Andrezza Boffé: entregas nas portas dos clientes e vontade de ampliar o negócio| Foto: Ana Paula Pickler, especial para a Gazeta do Povo
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“Antes eu entrava na ótica as nove da manhã, saía oito da noite e trabalhava de segunda a sexta. Hoje, por incrível que pareça, eu trabalho de quinta a domingo, das seis da tarde às dez e meia da noite e ganho mais”. É com esse resumo que Patrick Chamecki Alencar define o novo momento da vida profissional. Durante quase 17 anos, ele trabalhou como comerciante no Centro de Curitiba. E, como tantos outros milhares de brasileiros, viu a pandemia de Covid-19 apertar as contas em 2020 e precisou fazer do que era apenas um talento compartilhado entre as pessoas próximas o sustento da família: vender hambúrgueres para os vizinhos do condomínio onde morava. Ele faz parte do grupo de pequenos empreendedores que tiveram que se reinventar nos últimos anos.

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Com as restrições impostas naquele período, as pessoas saíam pouco de casa e investir tempo e mão-de-obra em alimentação foi uma boa alternativa. Porém, o que deveria ser provisório virou algo permanente: Alencar fechou a loja, passou a trabalhar somente com o preparo de lanches e agora atende para além dos muros da vizinhança.

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Não muito distante, Andrezza Boffé também viu no ramo alimentício a saída para a crise imposta pela Covid-19. Ela trabalhava como guia de viagens para compristas. Com as viagens canceladas por conta da crise sanitária mundial, ela viu a vida profissional estagnar e as contas aumentarem. Foi durante um almoço de família, no qual ela serviu feijoada, que a irmã sugeriu que ela começasse a vender a iguaria para os vizinhos aos sábados. E deu certo. “Depois da feijoada, vieram as sopas, que passei a servir à noite e, posteriormente, refeições diárias no almoço. Passaram-se quase dois anos desde a primeira feijoada entregue na porta de quem, inicialmente, comprou a ideia”, relembra Maná, como ficou conhecida entre os clientes que atende.

Andrezza e Alencar fazem parte de um universo formado por 14.766.386 milhões de pessoas. Este é o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) em todo o Brasil, segundo dados mais recentes informados pelo Sebrae. “E deve seguir crescendo na casa dos dois dígitos por ano”, estima Lucas Hahn, coordenador de Mercado e Varejo do Sebrae-PR. “No entanto, isso está ligado ao desemprego, já que as pessoas que não conseguem encontrar colocação precisam fazer algo para sobreviver. É o que chamamos de empreendedorismo por necessidade”, define o especialista.

E são exatamente esses os microempreendedores que precisam estar mais atentos ao planejamento para evitar que o negócio não dê certo. “Nesse momento, o profissional precisa observar alguns fatores importantes: qual vai ser o modelo de negócio, se o produto vai suprir alguma necessidade do meio onde ele está inserido e como fazer algo que tenha qualidade e, consequentemente, seja valorizado por quem compra”, orienta Hahn.

Novas etapas

Embora estejam estabelecidos, Alencar e Andrezza vivem momentos distintos nos negócios. Ele já sentiu segurança para migrar para um espaço maior, que deve inaugurar em breve. Porém, diz que algumas pessoas parecem não levar a sério a venda de hambúrgueres. “Alguns já entenderam que essa é minha profissão, outros ainda enxergam como um passatempo”, compartilha. Já para a Andrezza, a dificuldade está em conseguir fazer uma reserva para investir no próprio negócio. “Eu comecei usando os meus utensílios de culinária e assim sigo até hoje. Não tenho um faturamento ruim, senti meu negócio crescer de 2022 em diante, mas falta essa sobra”, revela.

E essas, possivelmente, são barreiras enfrentadas por outros empreendedores. O representante do Sebrae-PR também fala sobre como eles podem tentar virar o jogo. No caso dos hambúrgueres, a dica é mostrar que ele entende do que está fazendo. “Pode ser demonstrando conhecimento na criação de novos sabores, caprichando na identidade visual do próprio negócio e se profissionalizando, com cursos e capacitações”, aponta.

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No caso da Andrezza, a orientação do especialista é, ao colocar tudo na ponta do lápis, avaliar se é possível mexer no preço de venda das refeições. “Se ela vende 30 marmitas por dia, por exemplo, a R$ 20 cada, é viável passar a comercializá-las por R$ 20,50. Esses R$ 0,50 não vão fazer com que os clientes deixem de comprar o produto e ela pode começar a guardar esse valor para investir no próprio negócio. Andrezza também pode ver se é possível cortar algum custo. Lembrando que são hipóteses; tudo precisa ser avaliado de acordo com os valores praticados”, enfatiza o coordenador de Mercado e Varejo do Sebrae.

