A renovação de um contrato de prestação de serviços na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em 2015, é responsável pelo maior escândalo de corrupção na gestão do presidente Ademar Traiano (PSD-PR), deputado estadual que comanda a casa há nove anos. Desde dezembro do ano passado, ele está no centro da crise desencadeada após a revelação de um acordo judicial firmado durante as investigações de cobrança de propina na Assembleia Legislativa.
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Para ser beneficiado por um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), instrumento legal que impediria um processo criminal por corrupção passiva, Traiano confessou a negociação e o recebimento de propina no valor de R$ 100 mil, acertado com o empresário Vicente Malucelli, para continuidade do contrato de serviços para produção de conteúdos na TV Assembleia. Além do presidente da Alep, o ex-deputado Plauto Miró também recebeu a quantia como propina, de acordo com a delação de Malucelli, confirmada pela dupla de investigados no acordo com Ministério Público do Paraná (MP-PR), que teve a homologação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Apesar do ANPP ser previsto pela Justiça Colaborativa sem mecanismos que impeçam a publicidade, as provas anexadas ao processo de corrupção contra o presidente do Legislativo paranaense são mantidas em "sigilo absoluto" pelo judiciário estadual até o momento, mesmo depois do pedido do MP-PR pela publicidade do caso, que se tornou público no final do ano passado. O deputado estadual Renato Freitas (PT-PR) anexou os termos do acordo em um processo de defesa por quebra decoro parlamentar, denúncia de autoria de Traiano por ter sido chamado de corrupto durante bate-boca no plenário em outubro de 2023.
Na defesa, o petista justificou que Traiano confessou o recebimento de propina no acordo com o MP-PR para se livrar do processo. Sendo assim, não havia calúnia ao se referir ao presidente da Alep como corrupto. Em dezembro, a RPC TV, G1 e o jornal Plural tiveram acesso aos termos do acordo e publicaram as primeiras notícias sobre a admissão do caso de corrupção. As notícias, no entanto, foram de início retiradas do ar por uma liminar judicial que barrou a divulgação do caso, atendendo a pedido de Traiano e Miró. Foi o estopim para a crise dentro da Assembleia Legislativa paranaense marcada, principalmente, pelo silêncio, seja pelo segredo de Justiça imposto ao processo ou pela omissão dos deputados estaduais.
A censura durou cinco dias e a liminar caiu em análise de segunda instância. No entanto, o acordo firmado por Traiano e Miró com o MP-PR só se tornou público no início de fevereiro, ainda que com a manutenção do "sigilo absoluto" dos vídeos de depoimentos e áudios do processo. Até que, esta semana, o conteúdo se tornou público em uma série de reportagens da RPC TV e G1, que revelam os diálogos gravados por Vicente Malucelli e os vídeos da delação do empresário e de depoimentos de outras testemunhas.
Segundo a RPC TV e o G1, Malucelli afirmou que uma parte do pagamento foi feita dentro do prédio da Alep, em dinheiro vivo no gabinete de Traiano, no valor de R$ 50 mil. A outra metade foi paga com cheques no condomínio onde o deputado estadual reside em Curitiba. A orientação do parlamentar era de que esses cheques, dois de R$ 20 mil e um de R$ 10 mil, fossem depositados na conta de uma oficina mecânica no interior do Paraná.
Além disso, as provas processuais indicam que Traiano recebeu os valores da propina antes de Plauto Miró e deu orientações ao empresário que a informação não fosse revelada ao colega ex-parlamentar, que participou da negociação da propina para renovação do contrato com a TV Icaraí. Na delação, Vicente Malucelli alegou que se sentiu coagido a pagar a propina como se fosse doação de campanha com a anuência do presidente do grupo empresarial, Joel Malucelli. Segundo o delator, o presidente Ademar Traiano afirmou durante ligação telefônica que era para o "Joel abrir o bolso", conforme as reportagens da RPC TV e G1.
Governador adota postura de isenção e TJ-PR protagoniza malabarismo judicial
Beneficiado pelo sigilo do processo, pela inércia dos deputados estaduais e com aval do PSD, partido do governador aliado Ratinho Junior (PSD-PR), Traiano começou o novo ano legislativo na cadeira de presidente da Alep, que ocupa desde 2015.
Em fevereiro, o governador do Paraná foi questionado pela Gazeta do Povo sobre a permanência de Traiano na principal cadeira do Legislativo após a confissão de propina e respondeu que não é "analista" das decisões de outros poderes. "Não posso ficar aqui como se fosse analista de outro poder. Cabe à Assembleia [tomar medidas]. Meu relacionamento com a Assembleia é muito bom, espero que continue assim, pois é um relacionamento republicano. Eu respeito a Assembleia, respeito a Justiça e eles nos respeitam também", respondeu Ratinho Junior.
O PSD Paraná, presidido pelo próprio Ratinho, defende que não existe nenhum processo contra Traiano que justifique a punição do parlamentar, fato que é repetido por aliados. No entanto, o impedimento da abertura do processo penal por corrupção é uma consequência do acordo homologado pela Justiça, que exigiu pagamento de multas e ressarcimento do dinheiro desviado por Traiano e Miró, totalizando R$ 743 mil, além da confissão do crime.
