Inaugurada em julho de 1965, a Rodovia do Café possibilitou a integração econômica e social do Paraná, que ameaçava se esfacelar. Antes, a ligação rodoviária das duas regiões mais populosas e ricas do Estado, o Norte e a Região Metropolitana de Curitiba, era a sinuosa e problemática Estrada do Cerne – muitos cafeicultores preferiam exportar sua produção via Porto de Santos ao invés de Paranaguá.
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Essa dificuldade de acesso, aliada à falta de afinidade cultural (devido à colonização, o Norte sempre foi mais ligado a São Paulo do que a Curitiba) e à força da economia cafeeira, fez com que se cogitasse a emancipação nortista e a criação do Estado do Paranapanema. Ideia que ficou no passado – como o Território do Iguaçu, no Oeste paranaense – e um dos fatores que garantiram a unidade territorial foi a abertura da nova estrada, que depois de dez anos com as obras paradas foi finalmente finalizada durante o governo de Ney Braga.
Segundo o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER/PR), a Rodovia do Café é compreendida como a ligação de mais de 500 km de Maringá a Paranaguá – o que engloba o trecho da BR-376 até São Luiz do Purunã, distrito de Balsa Nova (já na RMC), o trecho comum das BR-376 e BR-277 até Curitiba e, depois, a ligação da capital a Paranaguá pela BR-277.
Com a duplicação total entre Paranaguá e Ponta Grossa, a reivindicação histórica passou a ser a implantação da mesma melhoria nos 244 km entre Apucarana e a cidade-polo dos Campos Gerais, administrados pela concessionária Rodonorte desde 1997.
As obras começaram nos primeiros anos de concessão, com a duplicação do trecho da Serra do Cadeado, mas desde então vem se desenrolando em marcha lenta. Devido a termos aditivos assinados em 2000 e 2002, a construção de novos trechos de pista dupla da BR-376 foi remanejada para os anos finais do contrato, que se encerra em novembro de 2021.
O trecho, que já tem quase 104 km duplicados, está ganhando pista duplicada em mais 37 km, na região de Mauá da Serra e no Contorno Sul de Apucarana, ou seja, pela primeira vez na sua cinquentenária história, em breve a ligação Apucarana-Ponta Grossa será em duas pistas em mais da sua metade.
A demora na duplicação, além de causar transtornos para quem viaja para o Norte e Noroeste do estado, dificulta a ligação econômica entre a capital e algumas das principais cidades do interior. Nilson Camargo, consultor de logística da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), destaca que a melhoria da estrutura para o escoamento da produção local é uma reivindicação de décadas do setor produtivo.
“Inclusive há alguns anos fizemos, junto com outras entidades, um movimento para que houvesse prorrogação dos contratos com as atuais concessionárias, para que as obras saíssem do papel. Não tivemos sucesso, e agora é esperar até o fim do ano que vem, quando os contratos acabam, para ver como ficam as coisas”, diz o consultor.
“Mas a BR-376 é o trecho de duplicação mais importante no Estado atualmente. É uma obra importantíssima tanto no que diz respeito à economicidade, já que o transporte de cargas vai ficar mais barato, quanto no aumento da segurança. Vai ganhar toda a atividade de exportação, os produtores de carnes, grãos: soja, milho, farelo”, destaca Camargo.
Frustração no Norte
Apesar das obras de duplicação, comunidades que margeiam a Rodovia do Café se mostram frustradas porque tinham a expectativa de que o trecho Apucarana-Ponta Grossa seria totalmente duplicado até o fim de 2021. Em 2013, o governo do Estado chegou a anunciar que os então 231 km em pista simples restantes na ligação seriam duplicados nos anos seguintes.
Hoje, o DER/PR diz que as obras devem chegar perto de 170 km, contando as já realizadas, as que estão em andamento e cerca de 30 km que foram acordados entre a Rodonorte e o Ministério Público Federal (MPF) em termo de leniência.
“Atualmente o DER/PR está em tratativas com a Procuradoria Geral do Estado (PGE/PR) quanto a demais medidas cabíveis visando garantir que seja executado o maior número possível de obras, mas respeitando o que está determinado no contrato e seus aditivos”, informou a assessoria de imprensa do departamento, em nota enviada à reportagem.
Acordo de leniência
No ano passado, moradores de Apucarana se preocuparam quando foram divulgados os termos do acordo de leniência que a Rodonorte assinou com o MPF no âmbito da Operação Integração, desdobramento da Lava Jato: a revelação de que a concessionária havia pago propina em 2016 para que 81 km da duplicação da Rodovia do Café e o contorno leste de Apucarana fossem suprimidos do contrato causou receio de que as obras não fossem realizadas.
A comunidade se mobilizou em clubes e entidades representativas, realizou audiências públicas na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa e estabeleceu interlocução com o governo do Estado e a força-tarefa da Lava Jato: nascia o movimento "Apucarana no Mapa".
“Como cidadãos, nascidos em Apucarana, vimos que todo o Vale do Ivaí estava em risco, já que a duplicação da Rodovia do Café estava ameaçada. Os principais trechos (que seriam suprimidos do contrato) seriam na nossa região”, relata o médico Ribamar Maroneze, um dos integrantes do Apucarana no Mapa.
Os termos do acordo de leniência também geraram preocupação porque os valores divulgados pelo MPF foram considerados baixos pelo movimento. “Foram R$ 715 milhões (R$ 350 milhões para reduzir em 30% as tarifas de pedágio e R$ 365 milhões a serem investidos em obras), mas foi divulgado que as concessionárias deixaram de investir R$ 8,4 bilhões nas rodovias do Paraná. O valor da punição não pode ficar abaixo da vantagem que o responsável pela corrupção levou”, argumenta Maroneze.
Posteriormente, o governo do Paraná divulgou um cronograma das obras que seriam feitas pela Rodonorte nos termos do acordo de leniência. Para o trecho Apucarana-Ponta Grossa da Rodovia do Café, os quase 30 km de duplicações acordados com o MPF deixariam pendentes cerca de 70 km em pista simples na ligação. “Eu acho muito difícil que (esses trechos que faltam) sejam feitos pela concessionária até o fim do contrato. Vai ficar para a próxima concessão. A conclusão: vamos pagar duas vezes pela mesma obra. É uma sensação de impotência”, lamenta o médico.
A Rodonorte não quis se pronunciar sobre o contrato de concessão e sobre obras futuras na Rodovia do Café.
Muito a melhorar
Lilian Lucy dos Santos, professora do Departamento de Ciências Contábeis da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC PR), aponta que o fim dos contratos das estradas do Anel de Integração, no final de 2021, deixa um sentimento de frustração, apesar da melhoria inegável da estrutura da malha rodoviária do Estado.
“A rodovia melhorou, mas ainda há muito a ser feito. No Brasil, em geral, as estradas têm muito a melhorar. Em que pese que todo motorista deveria saber o que deve ou não fazer, as duplicações evitariam muito mais acidentes e facilitariam o transporte da produção”, afirma. “Existe um problema na gestão pública quando o assunto é obra. Muitas vezes as empresas não cumprem o que foi contratado, não há previsão de determinadas coisas e, seja concessão ou feita pelo Estado, dificilmente uma obra pública é concluída no prazo. Hoje, o pedágio é caro e não temos o que era esperado.”
Para a professora, o desafio é traçar até o final do próximo ano um modelo de concessão que ofereça mais vantagens ao usuário do que o de 1997. “Imagino que a questão dos custos terá que ser revista, serão necessárias formas de amarrar melhor os contratos para que realmente saia do papel o que foi acordado e para que haja mais transparência”, complementa.
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