Ao contrário do que se pretende no Paraná, o governo de São Paulo renovou o contrato de concessão da distribuição de gás natural com a Comgás em 2021 e "nem cogitou" cobrar outorga. Aqui, a intenção é cobrar R$ 508 milhões da Compagas para ela ter o direito de seguir fazendo a distribuição no estado até 2054.
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“Poderíamos discutir a cobrança de outorga, se optássemos por um novo processo licitatório em 2029, mas isso nem foi cogitado. Optamos por antecipar a renovação para garantir a ampliação de investimentos na rede, que seriam reduzidos nos próximos anos, caso a concessionária tivesse seu contrato expirado em 2029”, explica o subsecretário de Infraestrutura de São Paulo, Cassiano Quevedo Rosas de Ávila.
Com a negociação, consumada em outubro de 2021, São Paulo conseguiu que a concessionária assumisse o compromisso de construir mais 3.500 quilômetros de rede de gasodutos (hoje são 21,5 mil km de rede de distribuição no estado, sendo 20,2 mil na área atendida pela Comgás), atender a 14 novos municípios atendidos (atualmente há 152 municípios atendidos no Estado, sendo 95 na área da Comgás) e ter 625 mil novos consumidores (hoje há mais de 2,3 milhões de usuários no Estado, sendo cerca de 2,2 milhões apenas na área da Comgás). O estado de São Paulo é atendido também pelas empresas GásBrasiliano e Naturgy.
Governo do Paraná não quer abrir mão da outorga
No Paraná, no entanto, o discurso é outro. “Não cobrar a outorga não faz sentido. Seria o estado abrir mão de um valor que cabe a ele”, defende Marcelo Curado, membro do comitê intersecretarial do Plano Estadual do Gás. “Seria injusto com a sociedade porque o valor pago pela outorga seria destinado a investimentos amplos, que beneficiariam toda a população”, argumenta o representante do governo.
O valor de R$ 508 milhões foi calculado como sendo o resultado da receita prevista para os 30 anos de concessão (de 2024 a 2054) menos as despesas, os investimentos, a taxa de remuneração do capital e o fluxo de caixa. “Não quer dizer que seja exatamente esse valor, isso foi apontado em meados de 2021 quando o primeiro estudo foi entregue. Terá que ser atualizado quando for feita a renovação”, explica Curado. O valor foi sugerido pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP), contratada pelo governo paranaense para subsidiar com análises e indicações o Plano Estadual do Gás.
“O consumidor é quem vai pagar a conta”, diz indústria
A grande preocupação do setor industrial (principal consumidor do gás natural) é que em consequência da cobrança, o valor da outorga seja embutido na tarifa ao longo da concessão. “Quem pagaria essa conta seria o consumidor”, critica Cintia Mombach, advogada da Incepa, fabricante de revestimentos cerâmicos na região metropolitana de Curitiba e grande consumidora de gás.
A intenção do governo do estado em cobrar e repassar à tarifa tem sido duramente criticada pelas indústrias, que já reclamam por terem que pagar um dos preços mais altos do país pelo insumo.
Um caso parecido aconteceu em Minas Gerais e a situação foi judicializada. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) questiona na Justiça a decisão do governo mineiro. "Não somos contrários à cobrança da outorga, mas somos contra o valor ser repassado à tarifa", diz Adrianno Lorenzon, diretor de gás da Abrace. A situação em Minas ainda não foi resolvida. A Abrace já ameaça acionar a Justiça, caso o mesmo ocorra no Paraná.
“A preocupação é justa e tem lógica”, admite Marcelo Curado, que acrescenta: “estamos questionando a Fipe sobre isso”. O representante do governo diz que até mesmo a antecipação da renovação do contrato ainda não é um fato consumado. O contrato atual vence em 2024.
“Por enquanto estamos trabalhando com esta hipótese porque foi o que veio no estudo da Fipe como sendo a melhor solução”, diz. Curado acrescenta, no entanto, que o estudo foi submetido a audiências e chamadas públicas, quando várias contribuições foram apresentadas pelo setor produtivo. “Tudo isso está sendo analisado”, afirma. A expectativa é que até final de abril a Fundação conclua a segunda etapa dos estudos, que vai apontar o melhor modelo a ser seguido.
Renovação ou um novo processo licitatório?
“A primeira coisa que chama a atenção nesse processo é que a proposta de renovação do contrato já foi colocada (num primeiro momento) sem se discutir a possibilidade de uma nova licitação em relação a esse serviço, o que seria mais adequado”, diz o doutor em direito administrativo e professor convidado da Fundação Dom Cabral, Vinícius Marins.
Segundo ele, num novo processo licitatório poderia se definir, como critério de julgamento, a maior outorga ou a menor tarifa ou uma combinação entre ambas. “Mas para isso teria que haver uma concorrência permitindo a participação ampla de interessados”, diz. O que vai definir se haverá cobrança de outorga ou se haverá uma opção pela menor tarifa possível é uma decisão política.
Para Marins, o que se vê nesse processo do Paraná é “o objetivo do ganho imediato com a outorga e a renovação como forma de valorizar a companhia, tendo em vista a pretensão de venda das ações da Copel” (sócia majoritária com 51% das ações, que devem ser vendidas este ano).
Sobre o repasse da outorga à tarifa, o professor da Fundação Dom Cabral entende que isso não é definitivo. “Não é porque vai se cobrar a outorga que esse valor tem que entrar na tarifa. Pode ser feita uma negociação com o concessionário, reduzindo encargos de investimentos, por exemplo. Haveria outras condições para que a equação ficasse estável sem prejudicar a empresa (que tem direito a um equilíbrio financeiro) e sem onerar o consumidor”, defende.
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