Durante o recesso parlamentar, o TJ-PR protagonizou uma malabarismo judicial que evitou o levantamento do sigilo das provas do processo, entre elas, as gravações telefônicas e os vídeos da delação do empresário Vicente Malucelli. Segundo a tramitação do processo, que se tornou público em fevereiro, o desembargador responsável pelo caso assinou a extinção de punibilidade de Traiano e Miró no dia 17 de janeiro e também atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral de Justiça pelo levantamento do sigilo das provas anexadas ao processo.
Em seguida, a autorização foi despachada para uma secretaria do TJ-PR, que respondeu ao desembargador que não possuía "competência para realizar o levantamento do sigilo" no sistema eletrônico de processos, o Projudi, o que deveria ser feito exclusivamente pelo próprio magistrado. O relator do caso Traiano saiu de licença no dia 19 de janeiro e retornou de férias no dia 8 de fevereiro. Neste período, Traiano e Miró foram favorecidos por uma nova decisão judicial pela manutenção do sigilo das provas, assinada pelo desembargador do TJ-PR Luiz Mateus de Lima. Assim, apenas os termos do acordo se tornaram públicos, nunca as provas.
Pressionado, Traiano adota o silêncio para não ser obrigado a prestar esclarecimentos ao ser questionado pela imprensa. Na única coletiva de imprensa desde o início da crise na Alep, o presidente da Casa declarou que o dinheiro recebido se trata de "doação de campanha" e que sua conduta está assegurada pela lei.
"Eu continuo afirmando que foi uma doação de campanha, e o acordo que eu fiz é dentro da legalidade, não respondo a nenhum processo na esfera tanto do Ministério Público quanto do Tribunal de Justiça. Estou com a consciência tranquila, fiz aquilo que a lei me permitiu, estou assegurado pela lei e tudo o que se fala por aí não está em consonância com aquilo que a legislação permitiu fazer", disse Traiano antes de abandonar a coletiva durante os questionamentos da imprensa.
Nesta semana, o presidente da Alep tenta adotar o discurso de que o assunto foi encerrado pela Justiça, apesar das revelações da série de reportagens da RPC TV e do G1, que mostram como Traiano negociou o recebimento da propina com o empresário Vicente Malucelli em troca da renovação do contrato de serviços na TV Assembleia.
"O deputado Traiano reafirma que formalizou um acordo junto ao Ministério Público, o qual foi homologado pelo Poder Judiciário e plenamente cumprido por sua parte. Conforme a legislação em vigor, o assunto está encerrado", afirma a nota enviada pela assessoria do presidente da Assembleia.
Corrupção no Paraná: cobranças isoladas, denúncia arquivada e fim da reeleição
Desde o final do ano passado, o deputado Fabio Oliveira (Podemos-PR) tem usado a tribuna para cobrar a renúncia de Ademar Traiano. No discurso da última terça-feira (19), ele lembrou que a maioria dos parlamentares prefere a isenção quando o assunto é a presidência da Casa, que perdeu a credibilidade após a confissão de negociação e recebimento de propina.
"É uma vergonha a Alep ser presidida por quem praticou corrupção", criticou Oliveira, que ainda ressaltou a importância da cobertura da imprensa, apesar das tentativas de censura e cerceamento de informações.
"As provas estão aí. A maioria dos meus colegas deputados não irá se posicionar. O sistema é forte. Não é à toa que o sigilo ainda não foi derrubado de fato, e graças ao jornalismo pudemos ter acesso à verdade".
Fabio Oliveira, deputado estadual
Articulada por Renato Freitas, desafeto de Traiano na Alep, a oposição iniciou o recolhimento de assinaturas para a "CPI da TV Assembleia" nos primeiros dias após fim do recesso no Legislativo. Mas o requerimento só teve adesão de parlamentares de partidos de esquerda, principalmente do PT, e não conseguiu as 18 assinaturas necessárias.
Freitas também foi autor de uma denúncia contra Traiano por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética da Alep, sob a justificativa de que o pedido e recebimento de propina não seriam atitudes compatíveis com o cargo de deputado estadual.
Em uma sessão esvaziada, sem a presença da suplente de Freitas, a deputada Ana Júlia (PT-PR), o Conselho de Ética aprovou o parecer do relator Matheus Vermelho (PP-PR) e arquivou o processo que poderia até culminar na cassação de Traiano. Vermelho justificou que não é possível realizar a investigação por quebra de decoro pelo fato denunciado ter ocorrido em uma legislatura anterior.
Assim, Traiano permanece na presidência da Assembleia Legislativa do Paraná pelo quinto mandato consecutivo, garantido em 2022 após decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF). Na sessão de terça-feira, o deputado Luiz Cláudio Romanelli (PSD-PR) apresentou um projeto de lei para alterar três artigos do Regimento Interno da Alep. Entre as mudanças, está a limitação de apenas uma reeleição para os cargos da Mesa Diretora e torna individual a votação, que, atualmente, é realizada por meio de chapas para o comando da Assembleia.
Se o projeto for aprovado, a "era Traiano" chegaria ao fim na presidência da Casa. O parlamentar, no entanto, ainda seguirá com o mandato de deputado estadual até 2026, quando poderá disputar a reeleição nas urnas. A extinção de punibilidade, em decorrência do acordo judicial, mantém Traiano como "ficha limpa", apesar da confissão, ressarcimento e pagamentos de multas pela prática de corrupção.
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