Saneamento básico não é apenas investimento social, mas também econômico.| Foto: Jonathan Campos / Arquivo / Gazeta do Povo

Entre os quatro pilares do saneamento básico (fornecimento de água, coleta de esgoto, drenagem urbana e coleta de lixo), a coleta e o tratamento dos efluentes domésticos estão entre os serviços públicos mais atrasados em relação à meta de universalização no país. E, apesar de serem tão importantes, com reflexos diretos na saúde pública, meio ambiente e bem-estar social, os índices de acesso da população a redes adequadas de esgotamento registraram queda em dez estados, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C), em 2018 no Brasil, 23 milhões de domicílios não estavam conectados à rede de esgoto, o que representa 33,7% das residências do país. Em estados como Pernambuco, o recuo do serviço chegou a 5,2% em relação ao ano anterior. Já no Paraná, o avanço foi de meio ponto porcentual. No geral, desde 2016, quando o levantamento começou a ser sistemático, o Brasil melhorou muito pouco a oferta de esgoto, passando de 65,9% das residências atendidas para 66,3%.

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Uma das causas apontadas por especialistas para que o serviço não deslanche é a crise econômica (e talvez política) que o país vive nos últimos anos, travando investimentos públicos e privados e que nos deixa cada vez mais longe da meta de universalização do saneamento, prevista no Plano Nacional de Saneamento Básico para 2033. “A queda ocorre porque você acaba não investindo no setor. Por outro lado, a população cresce e o saneamento não acompanha o crescimento vegetativo dessa população. Há estudos que já postergam para 2060 a universalização, que é básica para o desenvolvimento humano e para a economia”, afirma Alceu Galvão, doutor em Saúde Pública e consultor do Instituto Trata Brasil.

Entretanto, segundo ele, é preciso que se entenda que o ciclo de investimentos e de resultados na implantação de planos de saneamento é longo e lento, desde a criação de projetos, liberação de verbas, licitações e as próprias obras. Para o engenheiro ambiental Eduardo Gobbi, no Brasil o esgotamento sanitário e o abastecimento de água estão concentrados nas mãos de grandes players, no caso as companhias estaduais de água e esgoto, um modelo de “quase monopólio natural”.

“No Brasil, privilegiamos a criação de companhias de saneamento estaduais na virada dos anos 1960 para 1970, quando houve um crescimento muito grande dos municípios brasileiros. Primeiramente atendendo com água e depois, na década de 1980, com esgoto, que na verdade é uma atribuição municipal, mas de fato acaba sendo operado pelas companhias. Com esse modelo de operação, que é definido pelas empresas estaduais, na hora de definir as tarifas é que erramos. A tarifa do esgoto não cobre os custos do esgoto. Ela não é feita a partir de uma composição de custos. Ela custa 80% da conta de água. Ou seja, não consegue se pagar”, afirma Gobbi.

Com isso, segundo o especialista, as companhias de água precisam fazer financiamentos cruzados, colocar dinheiro da água no esgoto, entre outras formas para tentar bancar o sistema. “Precisamos avançar na regulação do setor, pois temos um enorme passivo em relação ao saneamento básico no país. Precisamos ter metas progressivas de planos de saneamento, com um mecanismo de financiamento via tarifas que sejam exequíveis e pagáveis pela sociedade. E não vamos conseguir fazer tudo de uma vez só”, conclui Gobbi.

De acordo com o Instituto Trata Brasil, os últimos aportes financeiros de peso por parte do governo federal feitos em saneamento ocorreram em 2014 – R$ 1,69 bilhão, dentro das obras do PAC. O Programa de Aceleração do Crescimento investiu, ao todo, R$ 70 bilhões em água, esgoto, drenagem e resíduos. Depois disso, os recursos escassearam. “Mas, se observarmos, o problema não é só dinheiro, é falta de gestão. Este é um setor que perde 38% da água que produz”, diz Alceu Galvão.

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Para ele, as prefeituras (responsáveis pelo serviço de água e esgoto) também não têm capacidade de gestão do serviço nem equipes técnicas que possam administrar adequadamente os seus planos de saneamento.

Novo marco legal para o saneamento

No final de maio, o Congresso Nacional iniciou as tratativas para votar a Medida Provisória 868, de 2018, que altera o marco legal das contratações de saneamento no Brasil, mas não houve acordo em torno do assunto e a MP acabou perdendo eficácia em 4 de junho. Na sequência, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou um projeto de lei (PL 3261/2019) para tentar salvar o conteúdo da MP. Aprovado no plenário do Senado, o PL ainda não foi apreciado pela Câmara dos Deputados.

Entre os pontos sensíveis do debate, está a possibilidade de proibir que os municípios contratem diretamente estatais de saneamento, com dispensa de licitação. Atualmente, a Lei de Saneamento Básico (11.445/07) permite aos municípios realizar contratos diretamente com empresas públicas prestadoras desse serviço, seja para o fornecimento de água tratada e/ou coleta e tratamento de esgoto.

Parlamentares contrários à mudança argumentam que a iniciativa privada não se interessará por municípios com baixa capacidade de pagamento, dificultando a universalização do serviço. A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) também é contra a alteração da lei, alegando que nas cidades com melhores índices de esgotamento no Brasil – como as capitais Curitiba (PR), Goiânia (GO) e São Paulo (SP) – o serviço é operado por empresas públicas.

Por outro lado, uma pesquisa da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) apontou que a iniciativa privada investiu R$ 1,98 bilhão em serviços de água e esgoto em 2017 no país, ou 18,1% do total investido pelo setor de saneamento naquele ano (R$ 10,9 bilhões). Mesmo presentes em apenas 6% das cidades brasileiras, as empresas privadas aportaram 20% dos recursos do setor. De acordo com a Abcon, as empresas públicas não têm capacidade de alocar os recursos necessários e as do segmento privado ainda encontram dificuldades políticas, legais e institucionais para ampliar a sua contribuição para a universalização dos serviços.

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De qualquer forma, segundo Eduardo Gobbi, o saneamento não pode ser visto como um grande business com taxa de retorno alta. “Saneamento é business de longo prazo com taxa interna de retorno baixíssima. Aí a gente vai conseguir paulatinamente resolver os problemas. E as universidades podem ajudar nisso, pesquisando formas alternativas e mais baratas de tratamento de esgoto, que sejam mais eficientes e que gastem menos energia elétrica, que é a maior despesa das companhias de saneamento”, observa.

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