associada ao tropeirismo e, posteriormente, ao complexo industrial da erva-mate, a Norte está ligada à exploração da cafeicultura e da cultura do algodão, promovida por paulistas e mineiros em meados do século XX. Já o Oeste e Sudoeste do Paraná, fronteira madeireira e da soja, foram marcados também pela colonização europeia e pela gaúcha, em especial na segunda metade do século passado.
“Os ciclos econômicos resultantes destas frentes agrícolas propiciaram uma ocupação com instituições mais inclusivas e que permitiram, a priori, melhores níveis de desenvolvimento, associados a um crescimento econômico favorável”, afirma.
Ocorre que a região central, apesar de ter usufruído na margem de alguns desses ciclos econômicos, ficou restrita à agricultura de subsistência e às produções extrativistas florestal e fumageira, marcadas pela concentração fundiária. O resultado? Baixa densidade de empregos e reduzido dinamismo econômico e urbano, o que resultou em um processo de subdesenvolvimento.
Tais características, afirma o professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Cleverson Neves, acabam gerando uma espécie de círculo vicioso da pobreza nesses municípios.
“Há um baixo desenvolvimento regional das atividades econômicas, de oferta de trabalho e das condições de remuneração. São locais que não apresentam uma grande diversificação da cadeia produtiva. Obviamente, as pessoas que lá moram também não buscam promover essa diversificação porque não veem oportunidade para isso. Percebe-se que há uma estagnação em relação a esse processo, e então a desigualdade vai aumentando”, explica.
Ruralidade
Outro ponto crucial dos municípios do Centro paranaense é que são zonas essencialmente rurais. É preciso salientar que a associação entre ruralidade e pobreza não é uma máxima, visto que há municípios rurais com IDH alto e cidades urbanas com altas taxas de pobreza. Mas, no geral, explica Meiners, os municípios menos desenvolvidos são rurais.
“Isso se deve à persistência de instituições extrativistas, à baixa produtividade da agropecuária de subsistência e às poucas oportunidades educacionais. Há, ainda, deficiências de infraestrutura e reduzidas oportunidades de emprego e empreendedorismo, que acarretam na evasão e esvaziamento demográfico, com a saída de população jovem e de vanguarda”, diz.
Já Neves lembra que, ao analisar municípios empobrecidos, deve-se falar na presença de grandes latifúndios. Tais propriedades se ligam à concentração de renda, uma característica relevante das taxas de pobreza.
“Quando se tem uma alta concentração de renda, tem-se uma alta taxa de pobreza, com muito dinheiro nas mãos de poucas pessoas. A ideia, então, é que com o aumento da atividade econômica e a dinamização da economia local, seja possível proporcionar uma redução na pobreza e o aumento do salário médio dos trabalhadores desses municípios”, esclarece o professor.
Os caminhos do Centro
Um fator que também pode ser apontado como um dos responsáveis para o menor desenvolvimento da porção central paranaense foi não ter sido contemplada pelo Anel de Integração. Com isso, ficou ainda mais isolada do restante do Paraná. Desenhado há mais de 20 anos, o Anel de Integração priorizou, à época, cidades-polo, aquelas distantes da capital e que exercem grande influência em seu entorno.
De acordo com a administração estadual, esse problema será corrigido por meio do Banco de Projetos lançado pelo governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) em 2019, que previu R$ 350 milhões para viabilizar e agilizar obras de reestruturação de rodovias, ferrovias e da segurança pública.
Pela iniciativa, devem receber melhorias rodovias que cortam a região, como é o caso da PR-466 e da Estrada da Boiadeira, que liga Campo Mourão ao Centro do estado. Também deve ser retomado o projeto do Modal Ferroviário do Paraná, com o intuito de efetivar o corredor de exportação das regiões Oeste e Central para o Porto do Paranaguá.
“Percebemos que o foco total deve ser na melhoria da infraestrutura. Já temos o diagnóstico, então vamos concentrar muita energia nisso”, afirma o secretário-chefe da Casa Civil, Guto Silva.
Investimentos e políticas sociais
O economista e pesquisador Wilhelm Meiners observa que, na virada do século XX para o século XXI, os casos bem-sucedidos de superação de pobreza envolveram projetos que perceberam as populações e as regiões como agentes e sujeitos do desenvolvimento.
“Isso se dá por meio da promoção de fatores endógenos e institucionais, apoiados em transformações no capital humano, com a interiorização do Ensino Superior e Técnico-Profissionalizante, na difusão de melhores práticas e novas tecnologias produtivas, no empreendedorismo, no cooperativismo e arranjos produtivos, e na promoção de políticas direcionadas de renda”, opina.
Meiners afirma também que mudar padrões de políticas de desenvolvimento regional não significa, necessariamente, abandonar as políticas estaduais e nacionais para corrigir os desequilíbrios regionais, uma vez que não se pode deixar uma região à sorte do mercado para que suas desigualdades sejam corrigidas, ainda mais quando há poucos atrativos e baixa viabilidade econômica e financeira.
“Há muito espaço para as políticas de fomento regional, principalmente as focadas em promover o capital humano, as transformações institucionais, a garantia de condições mínimas de sobrevivência por meio de políticas de renda e abastecimento, a difusão de equipamentos sociais, de promoção da infraestrutura urbana, do acesso a crédito e mercado e da valorização das culturas tradicionais, promovendo a qualidade e produtividade”, complementa.
Wilhelm ressalta, entretanto, que é bom lembrar que os dados mais recentes acerca da pobreza no estado estão perto de completar 10 anos – em 2020, será realizado um novo censo. É possível afirmar, portanto, que ainda que a situação continue crítica na região, algumas condições foram alteradas nesse meio-tempo. O pesquisador cita o exemplo de Ortigueira, o nono pior IDH do Paraná até então. Nos últimos anos, o município vem recebendo importantes investimentos da indústria papeleira, que auxiliam na reestruturação econômica e social da localidade. Em 2016, a Klabin inaugurou na cidade a Unidade Puma, gigantesca fábrica de celulose. No ano passado, a empresa anunciou a expansão da unidade, com aporte previsto em R$ 9,1 bilhões.
Planejamento governamental
Para o professor Cleverson Neves, um planejamento do Poder Público para superar elevadas taxas de pobreza deve levar em consideração as aptidões locais da região para que, a partir daí, seja possível pensar em políticas assertivas.
“O primeiro ponto é entender que crescimento é diferente de desenvolvimento. Para que haja crescimento no sentido econômico, é preciso desenvolver a estrutura, garantir saúde, segurança. É preciso desenvolver atividades econômicas para que não haja renda concentrada”, diz.
De acordo com o chefe da Casa Civil, está em produção pelo governo um plano de desenvolvimento econômico para as 50 cidades com os menores IDHs do estado, que deve ser lançado ainda em 2020. O objetivo é atrair para a região investimentos privados e também sociais.
“Nós [Governo do Estado] temos consciência de que a Região Central tem municípios com baixo IDH, sabemos que é preciso levar infraestrutura. Vamos criar um modelo de benefício fiscal para as empresas que queiram se instalar nessas localidades. Acreditamos que para induzir a industrialização nessa região é preciso um pacote atrativo”, afirma Silva, que complementa que enquanto a primeira fase do programa é relacionada à correção do problema de renda, a segunda será voltada à saúde e à educação, fatores que também influenciam diretamente no IDH.
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