A Santa Casa de Curitiba (PR) inaugurou, neste mês, um Centro de Acolhimento em Terapia Canabinoide. O local está oferecendo atendimento para pacientes encaminhados por especialistas e também para pessoas que buscam espontaneamente a unidade hospitalar para tratamento com produtos derivados de substâncias extraídas da maconha (cannabis sativa), os chamados canabinoides.
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A conduta é alvo de críticas e polêmicas, já que não existem evidências científicas consolidadas de eficácia no uso terapêutico dos derivados da maconha para nenhuma doença, com poucas exceções – e sempre de forma adjuvante (não é a substância principal no tratamento) e paliativa (benefícios atenuantes da enfermidade e temporários).
Centro é o primeiro do tipo no Brasil
De acordo com a instituição, o centro paranaense é o primeiro do tipo no Brasil, uma vez que está instalado dentro de uma unidade hospitalar. Segundo o médico Vitor Brasil, responsável pelo centro de acolhimento, essa é uma característica essencial para que um dos objetivos do centro, a realização de pesquisas sobre o uso dos canabinoides, possa ser realizada de forma “responsável e segura”.
“Nós temos um cenário de medicina baseada em evidências, e essas evidências são construídas com a ajuda de estudos. Nós estamos exatamente nesse ponto de construir esses graus de evidências. A ideia é que o centro de acolhimento possa se integrar a outros centros de pesquisa, do Brasil e do exterior, para que a gente possa consolidar esses dados de uma forma bastante responsável e segura, justamente por estarmos dentro de um ambiente hospitalar”, detalhou o médico, em entrevista à Gazeta do Povo.
Objetivo é "desmistificar" o uso de produtos derivados da maconha
Segundo o responsável pelo Centro de Acolhimento em Terapia Canabinoide da Santa Casa de Curitiba, outro objetivo da unidade é “desmistificar” algumas questões do ponto de vista do uso medicinal de produtos derivados da maconha e do chamado “uso recreativo e não médico” destas substâncias.
“Quando a gente sugere o tratamento, não é que essa pessoa vai passar a usar maconha. São derivados terapêuticos que a gente usa para tratar determinadas doenças. Há um grupo amplo de problemas que estão dentro do escopo da saúde mental, que envolve estresse pós-traumático, ansiedade, distúrbios de humor, isso de uma forma mais ampla. Há também quadros de distúrbios neurológicos, como epilepsia, dores crônicas como a fibromialgia e quadros comportamentais que envolvem as doenças demenciais”, argumentou.
Benefícios dos canabinoides não são consenso na comunidade médica
Os benefícios dos canabinoides para estes quadros de saúde, porém, não são consenso na comunidade médica. Em julho do ano passado, por exemplo, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou um posicionamento oficial sobre o uso de produtos com substâncias extraídas da maconha em tratamentos psiquiátricos. A associação recomendou cautela na utilização de derivados da planta, como o canabidiol e o tetrahidrocarbinol (THC), lembrando que não existem evidências científicas que provem a eficácia contra doenças mentais. Ao mesmo tempo, o documento lembra que a adoção de substâncias psicoativas presentes na cannabis causam dependência química, podem desencadear quadros psiquiátricos ou piorar os sintomas de enfermidades diagnosticadas.
O professor e psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), da Unifesp, que acumula quatro décadas de experiência no combate à dependência química, considera absurda a distribuição de medicamentos à base de canabidiol pelo SUS e destaca a baixa evidência científica sobre o uso dos derivados da maconha para combater qualquer doença.
“Se você for ver as principais instituições médicas, como a Food and Drug Administration [agência reguladora de produtos de saúde dos Estados Unidos], a Associação Americana de Psiquiatria, a própria Associação Brasileira de Psiquiatria e qualquer instituição grande, não se registra nenhuma evidência do uso terapêutico dos derivados da maconha. As pesquisas nessa direção são muito erráticas hoje em dia para falar que a maconha serve para essa ou aquela doença”, disse.
No ano passado, o próprio Conselho Federal de Medicina recomendou prudência no uso do canabidiol, tendo em vista as evidências frágeis de estudos para guiar decisões clínicas. “As conclusões [dos estudos e contribuições] apontam para evidências ainda frágeis sobre a segurança e a eficácia do canabidiol para o tratamento da maioria das doenças, sendo que há trabalhos científicos com resultados positivos confirmados apenas para os casos de crises epiléticas relacionadas às Síndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut”, informou o CFM.
Em uma revisão de estudos científicos feita em 2020, a pesquisadora Rabia Khan, da Universidade Dow das Ciências da Saúde em Karachi, Paquistão, junto a outros colegas, considerou os efeitos do canabidiol em transtornos psiquiátricos. Os cientistas acharam 23 estudos relevantes, e concluíram que as evidências de que o canabidiol apresenta benefícios a pacientes com esquizofrenia, transtorno de ansiedade social, do espectro do autismo e do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) são de qualidade moderada (um nível abaixo da qualidade alta em seus métodos). Tais substâncias também poderiam ser recomendáveis para insônia, ansiedade, transtorno bipolar, transtorno de estresse pós-traumático e síndrome de Tourette, mas nesses casos a qualidade das evidências foi considerada ainda mais baixa.
Empresa parceira da Santa Casa quer facilitar acesso a canabinoides
Priscilla Patitucci é CEO da Anna, empresa privada especializada na venda de produtos derivados da maconha que formou parceria com a Santa Casa para viabilizar a operação do centro de acolhimento. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela explicou que a empresa tem como objetivo “democratizar não só o acesso aos produtos derivados da cannabis como também informações e orientações fundamentais sobre o mercado, tanto para pacientes e médicos quanto para entidades hospitalares e associações”.
Ao buscarem atendimento no centro de acolhimento, explicou a CEO, os pacientes passam por uma espécie de triagem pré-consulta com especialistas da Anna. “Este acolhimento é gratuito”, explicou Patitucci, “mas a consulta é feita dentro da ala de atendimento particular da Santa Casa”. Para os pacientes que decidirem optar pelo tratamento com canabinoides, a empresa fica responsável pelo desembaraço dos produtos junto aos órgãos reguladores brasileiros.
“A Anna faz toda a parte burocrática da importação dos produtos, tudo dentro da regulamentação da Anvisa. A pessoa recebe isso em casa, e diferente de uma farmácia comum, onde o tratamento é iniciado de forma isolada, a Anna tem esse objetivo de dar a segurança para médico e paciente sobre a forma correta de iniciar o tratamento. Há um acompanhamento profissional do início ao desenvolvimento desse tratamento”, completou.
Sobre os questionamentos à eficácia dos canabinoides como eficazes em tratamentos de saúde, Patitucci defende a atuação do Centro de Acolhimento da Santa Casa no sentido de “esclarecer a sociedade sobre esses produtos que têm transformado a vida de muitas pessoas”. Para a CEO, quaisquer questionamentos no campo científico são fundamentais, e devem continuar a serem feitos.
“Toda essa discussão deve convergir num mesmo ponto: é preciso mais pesquisa, mais estudo, mais acesso à informação, mais comprovações científicas. São os questionamentos que movem a humanidade, desde sempre. É fundamental para os pacientes que estão se colocando frente a qualquer indagação que comprovem, através da terapêutica, os resultados positivos desses produtos”, concluiu.
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