Um problema herdado da gestão anterior. Foi assim que o então governador Beto Richa (PSDB) definiu, em 2012, a situação do sistema penitenciário no Paraná. “Estamos resolvendo a questão prisional, que é algo que nós herdamos no estado do Paraná. Estamos avançando bastante”, disse o tucano ao anunciar, naquele ano, a transferência de 8,5 mil presos que estavam em carceragens de delegacias para penitenciárias.
Em janeiro de 2013, Richa assinou um convênio com a Caixa Econômica Federal para a construção de 14 novos presídios. Na ocasião, repetiu o prognóstico: “Estaremos praticamente resolvendo o problema da superlotação carcerária nas nossas delegacias”, afirmou.
Seis anos depois, o governador é outro, mas a situação teve poucas mudanças e o discurso se repete. “Nós herdamos isso. Estamos fazendo todo um planejamento para diminuir e desafogar as delegacias e tentar, em um médio prazo, zerar essa demanda que existe hoje”, disse Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) em evento de entrega de equipamentos para os agentes do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR), no início de maio.
Os 14 presídios prometidos na gestão Richa ainda não saíram do papel. Deles, apenas quatro estão em andamento – dois em Piraquara e um em Campo Mourão, com previsão de conclusão para 2019, e o de Foz do Iguaçu, para o ano que vem. Os demais ainda estão em execução, acabaram de ser licitados, estão em processo de licitação ou ainda nem chegaram nesse estágio.
O Paraná, inclusive, esteve a ponto de perder R$ 35 milhões para a construção de uma nova penitenciária em Piraquara. Os recursos, da União, estavam em risco porque foram detectadas fragilidades em obras anteriores realizadas pela Verdi Construções Ltda., empresa que faria o novo presídio na região metropolitana de Curitiba. Segundo o Depen-PR, o estado conseguiu a prorrogação dos recursos e agora aguarda a aprovação do projeto, pelo Depen nacional, para duas novas penitenciárias a serem construídas com a verba federal.
Em meio a ratos e baratas
Sem as novas vagas, a gestão mudou, mas a situação continua crítica. Conforme números do próprio Depen-PR, a superlotação nas penitenciárias do estado é de 20%, o que equivale a mais de 3,7 mil presos. O pior cenário é registrado na Cadeia Pública Hildebrando de Souza, em Ponta Grossa. Com capacidade para 355 presos, o local abriga 935 pessoas. No total, ainda de acordo com o Depen-PR, o sistema do estado tem 22.289 presos, para uma capacidade instalada de 18.515 vagas. O problema transborda e chega às delegacias. Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (Sesp), estão 11 mil presos em carceragens.
Os sintomas da falta de vagas aparecem em relatos das condições degradantes enfrentadas por detentos no estado. No início de maio, o Conselho da Comunidade de Curitiba e Região Metropolitana relatou a presença de ratos e baratas na delegacia de Piraquara. Com capacidade para, no máximo, quatro pessoas, o local abrigava 58 presos, incluindo detentos que precisam de cuidados médicos e psiquiátricos. “Aguardando transferência para o Complexo Médico Penal (CMP), os detidos vivem no meio de fezes humanas e são flagrados tomando urina”, diz texto distribuído pelo Conselho da Comunidade à imprensa.
Em nota, a Sesp informou à reportagem que a Polícia Civil “toma todas as providências necessárias para fornecer uma boa condição de custódia temporária”. Sobre o caso do detento que ingeriu urina, o governo ressaltou que “se tratou de um caso pontual e, por apresentar problemas psiquiátricos, o preso foi transferido da unidade”.
Por proteção, presos engrossam exército das facções
Isabel Kugler Mendes, presidente do Conselho da Comunidade, faz visitas periódicas às penitenciárias e conversa com os presos. Ela relata como as condições precárias ajudam na atuação das facções para aliciar pessoas. “No sistema, o preso tem duas chances: ou ele sofre diversos tipos de violência – sexual e moral – ou, se não quiser sofrer isso, engrossa o exército das facções. Eles acabam tendo que pedir proteção para se defender dos abusos”, explica.
Segundo ela, uma das atitudes que tem aumentado o poder das facções está relacionada a permissões que, aparentemente, beneficiam os presos. “Eles reclamam muito da qualidade da comida, e o estado tem aumentado cada vez mais a lista de alimentos que podem ser levados pelas famílias. Como muitos parentes dos presos não têm dinheiro, as facções ajudam a comprar. Depois, lá dentro, isso tudo vira moeda para o comércio dentro das unidades”, descreve.
Em nota, o Depen-PR afirmou que o Conselho da Comunidade nunca levou essa questão ao órgão. Disse, ainda, que a portaria que regulamenta a entrada de alimentos, materiais de higiene e vestuário “permanece inalterada desde 2014”. Por fim, afirmou que a alimentação fornecida aos presos passa por inspeções diárias. Veja a íntegra abaixo.
Muitos presos, poucos agentes
A situação se agrava por causa da falta de agentes do estado dentro das penitenciárias. De acordo com dados do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), houve queda no número de profissionais efetivos desde 2010. São 4.131 vagas de carreira, das quais 3.098 estão ocupadas.
A entidade explica que os agentes trabalham em regime de escala e, por isso, são divididos em três equipes. Além disso, 10% deles fazem outras atividades como serviços de recursos humanos, jurídicos e administrativos. Com isso, a proporção de agentes por preso no Paraná está bem abaixo do recomendado. Enquanto o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça determina que exista um agente para cada cinco presos, no Paraná há unidades em que um único profissional fica responsável por 31 detentos, segundo o Sindarspen.
