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Plantação de orgânicos
Edna planta uvas orgânicas em Bocaiúva do Sul (PR): “usei a homeopatia para combater formigas”.| Foto: Arquivo pessoal

Nos anos 2000, o filho mais velho do Lourival Vieira de Jesus tinha apenas três anos e ele e a esposa esperavam a chegada do segundo quando resolveram que era preciso dar uma virada: do cultivo de alimentos com o uso de agrotóxicos, ele e a família partiram para a plantação de orgânicos.

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“Eu não queria ensinar meus filhos a mexer na terra por causa da quantidade de veneno que usávamos. Foi preciso mudar nossa consciência; tudo seria feito de forma diferente. Fiz os cursos que estavam disponíveis na época e também contei com a ajuda da Emater”, relembra o agricultor que, 23 anos depois, comanda uma agroindústria especializada nesse tipo de produto.

Já para Edna Mara Mühlenhoff, a mudança veio em 2010. Mas, como ela própria explica, é uma “neorural” – pessoa que deixa de morar na cidade grande e vai para, como o próprio termo mostra, a área rural. “Antes de nos aposentarmos, eu e meu marido, falávamos que gostaríamos de adquirir uma chácara. Buscamos e encontramos um espaço em Bocaiúva do Sul (PR)”, conta. Ela é formada em Química e diz que isso a ajudou a entender como seria possível plantar uvas naquele terreno. “Também passei por vários estudos no Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e no CPRA (que integra, atualmente, o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná). Todo esse aprendizado foi importante para fazermos o manejo correto da terra”, explica a agricultora.

Ela lembra que, ao adquirir a propriedade há 13 anos, foi preciso mudar muita coisa até iniciar a plantação. “Fizemos o cultivo das uvas em patamares, pois a área onde isso era possível ficava em um morro. Como estávamos em um local livre de contaminação, a ideia foi produzir sem agrotóxicos”, conta Edna. Ela precisou usar mudas de uva tradicionais para evitar problemas com o fornecimento. “A partir daí, foram cinco anos até conseguir a certificação orgânica”, relata.

Os dois são exemplos que fizeram o número de produtores desse tipo de alimento aumentar 70% de 2018 para 2022 no Paraná, estado que mantém a liderança nacional no cultivo de orgânicos. São 3.829 propriedades paranaenses certificadas, seguidas de perto pelo Rio Grande do Sul, com 3.788.

“O crescimento vem num ritmo interessante, pois nós temos políticas públicas que facilitam o processo. Uma delas é o Programa Paraná Mais Orgânico, que orienta de forma gratuita os agricultores que procuram a certificação. A inserção em vendas para políticas governamentais também promoveu um crescimento significativo”, exemplifica Júlio Bittencourt, engenheiro agrônomo do IDR-PR, responsável por orientar e certificar as propriedades.

Mas, ainda há uma insegurança por parte dos agricultores em mudar o sistema, principalmente por estarem dependentes do agronegócio, onde o rimo de produção é mais acelerado. Além disso, existe uma busca maior por certificação em regiões onde é possível aliar oportunidades de mercado e assistência qualificada. “Na Região Metropolitana de Curitiba, onde o número de consumidores de orgânicos é crescente, e na região do Norte Pioneiro paranaense, onde há uma demanda enorme por frutas e tomate orgânicos do estado de São Paulo, por exemplo, há uma tendência de procura pela certificação”, pontua Bittencourt.

Especificidades da propriedade de orgânicos

Na propriedade de Lourival trabalham dez pessoas, a maioria familiares. “Organizamos os dias para o plantio, cuidar da terra e fazer a colheita, já que participamos de diversas feiras e também atendemos clientes pelo nosso site”, relata o agricultor, que tem uma propriedade de 27 hectares em Almirante Tamandaré, cidade vizinha a Curitiba. Lá, eles produzem várias culturas: verduras, abóbora, chuchu, feijão, milho, batata salsa e outros alimentos. E é dentro dessa propriedade que funciona uma agroindústria, onde eles fazem processos como transformar o grão de milho em fubá e também embalam o que vai ser vendido.

“Temos um custo bem mais alto para produzir o feijão orgânico, por exemplo. Enquanto no caso do feijão convencional o valor é de R$ 500 por alqueire, o nosso pode chegar a R$ 3,5 mil”, revela Lourival. Além disso, ele diz que há uma dificuldade em conseguir mão de obra. “Quando explicamos que a maior parte do trabalho é braçal, que não vamos usar nenhum tipo de agrotóxico para facilitar, as pessoas desistem”, conta.

É a mesma barreira que Edna encontrou quando ela e o marido, falecido em 2022, resolveram mudar de vida. Hoje ela conta com um funcionário para ajudar no plantio de uvas orgânicas. “Ele está comigo há dez anos. Eu trago as novidades, explico o que vamos precisar fazer e colocamos em prática. Mas só damos conta de produzir e vender a uva mesmo. O restante cultivamos apenas para consumo próprio”, diz. Ela acrescenta que, para produzir um quilo de uva, o custo é de R$ 9 e a produção é entregue quase que totalmente ao consumidor final. Só uma parte tem ido para um mercado especializado em comercializar esse tipo de produto.

Para o engenheiro agrônomo do IDR-PR, é fundamental que os agricultores aprendam a usar recursos da propriedade como caldas naturais, o composto como adubação e plantas repelentes ou atrativas de insetos predadores. “Isso pode ajudar a reduzir o custo da produção, embora a necessidade de contratação de mão de obra – escassa em áreas próximas a grandes centros urbanos - também é cada vez mais cara. A gestão correta e inteligente da propriedade pode corrigir despesas elevadas e fazer a atividade ser financeiramente sustentável”, explica.

Expectativas promissoras no mercado de orgânicos

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento estima que são colhidos 50 mil toneladas por ano de orgânicos no Paraná. Para Lourival, que participa de três feiras diferentes toda semana com os produtos e administra um site onde eles são vendidos, esse crescimento se deve principalmente à população mais jovem, que busca uma alimentação saudável. “Três anos atrás, nós vendíamos só o que era produzido em nossa propriedade. Agora, compramos com outros produtores, como é o caso da farinha de trigo. Isso acontece porque há esse pedido por parte dos nossos clientes”.

Já Edna conta que, até o fim do ano, suas uvas também vão ser certificadas como biodinâmicas. “Isso é um passo adiante do orgânico, pois envolve toda a propriedade de maneira muito mais complexa”, diz a química aposentada que já usou homeopatia para tratar uma infestação de formigas no parreiral. “Tudo precisa ser feito com mais equilíbrio e responsabilidade com a natureza”, enfatiza.

Para o IDR-PR, os agricultores percebem que essa atividade pode ser rentável e diminui muito os riscos para a saúde. “Há também a Lei da Alimentação Escolar, que pretende tornar, até 2030, as merendas 100% orgânicas. Isso mobiliza os produtores e vários setores da sociedade”, aponta o técnico.

Além disso, a Rede Ecovida de Agroecologia, presente nos três estados do Sul do Brasil, auxilia na organização desses pequenos agricultores. Lourival é um deles e resume o que significa o trabalho de todos ao explicar as atividades do grupo. “Uma vez por mês nos encontramos em uma das propriedades que fazem parte da equipe. Por lá, nós vemos o que está sendo feito; um cuida do outro e acabamos cuidando de todos”.

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