A transferência de royalties da Itaipu a municípios e estados brasileiros chegou a mais de US$ 200 milhões, o equivalente a R$ 1 bilhão, no último ano. Esta compensação, paga a municípios lindeiros ao lago de Itaipu pelo alagamento do atrativo turístico de Sete Quedas, tem impactado nos índices de desenvolvimento humano na região.
Em Itaipulândia, uma das principais beneficiárias da política dos royalties, os recursos são apontados como fundamentais para instalações básicas e, também, para projetos de incentivo ao agronegócio, turismo e comércio. Por lá, os repasses somam R$ 38,9 milhões nos primeiros cinco meses do ano. Sem o aporte dos royalties, a administração local aponta que o desenvolvimento seria mais lento. Ainda segundo a prefeitura, programas de saúde e educação integral e gratuita não seriam possíveis, além do investimento em infraestrutura urbana e rural.
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Junto com Itaipulândia, outros quatro municípios da região receberam, juntos, R$ 146 milhões desde o início do ano: Santa Helena (R$ 57,1 milhões), São Miguel do Iguaçu (R$ 19,6 milhões), Marechal Cândido Rondon (R$ 12,1 milhões) e Guaíra (R$ 18,8 milhões).
Tratado de Itaipu
Este recurso chega aos municípios desde março de 1985, segundo informações da Itaipu, consultada pela Gazeta do Povo. Somado ao transferido também ao Paraguai, que recebe metade do valor, o montante total de repasses nessas quase quatro décadas de vigência foi de US$ 12,8 bi, ou mais de R$ 60 bi, em valores atualizados.
Previsto no Tratado de Itaipu, os royalties são uma compensação financeira que os governos brasileiro e paraguaio recebem pelo uso do potencial hidráulico do Rio Paraná para a produção de energia elétrica na usina. O valor do pagamento de royalties para cada município decorre da metragem quadrada alagada para o processo de construção da usina.
Entre as centenas de municípios destinatários dos royalties, localizados nos estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul, os que mais recebem recursos são os 16 municípios atingidos pela construção dos reservatórios da usina. Afora o município sul-matogrossense de Mundo Novo, o grosso da partilha fica com 15 municípios paranaenses: Santa Helena, Foz do Iguaçu, Itaipulândia, Diamante D’Oeste, Entre Rios do Oeste, Guaíra, Marechal Cândido Rondon, Medianeira, Mercedes, Missal, Pato Bragado, São José das Palmeiras, São Miguel do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu e Terra Roxa.
Renda e saúde melhores
“Sim, os royalties influenciaram positivamente em melhores níveis de desenvolvimento econômico em municípios lindeiros”, afirma o economista pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Antonio Octaviano de Andrade Neto.
Ele analisou a evolução do desempenho dos 15 municípios paranaenses no Índice Ipardes de Desempenho Municipal (IPDM), que engloba índices anuais de educação, saúde e emprego e renda, em comparação a 350 municípios que não os receberam.
Com análise concentrada nos anos de 2010 e 2016, o trabalho feito em parceria com Augusta Raiher e publicado em 2021 pelo Grupo de Pesquisa em Agronegócio e Desenvolvimento Regional da Unioeste, Campus de Toledo, inferiu que “os royalties contribuíram positivamente na renda e na saúde dos municípios no ano de 2016, existindo ainda um impacto na melhoria ao longo do tempo dos aspectos de saúde desses municípios”.
Segundo Andrade Neto, o componente educacional do indicador não mostrou significância estatística em nenhum dos períodos considerados na pesquisa. A falta de informações sobre o efeito dos royalties nesse indicador, argumentam os autores, decorreria do caráter de longo prazo do investimento desta área.
Grande parte da receita total
Segunda maior beneficiária da política dos royalties, Itaipulândia tem como previsão inicial de arrecadação total para 2022 R$ 157,5 milhões e uma despesa média de R$ 144 milhões nos últimos três exercícios, segundo consulta à prefeitura do município pela Gazeta do Povo.
Para a cidade, os royalties representam muito em relação ao arrecadado pelo município. “Com base no exercício de 2021, a receita proveniente da fonte dos royalties de Itaipu foi de R$ 105,2 milhões, o que representou 67% da receita total naquele exercício”, informa a prefeitura, que recebe a verba compensatória desde setembro de 1993.
A destinação porcentual dos valores dos royalties para as diversas funções exigidas ao município, em 2022, está distribuída pelas áreas de administração (28%), saúde (19%), educação (18%), agricultura e transporte (5% cada), seguidas por urbanismo e habitação (4%), entre outros.
Os royalties, segundo a prefeitura de Itaipulândia, não estão vinculados a aplicações específicas, mas priorizar as perspectivas regionais de cada ente exige “investimentos em infraestrutura, saúde, educação e programas sociais, sempre a fim de compensar as perdas causadas pelo alagamento da área”. Se não há um direcionamento muito detalhado do investimento que deve ser realizado pelos municípios lindeiros, no entanto é vedado o custeio de folha de pagamentos de servidores do quadro de pessoal, sejam eles comissionados, sejam eles temporários ou efetivos, excetuado melhor juízo da lei federal 12.858/13.
Entre os principais investimentos que Itaipulândia afirma fazer para buscar a sustentabilidade do município quando findarem os royalties, “estão os dirigidos a programas no meio agropecuário, que auferem vantagens à cadeia da produção oriunda dos produtos primários, visando o desenvolvimento da indústria e comércio, que darão sustentabilidade ao município”.
O impacto visto na área de saúde, segundo a prefeitura de Itaipulândia, ocorre porque os royalties ajudam a complementar o investimento na área, para além dos 15% da receita de impostos que devem ser obrigatoriamente aplicados em Ações e Serviços Públicos de Saúde, conforme manda a lei. “Sendo assim, municípios que têm receitas de royalties de Itaipu, por exemplo, conseguem, na prática, pagar seu corpo de servidores da saúde com o obrigatório e, com os dos royalties, adquirir e manter veículos para transporte de pacientes, construir unidades de saúde e implantar programas de saúde básica em diversas comunidades”, explica a prefeitura à Gazeta do Povo.
“Também são adquiridos medicamentos para distribuição gratuita e fazemos a manutenção do Hospital e Maternidade Municipal, totalmente gratuito com atendimento 24 horas, atendendo complexidade baixa, média e alta, essa última através de contratação de especializados”, acrescenta.
Preparação para o futuro
Pelos dados analisados, o economista Andrade Neto diz que, de maneira geral, os municípios têm se preparado para um futuro com o esgotamento desses recursos. “Como um dos objetivos da distribuição dos royalties é justamente o investimento em capital humano e físico para as gerações futuras, observou-se que, ao menos no ano considerado na pesquisa, esses municípios apresentaram maiores níveis de desenvolvimento em relação aos demais, especialmente o indicador de saúde, fato que demonstra que a infraestrutura de certa forma está consolidada nesses locais”, afirma ele, que é hoje residente técnico do Departamento de Economia Rural da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.
Em 2023, com o fim do período de 50 anos de vigência de parte do Tratado de Itaipu que regulamenta o pagamento de royalties aos municípios lindeiros ao lago da usina, seu teor deve ser rediscutido pelos governos de Brasil e Paraguai, como mostrado em reportagem da Gazeta do Povo.
A reportagem da Gazeta do Povo solicitou informações às outras duas maiores beneficiárias dos royalties, incluindo São Miguel do Iguaçu e Santa Helena, mas as prefeituras preferiram não se pronunciar a respeito do tema.
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