Em novembro do ano passado, pacientes com Covid-19 no Paraná ocupavam, além dos leitos destinados exclusivamente ao tratamento da doença, outros 200, em média, que haviam sido separados para outras condições, como infarto, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e acidentes de trânsito. Com o avanço da doença no início do ano, os leitos realocados atingiram o número de 821, registrados no dia 18 de março, de acordo com os dados da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa).
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Os números são referentes aos leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), mas mesmo os hospitais privados tiveram de remanejar as estruturas, chegando a acomodar 855 pacientes com Covid-19 em leitos que, até então, estavam destinados a outras emergências. O pico foi identificado no dia 30 de março — fim de um mês marcado pelo fechamento dos pronto-atendimentos de diferentes hospitais em Curitiba.
Não ter leitos sobrando é arriscado, e as autoridades sanitárias sabem. "A gente tenta evitar isso ao máximo porque é uma situação de risco para outras patologias, cujos pacientes podem passar a ter prejuízo se a gente for obrigado a direcionar todos os leitos da rede para uma doença só, que é a Covid", explica Vinícius Filipak, médico e gestor da Sesa, em entrevista à Gazeta do Povo no início de março.
Ao longo da pandemia, uma das Unidades de Terapia Intensiva do Hospital Nossa Senhora das Graças se dividia entre pacientes com Covid-19 e com outras condições, como cânceres e AVCs, em diferentes boxes. No mês passado, teve de ser dedicada exclusivamente ao coronavírus, e os demais pacientes passaram a dividir espaço com a UTI cardiológica. Isso não foi suficiente para conter o avanço da Covid-19 sobre os outros leitos, segundo relata Flaviano Feu Ventorim, diretor executivo do hospital.
"Conforme as coisas foram avançando, transformamos a UTI geral em 100% Covid. Não foi suficiente. Transformei leitos de internação em UTI Covid, e não foi suficiente. Então, transformei metade do pronto socorro em UTI Covid. Teve paciente entubado no pronto socorro que ficou ali dois dias até termos vagas nas UTIs", exemplifica Ventorim, que também é presidente do Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Sindipar) e da Federação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná (Femipa).
"Não tem como manter vagas ociosas"
Nem todos os hospitais têm estrutura física ou humana para remanejar os atendimentos e, reservar vagas para outras condições, em um momento de pico nos casos de Covid-19, não é viável. "Não tem como fazer isso, embora seria ideal manter algumas vagas ociosas esperando por um infarto ou AVC. Mas seria certo? Em um momento de catástrofe, que é o que acontece, o que você faz com o paciente que precisa da vaga, seja de Covid ou não? Não tem como manter essa reserva para um lado ou para o outro nesse momento", explica Jaime Rocha, médico infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia.
"A Covid-19 não mata por si só. Ela vai ocupando os espaços das instituições de saúde que outras doenças ocupavam. Alguns hospitais tiveram todos os leitos de UTI ocupados por Covid, ou tiveram todos os equipamentos e monitores dedicados a isso. [O hospital] tem que fazer uma mágica caso chegue algum [paciente com] infarto ou AVC para atender. Isso também foi motivo para que alguns hospitais avisassem as restrições de atendimento. É uma questão de responsabilidade. E se eu não aviso, e o paciente vier para ser atendido, e eu não tiver como atender?", questiona Ventorim.
Queda em abril
Março foi o pior mês da pandemia no Paraná até o momento, e abril parece trazer números melhores. Dos leitos regulares da rede SUS, 738 estavam ocupados por pacientes de Covid-19 no dia 1º de abril. No registro mais recente, em 5 de abril, eram 611 leitos. Entre as vagas na rede privada, no mesmo período, há também uma redução. De 784 leitos regulares para 741.
Segundo Jaime Rocha, médico infectologista, os números podem até indicar que o cenário não está mais piorando, porém não é hora, ainda, de comemorar uma melhora. "Um leito ocupado não desocupa tão rápido. Pacientes de UTI têm ficado, em média, 15 dias. Muitos pacientes que hoje estão em enfermaria podem precisar das UTIs. É algo que gira todos os dias. Não consigo dar detalhes de quantos desses leitos se abriram por óbitos", explica.
Situação semelhante tem sido vista em outros estados, de acordo com Rodrigo Costa da Silva, economista e membro da Rede Análise Covid-19. "Alguns estados também estão tendo uma redução no número de internações, muito em função das restrições que foram impostas nas últimas semanas. O Rio Grande do Sul, por exemplo, entrou na sexta semana de restrição máxima e isso causou evidentemente uma redução. Mas tivemos alguns municípios que abriram e, pelo que vimos, o número de casos novos aumentou. O que era queda aponta para uma reversão", destaca o economista, que vem acompanhando os números da Covid-19 no Rio Grande do Sul e no país.
Segundo Silva, não é de se impressionar que o Paraná tenha uma redução no número de internações e de ocupações de outros leitos pela Covid, pois o estado também adotou restrições. "O medo de vocês é o mesmo do nosso, de voltar a crescer com esse afrouxamento das restrições. O pior ainda não passou. As pessoas precisam saber que redução na ocupação de UTIs ou de leitos não significa reabrir tudo, voltar ao normal", reforça.
Estratégias com prazo de validade
A estratégia de usar os leitos regulares para o atendimento da Covid não foi adotada apenas no Paraná, e outras medidas contribuíram para que houvesse essa possibilidade. Além do fechamento de serviços não essenciais, com restrição de mobilidade e aumento no isolamento social, a postergação de algumas cirurgias também ajudou. No Paraná, todas as cirurgias eletivas continuam suspensas até o início de maio, sejam em redes públicas ou privadas.
De acordo com o médico infectologista Jaime Rocha, essa é uma medida que deve ser vista com prazo de validade. "Tirando algumas cirurgias que realmente podem esperar, como as estéticas, algumas pessoas tiveram cirurgias ortopédicas, de condições que causam dor, adiadas. Ou tumores em fases iniciais. Essas têm um prazo para vencer. As cirurgias eletivas têm prazo, que não é infinito", explica.
Embora os sintomas possam ser manejados, como a dor com o uso de medicamentos certos, há o risco de lesões e efeitos colaterais. "Imagine o paciente com uma pedra no rim, que não sai. Eu posso dar remédio para dor, mas se não resolver logo, coloco em risco aquele rim. Tirando as cirurgias que são passíveis de esperar, essa medida [postergar as eletivas] funciona e deve funcionar por mais tempo, mas ela tem prazo", reforça.
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