“A baixa quantidade de agentes representa um risco para os próprios profissionais, que têm que movimentar, sozinhos, vários presos ao mesmo tempo. As rebeliões não ocorrem porque os presos não querem. Se eles quiserem, motins podem acontecer a qualquer momento”, diz o presidente do sindicato, Ricardo Miranda.
No evento de entrega de equipamentos para o Depen-PR, o governador Ratinho Junior admitiu o problema da falta de efetivo. “É uma preocupação porque realmente há um déficit no número de agentes penitenciários. A princípio vamos fazer novas contratações por PSS [Processo Seletivo Simplificado], porque estamos no limite prudencial na folha de pagamento. Já estamos conversando com o sindicato para modernizar essa carreira”, disse.
O diretor do Depen-PR, Francisco Caricati, diz que o governo estuda um plano de carreira que inclua os funcionários contratados temporariamente, via PSS. “A contratação de novos agentes para repor o quadro está em andamento. É necessário, também, porque as novas unidades, que ficarão prontas neste ano, precisarão de agentes”, explica.
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Carceragens em delegacias passam para o Depen-PR
Apesar de representar um alívio na situação, as novas vagas que serão criadas após a construção de todos os presídios previstos não suprirão toda a demanda. A estimativa do governo é de que, somando as 15 obras em andamento e previstas, sejam somadas em torno de 8 mil vagas ao sistema.
“Isso não soluciona o problema. Mas, para que possamos resolver a questão, iniciamos e já estamos concretizando a absorção de 37 carceragens da Polícia Civil. A ideia é que a gente ocupe todos esses prédios e os transforme em unidades penais, até que novas sejam construídas e substituam essas”, diz Caricati. Atualmente, segundo ele, o Depen-PR está assumindo a gestão das carceragens. Depois, será preciso transferir o patrimônio para o órgão para que, só então, adequações sejam feitas nos locais.
Na opinião de Isabel Mendes, porém, o problema não será resolvido apenas com a criação de novas vagas. “Hoje, o número de presos provisórios no estado é muito maior do que o de condenados. Eles estão misturados com quem já está sentenciado. Além disso, o Paraná prende muito e solta poucos presos nas audiências de custódia. Os juízes não querem saber o que aconteceu. No caso de um menino de 18 anos, por exemplo, que lamentavelmente praticou um pequeno furto para pagar a droga. Esse menino teria de ser assistido pelo estado, mas é enviado para o sistema para ser transformado em bandido”, diz Mendes.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram justamente a situação a que a presidente do Conselho da Comunidade se refere. De acordo com o último relatório do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, em agosto de 2018, eram 8,7 mil os presos sem condenação no estado (32%). Outros 5,4 mil (20%) já tiveram posicionamento judicial a respeito da necessidade de imposição da pena, mas ainda têm a possibilidade de obter benefícios na execução da pena. O restante dos presos contabilizados à época, 12,9 mil (47,7%), já estava cumprindo definitivamente a pena estabelecida pela Justiça.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) foi procurado pela reportagem, mas não apresentou um posicionamento sobre o assunto até o fechamento do texto.
Trabalho e estudo para remissão de pena
O cenário dificulta, inclusive, a oferta de trabalho e estudo para os presos já que, pela legislação, o Estado deve priorizar os detentos que já são condenados. “Temos cada vez menos espaço, mas estamos trabalhando forte para atrair investimentos da iniciativa privada para dentro do sistema. Para o empresário é um ótimo negócio, porque ele não paga encargos sociais e tem os melhores presos selecionados para trabalhar”, diz Caricati.
Ele explica que, hoje, a unidade modelo para a remissão de pena é a Unidade de Progressão da Penitenciária Central do Estado (PCE-UP), em Piraquara. Segundo Caricati, outras 11 unidades estão ganhando a estrutura para que possam funcionar nesse mesmo modelo. “A ideia é ampliar”, diz. Segundo números do próprio Depen-PR, em fevereiro de 2019 os presos que trabalham representavam 30,2% dos detentos. Já os que estudam representavam, em março, 47,72% da massa carcerária.
Veja, na íntegra, a nota do Depen-PR sobre as denúncias do Conselho da Comunidade:
A única mudança realizada pela atual gestão do Depen foi à suspensão da permissão para que empresas privadas fornecessem o serviço de entrega de sacolas, o que ocorria sem qualquer critério de controle. Com a decisão, somente familiares devidamente cadastrados podem levar esses itens. Quanto aos itens permitidos, o Depen esclarece que a portaria que regulamenta a entrada de alimentos, materiais de higiene e vestuário permanece inalterada desde 2014. (PORTARIA Nº 232, DE 6 DE JUNHO DE 2014).
Até o momento, também não houve recebimento de denúncia formal por parte do Conselho da Comunidade a respeito da alimentação.
Esclarecemos que a alimentação no sistema prisional é terceirizada e fornecida por empresas licitadas. Todas as unidades penais do Paraná possuem uma Comissão de Recebimento de Alimentos, que têm como atribuição verificar a qualidade da alimentação do ponto de vista nutricional e higiênico, além de conferir a pesagem, tipo de cardápio e a temperatura da alimentação fornecida. Portanto, a alimentação passa por uma inspeção diária. Além disso, há também o acompanhamento do setor de Nutrição do Depen que supervisiona a alimentação em todo o Estado.
Em caso de descumprimento das condições contratuais, as empresas são notificadas e penalizadas, o que pode acarretar multas previstas em contrato ou até mesmo a suspensão do serviço.
Recentemente, a Comissão de Direitos Humanos da OAB/PR, fez uma inspeção nas penitenciárias a pedido do próprio Depen, com o objetivo de verificar eventuais irregularidades, não constatando qualquer problema. Importante esclarecer, também, que todas as unidades penais passam por inspeções mensais realizadas pelas Varas de Execuções Penais em todo o Estado.
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