Autorização para antecipação de pagamentos, limites maiores para dispensa de licitação e liberação de recursos diretamente aos municípios: com o país em estado de calamidade pública, o risco de malversação do dinheiro público ganha contornos ainda maiores. Nesse contexto, órgãos de fiscalização do Paraná têm buscado estratégias para evitar desvios de recursos que agravariam ainda mais as crises sanitária e econômica enfrentadas pela população.
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A ideia é evitar escândalos envolvendo mau uso de verbas públicas como os já investigados em outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Santa Catarina, Paraíba, Amapá e Pará.
No Paraná, ainda no fim de março o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) instituiu o Comitê de Crise para Supervisão e Acompanhamento das Demandas Relacionadas ao Coronavírus, cuja atribuição é analisar demandas processuais especificamente ligadas ao combate à propagação da Covid-19.
Entre as denúncias que se converteram em processos está a que suspendeu subsídios de até R$ 60 milhões da prefeitura de Curitiba às empresas de ônibus que operam na cidade. A medida foi aprovada pela Câmara Municipal no início de maio em meio a protestos da oposição. O município alega que ainda não foi notificado da decisão e que prestará todos os esclarecimentos solicitados pelo órgão. O prefeito da cidade, Rafael Greca (DEM), tem 15 dias para apresentar uma resposta sobre o tema ao órgão de controle.
Já em Pontal do Paraná, no litoral paranaense, o comitê determinou, em medida cautelar, a suspensão da compra de 10 mil máscaras respiratórias por causa de indícios de uma série de irregularidades. Comprados a R$ 32,30 a unidade, os produtos estariam superfaturados e, a quantidade, fora dos padrões populacionais do município. Além disso, não houve apresentação de propostas de outros fornecedores interessados e a empresa chinesa fabricante dos produtos consta no rol de interdição cautelar expedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em razão da falha na demonstração de eficiência mínima de filtragem do ar.
Em nota, a prefeitura de Pontal afirma que não realizou nenhum desembolso decorrente do contrato em análise pelo TCE e que a retenção do pagamento foi ordenada pelo prefeito antes mesmo da denúncia ao órgão. Além disso, informa que respeitará a decisão liminar do TCE, que está respondendo aos questionamentos e que apresentará defesa dentro do prazo legal.
Em outras situações, em diversos municípios, o mesmo comitê já decidiu cautelarmente pela suspensão, por indícios de irregularidades, de serviço de coleta de lixo reciclável; de contrato de serviço de água e esgoto; de compra de notebooks; de licitação para serviços médicos; e de serviço de pavimentação. “Às vezes a relação com a pandemia é mais direta, como no caso de Pontal do Paraná, às vezes, mais indireta”, explica Rafael Morais Gonçalves Ayres, coordenador-geral de fiscalização do TCE .
O que os órgãos de fiscalização estão fazendo
Para evitar que o cenário de calamidade pública se transforme em uma oportunidade a mais para a corrupção, órgãos como o TCE e o Ministério Público do Paraná (MP-PR) adotaram medidas específicas para este momento.
No TCE, as ações foram divididas em dois momentos, segundo o coordenador-geral de fiscalização. “Primeiramente, alinhado com tribunais de contas de todo o país, adotamos um papel orientador, para não criar um ônus ainda maior para o gestor, que naquele momento estava incumbido de lidar com a parte finalística, sanitária e de assistência social”, explica Ayres.
O órgão reuniu uma equipe de profissionais multidisciplinares para traduzir as novas normas para a realidade dos gestores e abriu um canal de comunicação para prover informações, o portal Info TCE-PR: Coronavírus. “A fiscalização não parou nesse período, mas houve uma ênfase no papel orientador”, diz Ayres.
O portal traz uma lista de questionamentos mais frequentes feitos pelos entes públicos, a legislação pertinente, orientações, contatos, entre outros conteúdos. “Além disso, foram elaborados ao menos cinco cursos específicos para esse momento de pandemia”, conta o coordenador-geral de fiscalização.
No início de maio teve início a segunda etapa da estratégia do órgão. O TCE passou a fazer um levantamento ativo de todos os editais de dispensa de licitação nos 399 municípios do Paraná, analisando objetos, valores, necessidade e relação com o momento vivido. “Passamos a entrar no mérito das contratações, com alguns parâmetros já estabelecidos.”
Ao menos dez municípios já foram notificados pelo órgão por falta de documentação ou informações incompletas. Caso não haja resposta ou o retorno seja insuficiente, podem ser instaurados apontamentos preliminares de acompanhamento (APAs). “É uma oportunidade para o gestor rever os atos, ainda sem qualquer tipo de sanção”.
O último procedimento é uma tomada de contas, quando uma irregularidade detectada é convertida em processo no tribunal e pode resultar em uma medida cautelar. “A maior parte dos problemas não é por má fé, mas por falta de conhecimento técnico”, diz o representante do TCE. “Mas existe uma máxima de que o corrupto não respeita o vírus.”
O MP, por sua vez, lançou um sistema online que registra todos os processos de compra e valores dirigidos ao controle do coronavírus em cada município do estado. Chamada de Painel Covid-19, a plataforma é abastecida com informações da Controladoria-Geral da União (CGU)– que repassa os dados referentes aos recursos que vão para os municípios – e do TCE, que informa a respeito das licitações e dispensas de licitação.
O painel informa sobre gastos com medidas de contingenciamento da doença nas cidades, como infraestrutura para unidades de saúde, transporte e contratação de médicos, compra de exames e cestas básicas para a população, entre outras.
“Com essa ferramenta, o Ministério Público do Paraná contribui para que seja conferida maior transparência e publicidade aos atos públicos, o que ganha especial importância nesse contexto de crise que enfrentamos, em que o uso correto dos recursos públicos tem relação direta com a preservação da vida de milhares de paranaenses”, afirmou o procurador-geral de Justiça Gilberto Giacoia, em nota.
Em uma avaliação divulgada na semana passada sobre a transparência das capitais brasileiras na prestação de informações sobre contratações ligadas à pandemia do coronavírus, Curitiba teve nota 27,8, ficando na 23ª posição. A prefeitura alega que estão sendo feitos os ajustes necessários para o correto cumprimento das orientações da Transparência Internacional, responsável pelo ranking.
Já na análise da transparência nos governos de estado, o Paraná ficou com nota 8,1, a quarta maior entre as 27 unidades federativas do país.
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