É em um município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, que está a única Parceria Público-Privada (PPP) já feita no Brasil envolvendo a construção e gestão de presídios. Em funcionamento desde 2013, o Complexo Penitenciário Público-Privado (CPPP) de Ribeirão das Neves abriga 2.164 presos em três unidades – sendo duas de regime fechado e uma de semiaberto.
O contrato firmado pela empresa GPA prevê a construção de outras duas unidades (uma de regime fechado e uma de regime semiaberto), mas ainda não há data para a conclusão das obras. Quando tudo estiver pronto, a capacidade será para 3.800 detentos.
A reportagem da Gazeta do Povo viajou até Ribeirão das Neves, a convite da GPA, para conhecer as instalações da penitenciária. A visita, sempre acompanhada de funcionários da empresa e agentes do estado, não ficou restrita aos corredores que abrigam as celas dos presos (chamados, no complexo, de “vivências”).
O dia começou no escritório de administração do CPPP. Na sala de reuniões, os gestores da penitenciária deram números sobre o funcionamento das unidades e explicaram como Estado e iniciativa privada atuam juntos na gestão. O princípio fundamental do contrato é a presença de agentes do governo dentro das unidades, mesmo que a gestão seja delegada à GPA.
Assim, pela modelagem da parceria, firmada no contrato assinado em 2009 com o governo estadual, o comando da penitenciária é espelhado: para desempenhar uma mesma função há um agente do estado e um funcionário da empresa.
Outra diferença importante entre a PPP e os modelos de cogestão – que predominam nos demais presídios privados do país – é a obrigação de construir. Pelo contrato desenvolvido em Minas Gerais, é a GPA quem arca com a despesa da obra. O investimento é amortizado ao longo dos 30 anos de contrato, por meio da remuneração paga mensalmente pelo Estado, por preso.
De acordo com a concessionária, o custo efetivo de cada um dos internos, por mês, é de R$ 1,9 mil. O Estado, entretanto, repassa R$ 3,8 mil, por preso, à empresa. A diferença é para pagar a estrutura construída que, ao final do contrato, ficará como propriedade pública. Ao longo dos 30 anos de operação, é a concessionária que deve trocar tudo o que sofrer eventuais danos, seja pela utilização ou em possíveis motins de presos.
Nas unidades geridas pelo Estado, segundo informações da Secretaria de Administração Prisional (Seap) de Minas Gerais, o custo por preso fica em uma média de R$ 2,8 mil por mês, “variando segundo a lotação da unidade”. A conta inclui gastos com alimentação, estudo, trabalho, higiene, água, luz e pagamento de servidores, por exemplo.
Rotina monitorada
Após as explicações iniciais, a reportagem foi conhecer o interior de uma das penitenciárias do complexo. Na entrada, os visitantes e seus pertences passam por scanners. As visitas sociais são permitidas a cada 15 dias, assim como a visita íntima – nesse último caso, o preso precisa estar em união estável ou ser casado. São permitidos alimentos trazidos de fora, desde que sejam consumidos somente durante a visita – permissão que foi conquistada pelos presos após reclamações e a deflagração de “greves”.
As celas ficam nas chamadas “vivências”, que contam, também, com salas de aula, galpões de trabalho e locais de assistência à saúde. Cada cela do regime fechado tem quatro leitos, enquanto as do regime semiaberto contam com seis camas.
A rotina na penitenciária também é diferente em relação às demais unidades gerenciadas pelo Estado. A abertura e o fechamento das celas é feito por um sistema eletrônico, coordenado por meio de uma espécie de “torre de controle”. De lá, agentes da concessionária monitoram as imagens das câmeras de segurança – são 264 por penitenciária.
Movimentações rotineiras, como a saída para os banhos de sol e para a higiene, também são controlados à distância. Nesses casos, as celas são abertas por meio de um comando da torre de controle, e o preso segue, sozinho, para a área dos chuveiros (que ficam fora das celas) ou para o pátio. Por dia, 238 mil movimentações de detentos são feitas sem a intermediação de agentes, ou seja, via videomonitoramento.
Descumprir o tempo do banho – a água só cai do chuveiro por 3 minutos e meio – ou ficar “zanzando” pelos corredores gera falta disciplinar. Se houver desrespeito a um dos funcionários, por exemplo, o detento fica em isolamento por até 10 dias, período em que não pode usufruir do banho de sol, ver televisão, fumar ou receber visitas. As faltas são julgadas por uma comissão disciplinar, que podem aplicar penas de até 30 dias de isolamento após o julgamento. Em média, quatro presos por semana cometem esse tipo de falta.
Quem é enviado para a PPP
A definição de quais são os presos encaminhados para o CPPP é do governo de Minas Gerais. Só homens já sentenciados podem ir para o complexo. Com isso, não é excluída a possibilidade de que presos integrantes de facções sejam recebidos na PPP. “O sistema prisional é pensado pelo Estado como um todo. As unidades de Ribeirão das Neves estão inseridas nesse contexto”, diz Luciana Lott, da Secretaria de Administração Prisional. Minas Gerais conta com 197 unidades prisionais, com 73.923 presos.