O outro lado da tentativa de se integrar aos pequenos empreendedores

Aos 36 anos, Daniel Pianca Simão resolveu que era o momento de abandonar a vida de taxista nas ruas de São Paulo e abriu uma hamburgueria. “A oportunidade surgiu porque um amigo conhecia um espaço que funcionava como estúdio de tatuagem e barbearia, então cheguei com os sanduíches pra completar a gama de serviços que o local oferecia”, conta. Porém, era março de 2020 e, pouco depois, o então governador do Estado de São Paulo, João Dória, decretou o fechamento dos comércios como medida para conter a propagação da Covid-19. No caso de Simão, esse foi o princípio do fim. “Como eu era novo no bairro, as pessoas não conheciam meu produto. E, por melhor que ele fosse, eu tinha que brigar com quem já era consagrado na região, o que tornava as vendas bem difíceis”.

Por um ano, ele tentou manter o negócio aberto, mas, com as dívidas crescendo em uma proporção muito maior do que o faturamento, precisou fechar as portas. Simão avalia que foi o desconhecimento do que se tratava a pandemia um dos principais erros. “Em um mês estávamos pulando carnaval, no outro tudo estava fechado. Acreditei que seria passageiro, mas, não foi”, relembra.

“Aprendi que é muito importante estudar sobre a área que você deseja empreender, analisar os concorrentes e também o ponto onde vai funcionar seu negócio”, destaca o ex-empreendedor que agora trabalha como gerente de um bar em Santo André.

Daniel: dificuldades para manter o próprio negócio, aberto no começo da pandemia| Foto: Ana Paula Pickler, especial para a Gazeta do Povo
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E é exatamente essa questão que o coordenador de Mercado e Varejo do Sebrae complementa. Para ele, é preciso avaliar muito bem a necessidade de se criar um negócio. “Até o começo dos anos 1990, mesmo quem não tinha o perfil para ser empreendedor, abria um negócio e tinha grandes chances de ter sucesso, pois existia um número muito menor de empresas. Hoje, o mercado não funciona mais dessa forma: ele exige uma série de características que podem não estar presentes em todos que querem ser chefes de si mesmos”.

O especialista expõe algumas delas, como buscar informações sobre aquilo com o que se pretende trabalhar; ter uma boa rede de contatos; correr riscos calculados; planejar-se. “A energia para esse processo inicial é muito grande, então é preciso estar preparado para quando um problema surgir você saiba como resolver. Os dois primeiros anos da empresa são cruciais”, informa.

Outra dica importante que o especialista do Sebrae fornece é sobre a presença digital. “As pessoas querem se relacionar com essa empresa, não apenas comprando um produto, mas tendo atenção. Muitas vezes, a customização dos produtos, fazer algo mais elaborado, pode ser fundamental para tornar um cliente fiel a uma marca”.

Novos ares

Os três pequenos empreendedores têm um ponto em comum: mudaram completamente de área ao começar um negócio. Mas fazer mudança de carreira é um movimento que precisa ser avaliado com cuidado, segundo Giovana Petrilli, superintendente de RH do Banco BR Partners. “O primeiro passo é pensar se essa é realmente a solução do problema. Nem sempre a insatisfação com o emprego atual é um sinal de que você não gosta da profissão. É preciso avaliar sua relação com a empresa ou até mesmo a possibilidade de mudar de cargo dentro da mesma área”, pontua.

Caso a decisão seja trocar de profissão, é importante buscar informações, se vai ser necessário fazer uma nova faculdade e conversar com profissionais da área para entender melhor a nova rotina. “Faça cursos que vão possibilitar vivenciar essa realidade e, claro, programe-se financeiramente para esse momento”, orienta Giovana.

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A especialista ainda analisa a questão de quem gostaria de abrir o próprio negócio. Para ela, é possível desenvolver novas habilidades, mas nem sempre é fácil deixar as seguranças de um trabalho com carteira assinada, como salário, benefícios e direitos assegurados. “A pessoa passa a ter que lidar com as instabilidades de ser dono do negócio, liderar funcionários e não ter a segurança de um salário garantido no fim do mês. Trata-se de uma experiência muito mais desafiadora, que requer paciência, perseverança e planejamento”, finaliza.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]