A venda da operadora de telefonia Sercomtel ao fundo de investimentos Bordeaux na terça-feira (18) encerra um capítulo incômodo para a Companhia Paranaense de Energia (Copel), que detinha 45% das ações da empresa londrinense. Adquirida em 1998 por R$ 186 milhões – mais de R$ 1 bilhão em valores atuais –, a cota de participação da Copel deve render à empresa menos de R$ 2 milhões ao fim do processo de alienação da telefônica, que agora depende apenas da aprovação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para ser concretizado.
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Aplicado em qualquer fundo que rendesse no mínimo a inflação no período, o investimento, feito em maio de 1998, equivaleria hoje a pelo menos R$ 1.019.494.086 na correção feita pelo IGP-M. Para se ter uma ideia, nesses 22 anos, a Sercomtel apresentou prejuízo líquido em 12 exercícios, incluindo no último ano, quando as perdas somaram R$ 22,98 milhões. Entre 1998 e 2019, o patrimônio líquido da operadora caiu de R$ 253 milhões (R$ 1,39 bilhão, em valores atuais) para R$ 60,1 milhões.
Lucro/prejuízo líquido da Sercomtel (em milhares de reais)
Ano | Resultado |
1998 | -20.471 |
1999 | 7.419 |
2000 | 7.562 |
2001 | 6.114 |
2002 | 18 |
2003 | -1.952 |
2004 | -516 |
2005 | -2.964 |
2006 | -6.060 |
2007 | 8.773 |
2008 | 7.723 |
2009 | -20.680 |
2010 | 618 |
2011 | -6.484 |
2012 | -65.403 |
2013 | -60.499 |
2014 | 7.094 |
2015 | 1.453 |
2016 | -20.592 |
2017 | -4.424 |
2018 | 1.758 |
2019 | -22.980 |
Fonte: Relatórios administrativos e financeiros da Sercomtel de 1998 a 2019
Patrimônio líquido em 31 de dezembro (em milhares de reais)
Ano | Patrimônio |
1998 | 253.009 |
1999 | 259.462 |
2000 | 263.913 |
2001 | 245.651 |
2002 | 242.781 |
2003 | 236.946 |
2004 | 234.573 |
2005 | 226.683 |
2006 | 228.829 |
2007 | 237.435 |
2008 | 230.195 |
2009 | 207.891 |
2010 | 207.227 |
2011 | 200.704 |
2012 | 134.702 |
2013 | 55.264 |
2014 | 89.667 |
2015 | 88.281 |
2016 | 70.853 |
2017 | 72.857 |
2018 | 73.251 |
2019 | 60.159 |
Fonte: Relatórios administrativos e financeiros da Sercomtel de 1998 a 2019
De acordo com a prefeitura de Londrina, que era a sócia majoritária da Sercomtel com 50,9% das ações, as dívidas da companhia chegam próximo de R$ 600 milhões. “Fizemos uma avaliação, o chamado valuation, que mostrou que a empresa valia -R$ 170 milhões. Valia negativo, somando tudo o que ela tinha e o que devia”, explicou o prefeito londrinense, Marcelo Belinati (PP), em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (19). Em razão da situação financeira, a operadora era alvo de um processo de caducidade de outorgas na Anatel, que poderia levá-la a perder a concessão do serviço de telefonia.
Na terça-feira, em leilão realizado na B3, o fundo Bordeaux arrematou a operação pelo valor de R$ 133,8 milhões, dos quais R$ 130 milhões serão necessariamente investidos na Sercomtel, conforme exigência da Anatel para atendimento aos indicadores econômico-financeiros mínimos. Do montante, R$ 50 milhões capitalizarão a empresa de forma imediata e R$ 80 milhões serão usados conforme a necessidade de caixa da operadora.
“É preciso deixar muito claro que esse dinheiro não vem para a prefeitura [ou Copel]. Ficará dentro da Sercomtel para se fazer a capitalização”, explicou o secretário de governo de Londrina, Juarez Tripadalli, na entrevista coletiva sobre a venda do negócio. O aporte oferecido pela Bordeaux dará à gestora a propriedade de 97,4% das ações da empresa. Ao final do processo de compra, que deve ser concluído em cerca de 90 dias, os 2,6% restantes também precisarão ser obrigatoriamente adquiridos pelo novo controlador, o que renderá aproximadamente R$ 4 milhões a serem divididos entre o município de Londrina (50,9%), a Copel (45%) e os demais sócios minoritários (4,1%). No caso do município, a operação privada da Sercomtel ainda renderá tributos, uma vez que não haverá mudança da sede.
Para o analista de mercado Eduardo Voglino, ao vender a participação em uma companhia deficitária, a Copel ganha em termos de gestão, ainda que amargue um grande prejuízo em relação ao valor de compra. “Há uma tendência de a empresa se valorizar quando se desfaz de uma operação que carrega mais do que incrementa”, avalia. Para ele, investir em um negócio que não é o core business da empresa tem sempre um risco, mas é uma alternativa para empresas que têm muito caixa que não pode mais ser reinvestido, seja por limitação geográfica ou de market share, por exemplo.
“É uma alternativa para capitalizar, mas nem sempre acaba dando certo.” Para Voglino, a venda da Copel Telecom, programada pela holding para o terceiro trimestre deste ano, ocorre no mesmo sentido, ou seja, direcionar o foco da empresa ao seu setor principal, que é o da energia.
Procurada pela reportagem, a Copel encaminhou nota em que afirma que a atual gestão “é diligente e transparente” e que está trabalhando para que a companhia “permaneça sempre economicamente saudável, prestando serviço de qualidade para contribuir com o desenvolvimento do Paraná”.
Compra de ações da Sercomtel pela Copel rendeu cassação de mandato do então prefeito Antônio Belinati
A Sercomtel teve origem em um departamento da prefeitura de Londrina criado em 1964. Dois anos depois, tornou-se uma autarquia municipal. Somente na década de 1990 foi transformada em sociedade anônima de economia mista. A compra, em 1998, de 45% de suas ações pela Copel teria sido articulada pelo então prefeito Antônio Belinati, tio do atual prefeito, e o então governador do estado, Jaime Lerner. A vice-governadora, na época, era Emilia Belinati, primeira-dama de Londrina.
O negócio levantou suspeitas do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) e do Ministério Público do Paraná (MP-PR), que viram indícios de que o valor, que deveria ter sido revertido aos cofres do município, teria sido desviado para cobrir despesas de campanhas eleitorais, no que ficou conhecido como caso AMA/Comurb. O nome faz referência à Autarquia Municipal de Ambiente e à Companhia Municipal de Urbanização, por meio das quais Belinati teria realizado contratações fictícias para compras de materiais. Em 2000, o prefeito acabou afastado do cargo e posteriormente teve o mandato cassado por improbidade administrativa.
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