Nas penitenciárias sob responsabilidade da GPA, é a empresa que deve fazer a segurança no interior das unidades. Chamados de monitores, os funcionários da empresa podem, apenas, utilizar cassetetes e algemas. Para casos mais graves, como rebeliões, o Estado deixa, à disposição, uma equipe de 12 a 14 agentes com poder de polícia.
A segurança nas muralhas e o deslocamento dos presos também é de responsabilidade do Estado. Desde o início de funcionamento do complexo, em 2013, não houve nenhuma emergência para atuação do chamado Grupo de Intervenção Rápida.
Trabalho e estudo
De acordo com Lott, que é a responsável pela unidade setorial de PPPs e cogestão na Seap, o critério para enviar os presos para as unidades geridas pela GPA se relaciona aos serviços oferecidos no complexo. “O contrato não determina qual é o perfil do sentenciado que será encaminhado para lá. É uma decisão do Estado, relacionada ao perfil dos presos para realizar as atividades disponíveis na PPP e não ao seu histórico criminal”, explica.
Segundo dados fornecidos pela concessionária, 70% dos presos considerados aptos estão estudando. Já entre os que podem trabalhar, 48% estão realizando alguma atividade dentro da penitenciária. São considerados aptos os que passam pelos critérios da Comissão Técnica de Classificação –um grupo do Estado, com profissionais de várias áreas, que analisa questões como a socialização e a saúde dos presos.
A jornada de trabalho é de, no mínimo, 6 horas, podendo se estender até 8 horas. Para a contratação, os presos passam por 30 dias de capacitação, que contam como horas trabalhadas. Conforme previsto na Lei de Execução Penal, a remuneração não pode ser inferior a ¾ de salário mínimo, dos quais 25% ficam para o Estado.
“O trabalho dos sentenciados não tem vinculação com a concessionária. Nós fazemos convênios com as empresas e o depósito do salário cai na conta bancária do preso”, explica Rodrigo Gaiga, presidente da GPA. Parte dos detentos é contratada pela empresa terceirizada que fornece a alimentação nas penitenciárias. Eles são do regime semiaberto, já que a cozinha fica do lado de fora das unidades. No regime fechado, 16 presos trabalham em uma empresa de fabricação de bancos de couro para automóveis. O que sobra do couro vira matéria-prima para a fabricação de bolas, utilizadas pelos internos para a recreação.
O que dizem os presos
Durante a visita ao CPPP, a reportagem conversou com alguns dos detentos – sempre, porém, com a presença de funcionários da GPA ou do Estado. Jonas dos Santos Silva, de 39 anos, é um dos presos que trabalha na fabricação de bancos de couro. Condenado a quase 20 anos de prisão por homicídio, ele está há seis no CPPP.
“Estou tendo aqui uma oportunidade que não tive em outros lugares. Nas outras penitenciárias, era impossível querer melhorar por conta das drogas”, conta Silva, que é dependente químico. Ele tem mais dois anos de pena para cumprir. Depois, quer recomeçar a vida com a esposa e os quatro filhos. “Eu cometi muitos erros, mas a minha mulher resolveu me dar outra oportunidade”, conta.
Nem todos os presos que estão no complexo, entretanto, querem permanecer lá. Anderson de Almeida Lopes é de Mato Grosso do Sul, e quer ser transferido para se aproximar da filha, de apenas cinco anos. “Estou tentando aproveitar as oportunidades enquanto estou aqui, mas quero ficar mais perto da família”, explica. Por enquanto, Lopes trabalha na biblioteca da penitenciária. O caminho a ser percorrido até o retorno ao convívio em sociedade, entretanto, ainda é longo. “Minha pena é de 18 anos e eu fui preso em 2013. Minha filha tinha um mês”, diz.
Fiscalização é fundamental
Apesar dos indicativos positivos, ao menos no caso de Ribeirão das Neves, o modelo não implica que o Estado fique eximido de responsabilidade na gestão. Sandro Cabral, doutor em Administração e professor do Insper, explica que, para que uma PPP seja efetiva, os agentes públicos precisam acompanhar de perto a execução do contrato e garantir que os indicadores sejam cumpridos.
“É uma questão polêmica, já que envolve delegar para atores não estatais um serviço delicado e crítico. Presentes algumas condições, a combinação pode ser eficiente. Evidências nos mostram, porém, que a delegação do setor privado sem supervisão pública, ou com supervisão corrupta e ineficiente, é o pior dos mundos. Sempre o último responsável é o Estado”, diz o professor.
Ele menciona experiências bem sucedidas de parcerias com a iniciativa privada – que incluem casos paranaenses, como foi com a Penitenciária Industrial de Guarapuava – , mas explica que, atualmente, o cenário é mais complexo. “As facções tornaram os funcionários mais vulneráveis dentro das prisões. A possibilidade de corrupção sempre vai existir, o que impõe novos desafios”, pondera.
No caso das PPPs, um fator que pode inibir a iniciativa privada é a longa duração dos contratos. “O Estado precisa pagar o que prometeu, não pode favorecer em licitações. É preciso que o contrato seja justo e que haja segurança jurídica”, afirma Cabral.
* A repórter viajou a convite da GPA
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